Diana Lousa é uma das cientistas que integra o grupo liderado pelo professor Cláudio Soares do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier (ITQB), da Universidade NOVA de Lisboa, que estuda desde o início da pandemia o SARS CoV-2 e as suas mutações através de "ferramentas computacionais, que são uma espécie de microscópicos virtuais ou digitais, que nos permitem perceber, por exemplo, como é que a proteína Spike interage com os anticorpos, como se liga a estes e às nossas células", explica ao DN, no momento em que se investiga uma nova variante.."Assim que foi anunciada a variante, na manhã seguinte estava meio mundo da ciência já a estudá-la e a ver que informação poderia recolher". Diana Lousa assume que, apesar dos efeitos no mundo e enquanto vírus pandémico, o SARS CoV-2 é "desafiante". Ao fim de quase dois anos, já se sabe muito mais do que se sabia no início, mas, mesmo assim, "há ainda muitos mistérios por resolver"..O aparecimento da Ómicron veio colocar mais pressão nos cientistas, até porque as características preliminares fizeram soar os alarmes nos laboratórios, levando a Organização Mundial de Saúde a considerar que se trata de uma variante preocupante. Este grupo do ITQB analisou as variantes anteriores consideradas de maior interesse (Alpha, Beta, Delta) e chegou a resultados muito interessantes, como, por exemplo, que as mutações encontradas em todas elas têm um impacto significativo na estrutura da proteína Spike, que é uma peça chave do vírus, e que isso depois afeta a infecciosidade e a transmissibilidade. Sobre a Ómicron, ainda há tudo para descobrir..Faz parte do grupo do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier (ITQB) que investiga o SARS CoV-2 e as suas variantes desde o início da pandemia. Agora, já estudam a Ómicron. Porque é esta nova variante assustou tanto ?.Por dois motivos. Porque cresceu muito rapidamente na África do Sul, onde foi identificada pela primeira vez, e porque tem um número muito elevado de alterações nas suas proteínas e em particular na proteína Spike e algumas destas mutações poderiam dar azo a que nos conseguisse infetar mais facilmente ou que conseguisse escapar mais facilmente ao nosso sistema imunitário. E foi este elevado número de mutações, que nunca tinha sido verificado em nenhuma outra variante, que fez soar os alarmes..A Ómicron reúne 50 mutações diferentes, mais de 30 relativas à proteína Spike. É esta característica que a torna perigosa?.Sim, porque havendo um número tão elevado de mutações é provável que algumas delas sejam vantajosas para o vírus, sobretudo sabendo nós que cerca de 30 alterações são na proteína Spike. Isto é preocupante, porque esta é a proteína importante para o vírus entrar nas nossas células e multiplicar-se. Ou seja, é a principal proteína para ele nos infetar, mas ao mesmo tempo o principal alvo do nosso sistema imunitário e o principal componente da maioria das vacinas..Ainda não se sabe muito sobre esta nova variante, mas há especialistas que dizem que a sua origem pode estar associada à falta de controlo da infeção. Pode ter sido assim?.Para surgirem mutações tem de haver sempre tempo e espaço para o vírus se multiplicar em zonas em que a infeção não está controlada. Quando há um grande número de infeções a ocorrer, cada vez que o vírus infeta e se multiplica tem mais possibilidades de sofrer mutações e se lhe dermos tempo para infetar muitas pessoas e de se multiplicar muitas vezes ainda aumentamos mais a possibilidade de surgirem um grande número de mutações..A Ómicron foi identificada na África Austral, primeiro na África do Sul, depois em países como o Botsuana, Nigéria ou Moçambique. É de regiões como esta que se esperavam novas variantes, mas no mundo dito desenvolvido, na Europa, por exemplo, em países com um número elevado de população não vacinada também é possível apareceram novas variantes?.Normalmente, não é totalmente claro de onde vêm as variantes. Esta diz-se que veio da África do Sul porque foi ali que se conseguiu identificar os primeiros casos, mas isto não quer dizer que a variante não tenha surgido noutro local. Aliás, neste caso, e como já foi dito, já haveria casos na Holanda ainda antes de a África do Sul a ter identificado. Mas indo para a questão do aparecimento, é claro que novas variantes podem aparecer em zonas do mundo mais desenvolvido, basta que não haja uma boa cobertura da vacinação. Se não há vacinação, não há barreiras ao vírus e a transmissão é perfeitamente possível e o aparecimento de novas variantes também..Destaquedestaque"Quando há um grande número de infeções, cada vez que o vírus infeta e se multiplica tem mais possibilidades de sofrer mutações.".Há muito que se falava na possibilidade de aparecer uma variante que escapasse à proteção das vacinas. E este foi um dos primeiros receios manifestados assim que se falou nesta nova variante..À partida, nenhuma variante vai escapar completamente à imunidade conferida pelas vacinas. Pode diminuir um pouco a eficácias das vacinas que temos agora, mas não deverá escapar totalmente. Por isso, é preciso passar a mensagem de que as pessoas vacinadas continuam protegidas e que quem está vacinado está claramente muito mais protegido do que quem não está. Os próprios laboratórios das vacinas estão a investigar essa situação, mas há sempre a possibilidade de se adaptar as vacinas à nova variante se se começar a perceber que esta se vai tornar dominante e que pode haver uma perda de imunidade. Mas, além da vacinação, é preciso que as pessoas percebam que temos de continuar a ter todos os cuidados de proteção, até para prevenirmos que tudo corra melhor este ano no Natal. Se queremos que seja assim é preciso as pessoas perceberem que têm de evitar aglomerações, que têm de usar máscara e reduzir os seus contactos. É preciso perceberem que estamos no inverno, tempo de chuva e frio, e com uma variante nova que pode aumentar a transmissibilidade do vírus..Essa é uma das características que já se conhece, que terá um grau de transmissibilidade muito superior ao da Delta. Mas, com certezas, o que se sabe mais?.Com certeza não se sabe nada. Há dados preliminares que indicam que tem uma capacidade de transmissibilidade maior do que as outras variantes encontradas até agora e que, por outro lado, também parece ser menos severa. O que é uma boa notícia, mas os dados ainda são preliminares. Agora, é preciso desenvolver estudos com maior número de pessoas e em laboratório para se perceber melhor qual é a sua capacidade de escapar aos anticorpos, a sua capacidade de infetar mais facilmente as células. Ou seja, a comunidade científica precisa de mais tempo para fazer mais estudos com populações maiores e mais estudos laboratoriais, de forma controlada e com muitos detalhes, para se ficar a saber quais são as características desta variante..Esta variante ainda veio trazer mais pressão à investigação científica?.Claro. Os cientistas começaram logo a trabalhar nela, incluindo aqui o nosso laboratório e em diferentes frentes. Por um lado, recolhendo todos os dados possíveis de pessoas infetadas com esta variante, por outro lado fazendo estudos em laboratório, para testar o que dizia, a sua capacidade de escapar aos anticorpos e a sua capacidade de entrar nas células. Aqui no nosso laboratório estamos a fazer estudos computacionais para sabermos exatamente qual é o efeito desta variante, porque uma coisa é sabermos que a variante tem o efeito de ser mais infeciosa, outra coisa é sabermos o porquê desse efeito. É perceber que característica específica tem - ou seja, que característica lhe trouxe as mutações que sofreu - que faz com que se ligue melhor às nossas células ou que faça com que se ligue pior aos anticorpos. E para este trabalho são preciso estudos computacionais, além dos laboratoriais..É uma luta contra o tempo?.Sim. O que este vírus está a fazer, até pelo aparecimento de novas variantes, é que a ciência e os cientistas tenham de trabalhar mais no imediato, tenham de reagir ao que está acontecer e, portanto, tenham que mudar um pouco o seu mindset e a sua forma de trabalhar. Mas o facto de termos estudado já outras variantes e de termos já protocolos e receitas montadas permite-nos que assim que surja uma variante a possamos começar logo a estudar. Nesta fase, já nos estamos a habituar a ter de responder às situações de forma mais rápida, porque, sem dúvida, que este vírus trouxe mais pressão à comunidade científica..O SARS Cov-2 surpreendeu o mundo e ciência. É um coronavírus mais difíil de investigar e de controlar?.Depende, por um lado tivemos a vantagem de já conhecer outros coronavírus (como o SARS CoV-1) e isso facilitou de alguma maneira. Por outro, e tendo ele muitas semelhanças ao SARS CoV-1, tem uma série de características intrigantes e comporta-se de forma diferente. Continua a ter muitos mistérios por resolver, embora os progressos que a ciência alcançou em relação ao SARS CoV-2 tenham sido muito rápidos. Já sabemos mais dele do que sabíamos há dois anos, mas sem dúvida que é um vírus desafiante..Dada a característica que já lhe foi atribuída, de maior transmissibilidade, é possível afirmar que a Ómicron se tornará a variante dominante no mundo?.Ainda não é possível afirmarmos isso com toda a certeza, mas é possível antecipar que é o mais provável. E pelas duas situações que já falámos, maior capacidade de infeção e, eventualmente, escapar melhor ao sistema imunitário, mas até pelo facto de a doença ser menos grave e acabar por passar mais despercebida. Tudo isto são características que potenciam que ela se venha a tornar dominante, mas temos de aguardar mais algum tempo para percebermos a sua evolução..Havendo agora esta nova variante é possível perceber qual vai ser o futuro da pandemia?.Não, porque o futuro da pandemia depende de muitos fatores, incluindo o do comportamento das pessoas. O vírus pode mutar, e as suas alterações são imprevisíveis, mas tudo irá depender de como nós, seres humanos, nos comportarmos e respondermos à sua presença. Por exemplo, se a vacinação for acelerada nos países menos desenvolvidos e até nos mais desenvolvidos, o percurso vai ser diferente do que se continuássemos a um ritmo baixo..anamafaldainacio@dn.pt