David Carreira: "O potencial do digital para expandir a música de língua portuguesa é gigante"
Em maio, depois de ano e meio afastado dos palcos, David Carreira esgotou Campo Pequeno e Super Bock Arena. Agora, prepara-se para virar o ano com o arranque de uma tour que celebra dez anos de música e tem como ponto de partida o Bataclan, em Paris, (fevereiro) e chega a Portugal em março (Coliseu e Multiúsos de Guimarães), com 35 concertos já marcados para 2022.
Que expectativas tem para este regresso à estrada?
Estou com expectativas muito altas, mas sobretudo com grande vontade de regressar àquilo que é a minha vida e a de toda a minha equipa, das pessoas que fazem parte deste mundo do espetáculo. Este foi um ano muito complicado para todos nós - e para mim também muito difícil. Não ter a possibilidade de fazer aquilo que mais gosto tornou tudo ainda mais complicado. Poder regressar aos palcos e à excelente ligação que tenho com os fãs é muito importante. Não o digo para ser politicamente correto, é verdade.
A sua relação com os fãs é muito próxima?
Eu sempre tive uma relação muito próxima com quem me acompanha e é engraçado que agora, passados 10 anos, sinto tanto o crescimento deles como o meu. E costumo dizer-lhes isto: é uma ligação especial porque crescemos juntos. Passados estes 10 anos quero mesmo trazer-lhes um concerto especial em várias perspetivas.
Especial como? Há surpresas?
Quero fazer uma retrospetiva desta década - é isso que estamos a preparar em termos de construção do concerto, desde o décor, ao alinhamento dos temas, convidados e até momentos que estamos a criar em cima de palco. Um concerto vive de momentos e quero fazer destes uma biografia do que tem sido a minha carreira. E quero que os meus fãs participem nas escolhas - faço muito isso através das minhas redes sociais e sempre gostei, acho importante que quem me segue possa ver em palco as músicas de que mais gosta e que mais impacto tiveram nas suas vidas. Estes concertos são tanto meus como deles.
E haverá convidados especiais, novas músicas...?
Em relação aos convidados quero ter comigo em palco pessoas que ao longo destes 10 anos partilharam comigo vários momentos e com as quais desenvolvi temas. Vamos ter também temas novos que estou a desenvolver, sim. Vou lançar em breve um novo com o Kevin O Chris, que recentemente teve participações com o Drake e o Post Malone e foi o artista brasileiro mais ouvido no Spotify no último ano. E estou a preparar outros com artistas que espero ter presentes no Coliseu de Lisboa e no Multiúsos de Guimarães...
E porquê começar em Paris? É um regresso às origens?
Sem dúvida, é isso mesmo - um regresso às origens. Os concertos de Paris e do Luxemburgo vão ser diferentes dos que vou fazer cá , porque vou cantar metade em francês e metade em português. Lancei dois álbuns em França, em 2014 e 2016, e tenho muitos fãs que não falam português, apenas francês. Por isso, pela primeira vez vou fazer um concerto misto, no Bataclan e no Casino 2000 (Luxemburgo).
Falava há pouco de como usa as redes sociais para promover a sua música. É uma boa fórmula para gerar buzz, ao fim destes dez anos?
Eu comecei em 2010 - na música em 2011 - e tive oportunidade de acompanhar a importância que as redes sociais têm através das músicas, das coreografias, projetos de ficção, culinária, programas de TV, o que for... as redes sociais são hoje a forma mais direta de ter ligação com as pessoas que acompanham o teu percurso. Já não é obrigatório passar pela TV ou rádio, tens a possibilidade de criares o teu próprio conteúdo, fazê-lo chegar às pessoas e depois então diversificar o que se faz para TV ou rádio, por exemplo. É uma forma de fazeres diferente todos os dias na carreira e teres a possibilidade de fazer algo que nunca tinhas pensado. Eu tive oportunidades devido às redes sociais que me permitiram crescer enquanto artista. Sinto que é uma ferramenta fundamental e em cada rede podes mostrar coisas diferentes. No Tik Tok faço tudo o que está mais ligado à dança, ao Instagram recorro para conteúdos mais especiais e para mostrar o trabalho em estúdio, mais ligado à música ou à culinária. O Youtube e Spotify são só música. E as facetas complementam-se.
E a sustentabilidade financeira vem de onde, dos palcos, dos discos?
No mundo da música sempre foram sobretudo os concertos a dar possibilidade a um artista de viver do seu trabalho. Nesta fase de pandemia foi muito mais difícil, mas através do digital consegue-se manter a sustentabilidade financeira de um artista e realizar certos projetos. O potencial que o digital tem, e sobretudo o que a língua portuguesa nos permite fazer, é gigante e os artistas que tiverem essa noção vão conseguir aproveitar para expandir ainda mais a sua música. Já não é preciso ir a uma loja comprar o disco, a música de um português facilmente pode explodir para o mundo com as plataformas disponíveis. E sinto que a música de língua portuguesa se tem unido cada vez mais: o público brasileiro ouve mais música portuguesa, há uma ligação muito forte com Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, enfim todos os PALOP e passa muito por aí. Através do digital, chegar a mercados que têm números muitos superiores, como Angola ou o Brasil. O mercado da música portuguesa é gigante e se isso for bem aproveitado um artista pode viver do digital - e isso é um sonho.
E as participações especiais com esses artistas (Kevinho, Ludmila, Giulia B...) ajudam nessa projeção. Há mais a caminho?
É o que dizia, unir a língua, cada vez vemos mais isso na cultura, nas séries, com atores portugueses lá fora. Há outras parcerias a caminho, falei já do Kevin O Chris, mas tenho mais algumas alinhadas, tanto nacionais como internacionais, para o próximo ano, mas ainda não podemos anunciar. Há muitas novidades a caminho na lógica de mostrar a música portuguesa, mas também outras como o mercado de língua francesa, nigeriano, inglês... estamos a "cozinhar" vários duetos.
A sua carreira começou fora de Portugal mas é um artista português. Voltar a atuar lá fora passou a ser um complemento da carreira?
Eu lancei dois álbuns em França mas eu gosto de Portugal (risos) e na altura decidi que queria viver cá e não queria estar tanto tempo fora. Eu gosto de Paris, mas Lisboa é a minha cidade. Talvez daqui a cinco anos possa encontrar um sítio no qual me veja a viver, as pessoas mudam, a forma de pensar também e os nossos objetivos acompanham isso. Mas neste momento sinto-me muito bem cá. As participações que fizer para o mercado francês serão algo esporádico, como um tema ou um álbum que consiga fazer.
E como é que se cose a música com a publicidade - fez recentemente a campanha de uma marca de roupa interior, de um banco...
Antes de ser cantor eu sempre me vi a fazer algo que estivesse relacionado com criatividade. O que me fez fazer música foi adorar histórias, contar histórias e a parte que mais gosto da música são as letras por isso mesmo. Essa é a minha grande ligação com a música, eu estou sempre a ver filmes e séries, a consumir conteúdo porque adoro uma boa história. No liceu a minha disciplina preferida era história porque preciso de perceber como as coisas aconteceram, e tenho sempre essa curiosidade por histórias interessantes. Sinto que a publicidade tem muito disso, cada vez mais tenho feito consultoria para marcas para apresentar ideias e histórias dessa forma. Tenho sido desafiado a contar histórias e é aí que vejo uma ligação com as músicas e letras. Ao ver o trabalho que tenho feito ultimamente na publicidade é muito à volta disso, por exemplo o Carreira de Chef que são 12 episódios que fizemos com o Continente em que eu tinha de cozinhar. E a ideia surgiu-me quando falei com eles, e disse-lhes que eu gosto de cozinhar mas não sabia muito bem e gostaria de ter um programa com chefs conhecidos e amigos, o que podia correr bem ou mal. E isto era algo que eu já fazia em casa, desafios com amigos e com familiares de quem é que ia fazer o melhor pratos, fazíamos dois pratos e depois toda a gente votava. É o lado de criar um conceito e que pode funcionar numa campanha. E a maior parte das campanhas que tenho feito ou têm na totalidade ideia criativa da Brainstorm, a agência criativa que criei com o Mickael, ou têm uma coprodução ou damos inputs dentro do que é nos é proposto. E é algo que tenho gostado muito de fazer, este trabalho de backstage e que eu gostaria de fazer cada vez mais, desenhar o projeto estando eu ou não depois em frente às câmaras.
A carreira de ator sobrepõe-se à música ou consegue conciliar-se com esforço?
Não quero que se sobreponha à música, sou muito mais feliz a fazer música mas também gosto muito de representar. Acho que há espaço para as duas coisas, são fases. Há alturas em que não tenho tanto para contar na música e não gosto de estar sem fazer nada, por isso há sempre espaço para a representação. Já não fazia algo enquanto ator há muito tempo, há uns 6 anos e voltei neste projeto do Bem-me-quer e têm surgido algumas oportunidades que estou a pensar aceitar. E existem outros projetos criativos que com ajuda de outras pessoas estou também a começar a escrever, porque escrever música é uma coisa, mas pensar e escrever um projeto de ficção há toda uma técnica e um trabalho que requerem experiência e estudos que também não tive, eu gosto de desafios por isso é algo onde estou também a começar. Tudo tem o seu tempo, a música, a representação e os outros projetos.
Como é que lida com os fãs? É fácil dar atenção mesmo quando só apetece estar tranquilo em família ou entre amigos?
Eu tenho uma ligação brutal com os meus fãs, quem olha para as minhas redes sociais consegue perceber isso, é uma relação muito próxima e é algo genuíno. Às vezes tenho fãs que aparecem lá no estúdio, eu não consigo dizer que não e no outro dia estava a mostrar um tema que ainda não saiu e uma menina disse-me: "é impressionante como tu agora ainda és mais atencioso do que antes", acho que foi essa a expressão que utilizou. E a minha reação foi logo que para mim é normal porque já não estou com eles há dois anos, por isso tenho saudades. Eu conheço os nomes dos meus fãs e nos autógrafos tenho sempre tempo para falar com todos, tirar fotografias. É importante para mim sentir o carinho deles.