Cavaco apresentou memórias (mas deixou cair críticas)
"Os líderes do PSD e do CDS souberam encontrar o caminho do superior interesse nacional." Foi elogiando Pedro Passos Coelho, mas também Paulo Portas, que Cavaco Silva apresentou esta quarta-feira ao fim de tarde na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, o segundo volume das suas memórias presidenciais, "Quinta-feira e outros dias" (Porto Editora).
Dizendo que discordou "várias vezes" das opções do Executivo PSD/CDS que entre 2011 e 2015 governou o país, Cavaco Silva salientou, no entanto, o seu resultado final: "Certo é que o pais evitou um segundo resgate e reencontrou o caminho do crescimento." Afirmações que contrastam com algumas que o escreveu no livro, nomeadamente em relação a Portas (ausente do evento). Para Cavaco, Portas comportou-se de forma "infantil" e "absurda" na sua irrevogável demissão do verão de 2013 (que acabou por não se confirmar, ascendendo Portas de MNE a vice-primeiro-ministro). Por mais do que uma vez o ex-PR recordou que o governo de Passos foi, na história da democracia portuguesa, o primeiro de coligação a completar uma legislatura (quatro anos).
Numa indireta a José Sócrates - nome nunca pronunciado - o ex-PR terminou a sua intervenção salientando que as suas memórias contêm "ensinamentos para que os governos não deixem cair outra vez Portugal numa situação de bancarrota".
Já quanto à atual solução governativa - que tratou várias vezes por "geringonça", expressão aliás usada no subtítulo do livro - reconheceu que ela "não podia deixar" de lhe "suscitar dúvidas", sobretudo tendo em conta a oposição do BE, PCP e PEV a "grandes opções estratégicas" do país (o euro, a Nato, etc). Trata-se - acrescentou - de uma "solução inédita" na história da democracia portuguesa - razão pela qual se rodeou de todas as cautelas antes de empossar António Costa. Ouviu todos os parceiros sociais, os presidentes dos principais bancos e ainda sete economistas (seis dos quais ex-ministros) - num total de 23 reuniões. "E exigi ao lider do PS esclarecimento por escrito de vártias questões."
Cavaco Silva voltou a insistir na ideia de que escreveu estas memórias - as últimas da sua longa vida política - centrado no dever de "prestar contas". Segundo recordou, fez isso em todos os cargos políticos que ocupou (ministro das Finanças, primeiro-ministro e Presidente da República), num total de 23 livros. "Sempre entendi que a prestação de contas é um imperativo de quem exerce altos cargos públicos."
Segundo explicou, o "relato dos diálogos diretos" que manteve com os primeiros-ministros com quem se cruzou (Sócrates, Passos e Costa) é de "fidedignidade garantida" porque os registos dessas conversas foram feitos "na hora" (e essas audiências decorriam normalmente à quinta-feira, daí o título do livro).
No seu entender, as conversas semanais entre o Presidente da República e o primeiro-ministro são "momentos preciosos" para o Chefe do Estado exercer a sua "magistratura de influência". "É principalmente aí" que o faz - afirmou.
A obra abrange todo o período em que Portugal esteve sob alçada da 'troika' (2011-2014) devido à "situação de emergência" a que o país chegara em 2011 e ainda o início do Governo da 'geringonça'. Cavaco deixou Belém em março de 2016, sucedendo-lhe Marcelo Rebelo de Sousa.
Na plateia, Cavaco Silva tinha a escutá-lo figuras como Pedro Passos Coelho, o ex-Presidente da República Ramalho Eanes, ex-ministros seus como Manuela Ferreira Leite, Eduardo Catroga ou Faria de Oliveira, um atual vice-presidente de Rui Rio no PSD, David Justino, figuras de destaque no comentário político de direita (Rui Ramos e João César das Neves), antigos assessores, Assunção Esteves (ex-presidente da AR) e até um antigo vice-presidente do PSD que há pouco tempo se mudou para o "Aliança" (o novo partido de Santana Lopes), Carlos Pinto, antigo presidente da câmara da Covilhã.
Depois da apresentação da obra, Pedro Passos Coelho fez declarações confirmando que ele próprio está a escrever as suas memórias dos seus anos de liderança do PSD (março de 2010 a janeiro deste ano), com particular incidência nos seus quatro anos como primeiro-ministro (2011-2015). "Terei muito para dizer e para juntar, em complemento do que agora fica conhecido, julgo que pode dar um contexto mais alargado também, de entendimento sobre aquilo que se passou no país nesses anos", afirmou.