Do Lux ao Hard Club, clubes de música lutam juntos contra a pandemia
As perguntas mais recorrentes são: quando reabrem? e já fecharam? As respostas não são animadoras. A maioria das salas com programação musical continua fechada desde março devido à pandemia de covid-19 e, enquanto isso, já sabemos que alguns não vão reabrir. É o caso do Clube de Vila Real, do Sabotage em Lisboa, ou da Galeria Arco 8 em Ponta Delgada. Se nada for feito, outros terão o mesmo fim. É preciso agir. E, para isso, os responsáveis por estes espaços criaram a associação Circuito.
A necessidade de criar uma associação que juntasse as salas com programação musical já vinha a ser discutida no meio há pelo menos dois anos mas só agora, durante a pandemia, a associação se tornou uma realidade. "A sobrevivência une as pessoas de uma maneira especial", justifica ao DN Gonçalo Riscado, diretor da Musicbox, em Lisboa, e um dos porta-vozes da Circuito.
Antes de mais convém deixar claro do que é que estamos a falar: salas e clubes com programação musical. Ou seja, espaços que têm uma programação cultural própria, que muitas vezes até vai para além da música e estende-se a áreas como performance, exposições, debates, etc., e tem uma equipa responsável por essa programação. Não se confundem com espaços que podem ser alugados para eventos culturais nem com os bares e discotecas - embora, possam também ser bares e discotecas. "Muitos destes espaços estão muito ligados à economia da noite, é verdade", admite.
Estamos a falar de espaços como o Musicbox, no Cais do Sodré, mas também o Lux, as Damas, o Village Underground Lisboa, o Titanic sur Mer, o Hot Club Portugal (em Lisboa), o Hard Club, o Maus Hábitos (no Porto) e outros. Ao todo são 27 as salas que se associaram na Circuito.
Estas 27 salas, afirma a associação, promoveram no ano passado "7 537 atuações musicais, envolvendo milhares de autores, intérpretes e outros profissionais do espetáculo, para uma audiência de 1 178 847 pessoas". "Estamos a falar de um impacto que já é importante", sublinha Gonçalo Riscado. Da mesma forma, o impacto da sua inatividade também é sentido - antes de mais nos proprietários e trabalhadores destes espaços, mas também nos artistas que lá se apresentam e que precisam de salas de pequenas dimensões para chegar ao seu público e, por fim, neste mesmo público que atualmente está privado da maioria dos eventos culturais. Já para não falar do impacto económico, quer a nível local quer do turismo.
"Por um lado, o circuito dos clubes é essencial para o tecido cultural do país. Por outro lado, em todas as cidades, os clubes são fundamentais na dinamização da vida cultural da cidade e dos bairros, criando uma ligação à comunidade e uma relação estreita com os públicos. A abertura de um clube num bairro degradado - e isso aconteceu em Lisboa - dinamiza a vida desse bairro, traz os artistas e os públicos para esse local, incentiva a abertura de outros espaços comerciais", explica Gonçalo Riscado.
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Neste momento, a maioria destes espaços está fechada e os poucos que reabriram estão "a fazer um trabalho importante mas não têm viabilidade para continuar com a sua programação cultural". "Os clubes são geralmente espaços de pequena e média dimensão, onde as pessoas ficam em pé e habitualmente a sua lotação é de 3 pessoas por metro quadrado. E, também, como são espaços muitas vezes abaixo dos 600 lugares, têm de complementar a sua atividade com a venda de comida e bebida." Ora, as novas regras quer de lotação dos espaços, quer de horários de funcionamento e de venda de álcool, colocam grandes entraves ao funcionamento dos espaços. "Nem sequer podemos ir à luta", lamenta Gonçalo Riscado.
Para chamar a atenção para os seus problemas e para relembrar o público do quão importante é a atividade das salas de programação musical, a Circuito está a preparar uma manifestação no próximo sábado, 17 de outubro, pelas 15.00, em Lisboa, Porto, Viseu e Évora. À porta de uma sala fechada em cada uma destas cidades e irá formar-se uma fila de pessoas à espera para entrar. Em Lisboa, a "fila" irá formar-se à porta do Lux-Frágil, no Porto do Maus Hábitos, em Viseu do Carmo 81 e em Évora da Sociedade Harmonia Eborense.
A campanha, com o lema "ao vivo ou morto", espalha-se pelas redes sociais e conta com o apoio de uma série de artistas, entre os quais Xutos e Pontapés, Gisela João, Legendary Tigerman, Frankie Chavez, Três Tristes Tigres, Salvador Sobral, Manel Cruz, Mão Morta, Capicua, Capitão Fausto e muitos outros.
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"Antes de mais, queremos dizer: Estamos aqui, somos muito importantes. Vão ao nosso site, leiam o que nós escrevemos", apela Gonçalo Riscado. Depois, além de uma ação de sensibilização, esta manifestação pretende também apelar aos poderes para que tomem as medidas estratégicas que consideram necessárias.
"Nós não queremos reabrir e funcionar enquanto não houver condições para tal, percebemos perfeitamente que esta é uma questão de saúde pública e que temos de cumprir as medidas que os técnicos de saúde consideram necessárias, mas queremos chamar a atenção para o facto de se não fizer nada, neste momento, a sobrevivência destes espaços estar ameaçada." O que pedem são medidas que, primeiro, os ajudem a manter a atividade cultural, ainda que para um público reduzido e sem qualquer fim lucrativo, e, depois que lhes permitam ultrapassar este período para que, assim que for possível, poder voltar à atividade plena.
A medida que consideram mais urgente é a suspensão dos custos fixos destes espaços: arrendamentos, postos de trabalho, água, luz, gás, comunicações... "São gastos que não podem ser suspensos sem determinar o fim da atividade e que se vão acumulando ao longo dos meses, com as salas fechadas. Esta é uma medida urgentíssima".
Além disso, a associação pretende que sejam também criados "programas de apoio à criação, programação e circulação artística, envolvendo a rede do Circuito com o objetivo de reativar a atividade do ecossistema da música ao vivo nacional, impulsionando a recuperação do Circuito".
Salvaguardando que não defende a reabertura destes espaços, "até se decidir que estão reunidas as condições necessárias para retomar a atividade", a Circuito defende "a abertura urgente do discurso político à valorização e reconhecimento formal e definitivo de todas as práticas artísticas, culturais e de socialização, como forma de combate à secundarização e estigmatização das práticas e dos agentes culturais enquanto atores sociais".