Deputada do PS julgada por gastos com cartão de crédito enquanto autarca
A deputada do PS Joana Lima, cuja imunidade parlamentar foi levantada, irá começar a ser julgada quarta-feira em Matosinhos por ter utilizado de forma indevida um cartão de crédito de uma empresa municipal da Trofa, no período entre 2009 e 2013, em que foi presidente da Câmara da Trofa. Segundo a acusação do Ministério Público, a socialista terá ainda recebido ajudas de custo a que não tinha direito. Por isso, o MP pede que Joana Lima seja condenada a pagar 5.685,25 euros que terá gasto ou recebido de forma indevida. Em causa estão crimes de peculato, na forma continuada, abuso de poder e violação de normas de execução orçamental, este referente a uma obra que ordenou de forma oral, sem qualquer contrato escrito ou inscrição orçamental.
Entre 21 de dezembro de 2009 e 23 de fevereiro de 2012, Joana Lima usou sempre o cartão de crédito da Câmara Municipal para pagar despesas nas suas deslocações enquanto autarca da Trofa. Efetuou despesas de 2273 euros, diz o MP, que não as contesta. Mas apesar disso recebeu ajudas de custo pelas mesmas deslocações no montante de 796,76 euros. É este último valor que terá recebido indevidamente neste período.
A partir de 2012, e devido à entrada em vigor da Lei dos Compromissos e Pagamentos em atraso das entidades Públicas, diz o MP, a autarca passou a utilizar o cartão de crédito da Trofa Park, de que era presidente por inerência, para pagar o alojamento e as refeições nas suas deslocações. Entre janeiro de 2012 e 17 de outubro de 2013, pagou despesas no valor de 4176 euros. Se o recurso a este cartão já é ilegal, por a empresa municipal ter um fim específico - a reabilitação urbana, gestão de espaço desportivos e dinamização empresarial - e não poder cobrir despesas da autarquia, o MP diz que Joana Lima continuou ainda a receber ajudas de custo apesar de "bem saber que tais deslocações não implicaram para si qualquer gasto". Neste período recebeu 714,73 euros de ajudas de custo.
Assim, é pedido que seja condenada a pagar de 5685 euros, correspondentes aos gastos (4176 euros) com o cartão de crédito da Trofa Park e às ajudas de custo recebidas entre 2009 e 2013, no total de 1511,48 euros. A investigação do caso foi efetuada pela Polícia Judiciária do Porto.
Os gastos com o cartão de crédito referem-se a estadias e refeições, sobretudo em Lisboa. Na acusação, que o DN consultou, o MP enumera um total de 35 despesas efetuadas de forma indevida. Muitas são justificadas com reuniões em Lisboa, em instituições como o Tribunal de Contas, empresas públicas ou organismos do Governo, como secretarias de Estado. Encontros com o advogado Manuel Rodrigues, que prestava serviços ao município, eram também regulares. Outras não se apurou qual a finalidade das deslocações. Foi o caso de uma despesa no Bombarral, no restaurante D. José, em 2012, em que saíram 117,80 euros do cartão do crédito.
De resto, em Lisboa a deputada do PS ficava sempre no Marriott Hotel e almoçava e jantava em restaurantes como a Bica do Sapato e Oliver. Por exemplo, dia 31 de outubro de 2012, Joana Lima deslocou-se à Refer e reuniu com o advogado Manuel Rodrigues, tendo pago com o cartão de crédito 87 euros pela estadia no Marriott e mesmo assim recebeu depois depois 25 euros de ajudas de custo.
Na fase de inquérito, Joana Lima respondeu por escrito ao procurador de Santo Tirso que investigou o caso. "Sempre que ia a Lisboa tratava de assuntos do município e da Trofa Park. Nunca tratei apenas de assuntos de uma dessas entidades", disse, para justificar o uso do cartão da empresa municipal. Sobre as ajudas de custo, atirou as responsabilidades para os serviços da autarquia: "Confiava plenamente nos serviços e nunca conferi o que pagavam."
Quando decorria já o inquérito aos gastos com cartões de crédito, o MP incorporou no mesmo processo um outro caso. Em agosto de 2013, a dois meses das eleições autárquicas, Joana Lima telefonou a um gerente de uma sociedade de construção civil para que a empresa efetuasse a pavimentação uma rotunda de ligação entre as ruas D. Pedro V e Joaquim Costa Pereira Serra. Bastou o contacto telefónico para a obra ser posta em marcha, tendo sido concretizada em três ou quatro dias. Diz o MP que foi realizada de forma irregular. Não houve consulta ao mercado nem concurso. Apesar disso, o custo de 103 825 euros "encontram-se dentro dos valores normais", admite o MP.
O PS perdeu as eleições em outubro e o novo executivo municipal (PSD-CDS/PP) recusou pagar a fatura, alegando a inexistência de qualquer expediente na Câmara relativo à obra. A empresa acabou por recorrer a tribunal, com um processo a decorrer em Penafiel para tentar receber a verba da câmara trofense.
Para o MP, "apesar de saber que não o podia fazer, a arguida decidiu contratar verbalmente a realização da obra, bem sabendo que tal atuação atentava contra deveres e direitos, acarretando prejuízos à autarquia e violando as regras de cabimento orçamental por implicar assumir encargos não previstos no orçamento municipal e por isso não permitida por lei". Está acusada de um crime de violação de norma de execução orçamental.
O julgamento decorre no tribunal de Matosinhos, onde funciona de forma temporária o Juízo Central Criminal de Vila do Conde, e Artur Marques é o advogado de defesa. Foi este advogado que defendeu Joana Lima em 2015, quando a ex-presidente da Câmara do PS foi acusada de favorecer familiares em ajustes diretos, mas acabou por ser absolvida em tribunal dos crimes de abuso de poder e participação económica em negócio.