Em tempos de pandemia o "nós" tem um ecrã pelo meio

As viagens passaram para encontros no zoom, os aniversários festejam-se com a família e amigos em videochamada. Em tempos de quarentena o contacto social não desapareceu, ganhou um ecrã pelo meio.
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E, de repente, tudo mudou. Os aniversários que até já tinham local reservado foram suspensos, os encontros que já estavam marcados foram adiados, até essa verdadeira instituição nacional que é o café para pôr a conversa em dia desapareceu por efeito da quarentena que mantém milhões de pessoas em casa. Diretamente da rua para o sofá, os portugueses procuram formas alternativas de continuar a encontrar-se - e o espaço público passou para o mundo virtual.

Pedro S. devia estar, por estes dias, em Palma de Maiorca, para onde estava aprazado o encontro que mantém, há anos, com três amigos de infância. Um vai de Portugal, outro da Suíça, um terceiro de Barcelona, o quarto era, este ano, o anfitrião do encontro na ilha do Mediterrâneo.

A viagem estava marcada desde finais do ano passado, como de costume para o período da Páscoa, e os quatro amigos mantiveram o encontro em aberto quase até à última hora. Mas o agravamento da situação em Espanha acabou por ditar o desfecho que, de qualquer forma, se tornaria inevitável pouco depois com o encerramento das fronteiras: a viagem foi cancelada. "Não íamos arriscar, três de nós são pais, não ficaríamos sossegados com a perspetiva de algum familiar ficar doente e nós estarmos em deslocação", conta ao DN.

Mas o encontro vai manter-se em formato virtual. Já não terá como cenário as praias do Mediterrâneo, mas este sábado, às quatro da tarde, os quatro amigos vão reunir-se na mesma. "Vamos juntar-nos numa videochamada no WhatsApp para beber uma cerveja e pôr a conversa em dia", diz Pedro, acrescentando que este meio de contacto entre o grupo de amigos era raro, mas começou agora a tornar-se mais frequente, desde que o novo coronavírus pôs toda a gente em casa, de Lisboa a Maiorca, de Barcelona à Suíça. A alternativa virtual à viagem nem foi bem uma coisa planeada, surgiu de forma "natural".

A opção destes quatro amigos está a ser repetida em muitas casas portuguesas, onde a impossibilidade da reunião física é substituída pela comunicação virtual. A ferramentas como o WhatsApp ou o google hangouts juntam-se outras que entraram agora em força no quotidiano dos portugueses. O caso mais evidente é o Zoom, até agora usado sobretudo no plano empresarial, mas que se tornou uma ferramenta privilegiada para o contacto, por exemplo, entre alunos e escolas, ou simplesmente entre família e amigos. Segundo o presidente da empresa, Eric Yuan, o Zoom teve 200 milhões de utilizadores ativos diariamente, em todo o mundo, durante o mês de março. A comparação com dezembro é elucidativa de como o isolamento social ditado pela pandemia fez disparar a procura desta plataforma: em dezembro eram dez milhões. Embora não existam números concretos para Portugal, há um dado que mostra que os portugueses seguem a tendência: o Zoom, que permite por várias pessoas em videochamada ao mesmo tempo, é a app mais descarregada na última semana, quer em iPhones, quer em androids. A versão gratuita permite que se possam juntar até 100 pessoas. Nas versões pagas, o número pode chegar a mil.

Outra app que está a fazer sucesso, embora as suspeitas de falta de segurança tenham levado muitas pessoas a deixar esta plataforma, é a Houseparty, que também permite videochamadas, mas acrescentando-lhe jogos que podem juntar vários jogadores. Entre as possibilidades que se levantam nesta quarentena também há a hipótese de ir ao cinema com os amigos, por assim dizer, o conceito que está subjacente ao Netflix party, que permite sincronizar várias pessoas a ver o mesmo filme.

E se há cinema, também há concertos. Facebook, Youtube ou Instagram Live são algumas das plataformas que têm vindo a "substituir" os concertos ao vivo.

Os aniversários em tempos de pandemia

Mas há mais "fenómenos" em curso de passagem para o mundo on-line. Duarte faz oito anos este sábado e a quarentena ditou que a festa planeada pelos pais não pode realizar-se. "Já tínhamos alugado um campo de futebol indoor, mas anulámos a reserva, ficará para quando tudo isto passar", conta o pai, Carlos. Em vez disso, Duarte ouvirá os parabéns cantados pelos pais e a irmã ali ao lado, e por alguns familiares e amigos através de um ecrã. "Seremos nós os quatro. O que vamos fazer é juntar-nos em videoconferência com família e amigos para lhe cantar os parabéns", diz o pai.

A preparação do aniversário também não seguiu os trâmites habituais: as prendas foram compradas online, o bolo virá de uma pastelaria que ainda mantém produção local.

"Manter uma presença física, ainda que à distância" de amigos e familiares próximos nesta altura de isolamento social é mais do que recomendável, é "fundamental", defende a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos. "É fundamental que as pessoas cuidem as suas redes de empatia. Isto é essencial, tanto para as crianças, como para os adultos", sublinha. E isso passa pela presença física virtual - ver a imagem, ou pelo menos ouvir a voz. "Vejo isso nas minhas consultas. Uma coisa fundamental era pôr todos os avós com telemóvel", defende Ana Vasconcelos.

Sobre a situação específica com que muitos pais se vão confrontando - os muito esperados aniversários dos mais pequenos que agora têm, no mínimo, de mudar de formato - esta pedopsiquiatra defende que o mais importante é "apresentar as coisas pela positiva, tendo em mente a verdade que o momento exige", mesmo em relação a uma criança mais pequena. Usar "o skype ou o zoom no dia de anos dos miúdos" pode ser o caminho, ou pedir às pessoas que mandem um mail dirigido à criança e esta ligar depois a agradecer, fazer um horário a que os amigos vão ligar, são estratégias possíveis dentro do que deve ser um princípio geral - "construir coisas para a espera" destes dias. "Imaginação ao poder", resume esta pedopsiquiatra.

Mas, em tempos de quarentena, há quem ainda tente meios de comunicação um bocadinho menos tecnológicos, nomeadamente para assinalar aniversários. Foi o que fez a família que se lembrou de escrever à PSP de Castelo Branco a pedir se não podiam ir cantar os parabéns a uma senhora que fazia 61 anos. E a PSP foi mesmo. A imagem correu as redes sociais e fez furor. Tanto, que a PSP de Castelo Branco soma agora pedidos para variados aniversários...

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