"Quisemos destralhar, ficar mais leves, regressar ao minimalismo." Foi com este objetivo que Patrícia Azevedo, de 35 anos, resolveu fazer uma venda de garagem. Quis desfazer-se dos objetos que a família já não usava. "Não são coisas das quais não gostamos, mas podemos perfeitamente viver sem elas." Não venderam tudo, e lembraram-se de que o Natal estava a chegar. "Pensámos: temos tantas coisas e muitas delas nem sequer foram usadas. Por que não convidar a família para ver se tem alguma coisa de que necessitem? Assim fazemos as prendas com esses objetos, em vez de estarmos a comprar coisas novas.".O sobrinho, por exemplo, adorou o casaco do tio, que estava praticamente novo. Uma história que se repetiu com os outros membros da família. Para embrulhar as prendas, Patrícia, o marido e a filha vão reutilizar os sacos que têm em casa. "Fazemos um embrulho catita com fio de algodão. Assim, não gastamos dinheiro e repassamos objetos, o que nos permite ter um Natal mais sustentável.".Patrícia Azevedo é mentora do projeto Green Diamond, uma loja de produtos naturais e biológicos, que também organiza palestras e workshops sobre práticas naturais e saudáveis. Desde cedo que se preocupa com questões ambientais, de tal forma que, enquanto era professora de Expressão Plástica, costumavam chamar-lhe "a mulher do lixo". "Só utilizava resíduos", recorda..A Green Diamond surgiu como loja pop-up (um espaço comercial temporário), no Natal passado, e entretanto tornou-se um negócio a tempo inteiro, em Vila do Conde. Tal como no resto do ano, é um espaço onde só se faz embrulhos sustentáveis, reutilizando caixas de papel. "Mas também se pode fazer dobragens japonesas com tecido. Ainda não implementámos este sistema, mas é uma ideia muito interessante.".Contrariar o consumismo e a produção de resíduos é um modo de vida e, apesar de trazer novos desafios, o Natal não será exceção. "A nossa árvore é de cartão e é decorada com trabalhos manuais da Maria", exemplifica. Quanto à ceia, é a sogra quem faz as compras, mas de uma forma que a tranquiliza. "No comércio local e leva o saco de pano de casa. Compra, maioritariamente, a granel." Já à mesa, as crianças podem usar palhinhas, mas só de inox. E os guardanapos são de pano. ."O difícil é querermos efetivamente mudar".Uma das formadoras que costumam passar pelo Green Diamond é Ana Milhazes, embaixadora do movimento Lixo Zero Portugal - que no Facebook conta com mais de 14 000 seguidores. Professora de yoga e meditação, de 34 anos, decidiu deixar de produzir lixo há cerca de dois anos. Inspirada no exemplo de Bea Johnson, autora do livro Zero Waste Home, criou a primeira comunidade de zero wasters em Portugal, e, logo em 2016, procurou ter um Natal sem plástico descartável.."Não é difícil. O que é difícil é querermos efetivamente mudar. Normalmente fazemos o que está à disposição. Ou as pessoas se predispõem a mudar, ou vai ser difícil. Claro que a primeira vez custa um pouco, mas em algumas coisas é voltar atrás, ao que se fazia antigamente", diz ao DN. Para a também autora do blogue Ana, Go Slowly, é "assustadora" a quantidade de lixo que se vê no final da noite de Natal nas ruas. "É das coisas que mais me chocam", assume, lembrando que não costuma ser feita a recolha do lixo na noite de consoada e no dia 25..Ana Milhazes não oferece presentes, nem quer que lhe ofereçam. "Mas, se o fizesse, era tudo sem plástico." Dá como exemplo os brinquedos sustentáveis, feitos de tecido, bambu ou madeira. "Ou experiências, como uma ida ao cinema ou a um concerto.".No ano passado, Ana fez uma árvore de Natal com os livros que tem em casa, mas neste ano optou por decorar apenas uma estante com luzes. "Tento sempre reutilizar coisas que tenho em casa", diz. Vai confecionar o prato principal e as sobremesas - comida vegetariana com produtos comprados a granel - mas, em anos anteriores, costumava comprar as refeições a pessoas que cozinham para fora. "Nesses casos, a sugestão é para que as pessoas levem os seus próprios recipientes, evitando as embalagens de plástico. Devem avisar logo quando fazem a encomenda", sugere. À mesa "é tudo reutilizável, e até fica muito mais bonito"..Quando vai às compras, Ana leva uma mochila e sacos reutilizáveis. Está constantemente a dizer não. Mesmo nas compras feitas no retalho, "é melhor recusar sempre os sacos, porque, embora possam ser mais resistentes, não vão ser reutilizados tantas vezes como poderiam ser". "Se fossem usados até ao fim de vida, eram muito mais ecológicos. O problema é que descartamos muito facilmente esses sacos, que depois são usados para o lixo, o que é péssimo", explica..Não levar descartáveis para a mesa.Ao longo dos anos, a Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza tem vindo a alertar para a necessidade de o Natal ser ambientalmente mais correto. "Não é difícil ter um Natal sem plástico descartável. É preciso é procurar alternativas. Na ceia, por exemplo, muitas pessoas compram descartáveis para facilitar a lavagem. Mas, mesmo os pratos de papel, têm uma película de plástico. Porque não usar as loiças de família?", propõe Carmen Lima, coordenadora do Centro de Informação de Resíduos da Quercus..Para que as crianças consigam ver os brinquedos que estão dentro das caixas, muitas embalagens conjugam papel e plástico. "Devemos fugir aos brinquedos em plástico embalados em plástico. Existem alternativas em cartão e madeira", sugere a responsável. Até o papel de embrulho, sublinha, costuma ser plastificado, pelo que uma sugestão é "usar jornais antigos". Se não tiver criatividade, a internet dá uma ajuda. "Podemos envolver as crianças. É recuperar o espírito do Natal.".Carmen Lima aconselha os portugueses a oferecerem presentes "mais emocionais do que materiais", nomeadamente experiências ou mesmo tempo em família. "Ou a fazerem os próprios presentes, como compotas."."Não me passa pela cabeça enfiar-me num shopping".A tentar viver sem produzir lixo descartável, Catarina Barreiros, de 25 anos, decidiu oferecer artigos em segunda mão, experiências (vales de cinema, uma ida ao zoo, uma manicure em casa, um workshop de vinhos), produtos solidários e zero waste (lixo zero). Juntamente com o marido, vai fazer "kits zero waste" com frascos, folhas de chá, grãos de café, detergente a granel. "São coisas com as quais as pessoas não têm uma grande relação. Decidimos oferecer uma alternativa para verem o quão fácil é mudar", conta, destacando que os embrulhos serão feitos com materiais reutilizados.."Não me passa pela cabeça enfiar-me num shopping a fazer as compras de Natal", diz Catarina Barreiros, que decidiu neste ano tentar evitar todos "os produtos que não se usam mais do que uma vez, sejam de plástico ou papel, cuja produção também é muito prejudicial para o ambiente". Casou -se e decidiu mudar de vida. Evitar todo o desperdício. Como era o primeiro ano na nova casa, não tinha decorações de Natal. "A nossa árvore foi-nos oferecida por uma amiga da minha sogra, que já não precisava dela. Assim continuamos a dar uso a uma árvore que já estava no planeta e que ia para o lixo. Todas as decorações são em segunda mão", refere..Em vez dos tradicionais calendários do advento (com chocolates ou presentes), o marido, João, escreve-lhe um poema por dia, que penduram numa corda na despensa com molas de madeira. Por fim, para fazer a grinalda natalícia, Catarina aproveitou cartão velho que tinha em casa dos pais, ramos de pinheiro e pinhas que a cadela - a Chiara - "adorou"..Além de evitar o plástico descartável, existem outras maneiras de contribuir para diminuir a pegada ecológica da quadra natalícia. "Ir às compras de transportes públicos e procurar o comércio local, por exemplo", diz Carmen Lima..Quando o Natal acabar, procure separar todas as embalagens e colocá-las no ecoponto mais próximo. Guarde o papel de embrulho, os laços e as caixas, para que os possa usar no próximo ano.