Pela primeira vez juntas. É coisa comovente, Deneuve e Binoche. Não chega a ser tão comovente o fator nipónico - é o consagrado Hirokazu Koreeda a realizar e não há o golpe de asas das suas obras-primas, entre as quais a Palma de Ouro de 2018, Shoplifters - Uma Família de Pequenos Ladrões, mas na ligeireza pode estar o ganho: A Verdade é uma comédia de afetos com camadas estimulantes de subtilezas interessantíssimas..Foi simples, diz ele, tal como tudo o que faz. Diz-nos em pleno Festival de San Sebastián, onde foi apresentar o filme entre muitos aplausos: "Escrevi o argumento como das outras vezes, depois alguém o traduziu, neste caso uma tradutora muito boa que o fez também durante as rodagens. A tradução tem que se lhe diga - na nossa língua temos muitas ambiguidades.".O filme é a história de uma rodagem de cinema. Catherine Deneuve é Fabienne Dangeville, diva do cinema francês, mulher orgulhosa que reencontra a sua filha, uma argumentista chamada Lumir, interpretada por uma luminosa Binoche. O filme que a atriz está a rodar é sobre um futuro de ficção científica onde ela é uma mãe que não envelhece. Maternidade, pois então, mas sobretudo piscar de olho a um cinema francês de autor e de egos. A dada altura, é ainda uma história sobre silhuetas das imagens de marca das atrizes: Deneuve a brincar com o estrelato, Binoche a espreitar e a olhar para a "mãe" com admiração e voyuerismo. Pelo meio, há ainda um Ethan Hawke como que a fazer de Ethan Hawke: um ator americano meio deslumbrado e algo pendurado entre a aura da "sogra"..Koreeda, sempre sorridente, vai dizendo também que a génese do projeto começo no almoço com Binoche em 2007: "Depois dessa refeição de sushi, três anos depois, ela foi ao Japão e eu fui a um evento onde era entrevistada. Estivemos três horas a conversar e, mais tarde, estivemos em Kyoto e aí disse-me que deveríamos fazer um filme juntos." O realizador japonês continua a sorrir quando surge a pergunta se o gozo da personagem de Deneuve a Bridget Bardot já estava no guião: "Ela não se opôs, estava no argumento... Não mudámos nada do argumento. Bem, claro que a Catherine riu muito e começou a dizer que depois disto a Bardot iria odiá-la muito. Reafirmo que ela me disse que não havia necessidade de mudar". A gargalhada cínica prossegue..O mar está ali ao lado e é impossível não perguntar se este artista prolífico não tem ganas de abrandar ou se alguma vez consegue mesmo desligar-se do cinema. O japonês voltar a sorrir: "Nos últimos 4/5 anos não parei de rodar! Quando não estava a filmar, estava a preparar o próximo filme. Sou daqueles que não desligo durante 365 dias! Agora sim, vou tentar aproveitar algum tempo de férias e tentar não pensar em cinema, mas é muito, muito complicado. Estou sempre a pensar no próximo. Neste momento, faço os possíveis para não pensar no próximo projeto.".Sabe-se já, entretanto, que a televisão é a próxima aposta do realizador. "Nos últimos seis meses estive longe do meu país e da minha família. Foi muito stressante, a única vantagem é que me dediquei por completo ao filme.".Se o cinema japonês de Koreeda joga na pegada da delicadeza, este seu filme "francês", prefere uma efervescência nova, algo que só acontece graças às "picardias" entre Deneuve e Binoche, atrizes que se entregam com prazer a esta história sobre grandezas e misérias humanas. A Verdade, no seu formato de pequeno conto, chega a ser profundo num exame sobre os rancores da memória. Aborda-se aquilo que escondemos do passado e as verdades que nunca enfrentamos, um pouco em modo de espetáculo de comédia da maldade. Nessa mistura de harmonia com ligeireza e de bom gosto de sátira (sim, há gozo declarado a uma certa pose do cinema francês), o filme vai a bom porto e Koreeda continua a encenar cenas de família com a sua habitual essência. Sempre entre a suavidade e a ilustração luxuosa da disfuncionalidade familiar, tema pilar da sua obra..*** Bom