Pouco mais de meio ano depois de Portugal ter sido forçado a pedir um resgate financeiro, e numa fase em que muitos investidores internacionais fugiam, Pequim dava um sinal de que iria fazer uma aposta forte no país. Desembolsou 2,7 mil milhões de euros para ficar com 21% da EDP, participação que o Estado se comprometeu a vender perante a troika. A estatal China Three Gorges pagou um prémio de mais de 50% para garantir que não falharia esse negócio..Foi a porta de entrada para uma intensificação das compras chinesas em Portugal: numa década, empresas públicas e privadas chinesas aplicaram cerca de oito mil milhões de euros para ficarem com participações em empresas portuguesas, segundo um levantamento recente feito pela Bloomberg. De acordo com cálculos da ESADE, Portugal foi dos principais destinos europeus do investimento chinês, ajustando os valores das compras à dimensão da economia. E esses valores poderão ainda aumentar de forma significativa..A visita do presidente chinês, Xi Jinping, pode significar novos investimentos no âmbito da iniciativa Uma Faixa, Uma Rota. Pequim quer inspirar-se na antiga rota da seda para concretizar um plano de megainfraestruturas que permita ligar a China ao resto do mundo de forma a aprofundar a globalização. E Portugal não quer ficar de fora. Um dos trunfos nacionais é o porto de Sines, que poderá ter um papel importante a desempenhar na nova rota marítima da seda..Além dos possíveis investimentos para concretizar a sua estratégia de ligação à Europa, a China está a reforçar nas primeiras apostas feitas em Portugal. A China Three Gorges tem em curso uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre o capital que ainda não detém na EDP e sobre a Renováveis. Se ficar com 100% da elétrica e da eólica terá de investir cerca de dez mil milhões de euros, tendo como base as contrapartidas propostas pela empresa que gere a barragem das Três Gargantas. O patamar mínimo para o sucesso nesse negócio é ficar com 50% mais uma ação da elétrica, o que levaria a um investimento de 3,2 mil milhões..No entanto, a visita de Xi Jinping ocorre numa altura em que existe incerteza sobre o negócio. Para a OPA avançar é necessária luz verde de reguladores de oito países, incluindo os EUA. E os sinais vindos de Washington, e também de Bruxelas, são de que poderão surgir entraves à operação..Muito mais do que energia.Numa primeira fase, o interesse chinês em Portugal centrou-se na energia e foi concretizado em tempos de crise. Para os investigadores da ESADE, foi uma forma de a China entrar na Europa a preços atrativos. Mas a relação teve benefícios para ambas as partes. Portugal aproveitou para estreitar relações com a segunda maior potência económica global e de, além de capital, aceder a financiamento numa fase em que os mercados internacionais estavam fechados para o país..Mas o apetite chinês por empresas portuguesas continuou a crescer à medida que a economia dava sinais de recuperação. Desde 2015, entidades chinesas, com a Fosun à cabeça, têm entrado em setores como seguros, banca e saúde. Esta empresa chinesa, liderada por Guo Guangchang (apelidado de Warren Buffet chinês), é dona da Fidelidade e o maior acionista do BCP. Outros setores no radar chinês são o imobiliário e o turismo..Como o made in Portugal está a conquistar adeptos na China.É um negócio da China made in Leça do Balio. Começou devagarinho em 2009 e hoje rende milhões. A Super Bock foi uma das empresas portuguesas que cedo descobriram que o futuro do comércio está a oriente. "Há uma forte apetência na China por produtos importados associados ao estilo de vida português", explica Rui Lopes Ferreira, CEO do Super Bock Group..A sede dos chineses pelo produto português é tanta que já vale 45% das exportações do grupo, e no início do ano levou a empresa a criar uma cerveja especificamente para o paladar chinês. Rui Lopes Ferreira admite que a distância e as diferenças culturais são desafios diários, mas garante que o futuro passa por "dar continuidade à estratégia de exportação e expansão nesta geografia, com a prudência necessária"..A Super Bock é uma entre as quase 1500 empresas portuguesas que em 2017 exportaram para a China. As vendas de bens e serviços para o gigante asiático totalizaram 1057 milhões de euros, mais 17% do que há cinco anos. Nos primeiros nove meses de 2018, a China ficou em 13.º no ranking dos maiores clientes de bens nacionais..Mas a realidade será outra. "Essas estatísticas não coincidem com as chinesas; nestas, a sensação é que o papel da China nas exportações é mais importante. Isso pode estar relacionado com as trasfegas. Em Portugal há um valor significativo de exportações para Singapura, mas este não é o destino final, serve como ponto de passagem", destaca João Marques da Cruz, presidente da Câmara do Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC) e administrador da EDP..O responsável acredita que, fora da União Europeia, é no gigante asiático que está o maior potencial de crescimento das vendas de bens portugueses. Entre as que já têm o código postal de Pequim na lista de envios, o destaque vai para a Autoeuropa, a maior exportadora nacional para a China, segundo a CCILC. O setor automóvel representa, aliás, quase um terço das vendas de Portugal para aquele país. Seguem-se as exportações de minerais e de produtos ligados à indústria do papel. Aqui, são empresas como Altri, Navigator e Somincor que se destacam no top 10..Apesar do otimismo, a balança comercial entre Portugal e China nunca pendeu tanto como agora para o lado asiático. As importações chinesas ultrapassaram os 1900 milhões de euros em 2017. Neste ano, só na compra de bens, a China ocupa o sexto lugar dos maiores fornecedores da economia nacional. Máquinas, metais e têxteis são os bens chineses que mais entram em Portugal.