As salas de aulas vão mudar (ainda mais) já neste ano letivo. Pelo menos é o resultado esperado com a portaria do Ministério da Educação que entrou em vigor no domingo e contempla o alargamento da flexibilidade curricular das escolas a mais de 25%. Durante o mês de julho, todas as escolas do país podiam concorrer com planos de inovação. Umas optam apenas por transformar períodos em semestres escolares, outras preferem ir mais longe. Fomos saber o que vai mudar para alunos e professores..É com entusiasmo que Ana Cláudia Cohen, professora e diretora do Agrupamento de Escolas de Alcanena, fala dos resultados que a iniciativa gerou nos estudantes e no corpo docente desde que era apenas uma experiência. Começou como Projeto-Piloto de Inovação Pedagógica (PPIP), no ano letivo 2017-2018, do qual fizeram parte 225 estabelecimentos de ensino. "Fez-nos olhar para dentro da sala de aula", explica ao DN..Um ano depois, Ana Cláudia estava já a lançar o seu próprio livro sobre o tema, o Guia da Autonomia e Flexibilidade Curricular, para ajudar professores e diretores a tirar o melhor proveito possível da liberdade curricular. "Quando os professores refletem sobre o seu trabalho e os seus alunos, chegam à conclusão de que temos de mudar algumas práticas", diz. E "não é que os professores estivessem estagnados, mas estavam submersos em muita burocracia e muitos trabalhos, sem olhar para dentro da sala de aula", reforça. Por isso, a flexibilidade nos currículos trouxe vida às escolas, garante..Perante o sucesso do projeto-piloto, a tutela decidiu ampliar a iniciativa a todas as escolas que estejam interessadas em concorrer à aplicação da flexibilização curricular até 25% no início de cada ciclo de escolaridade (5.º, 7.º e 10.º anos)..Segundo o ministério, a iniciativa nasceu com o objetivo de reduzir o abandono escolar e aumentar o sucesso académico, bem como a autonomia pedagógica, curricular, administrativa e cultural das escolas. Neste ano, um novo despacho definiu uma percentagem de flexibilidade ainda maior para as instituições: além dos 25%..Não é uma obrigatoriedade nem tão-pouco uma decisão de livre-trânsito para as escolas. Qualquer uma que esteja interessada concorre com respostas curriculares e pedagógicas específicas. São posteriormente avaliadas pela tutela, que decide autorizá-las ou não..Afinal, o que pode mudar nas salas de aula?.Só é preciso dar asas à imaginação e "analisar a realidade" da escola em causa, começa por explicar a autora Ana Cláudia Cohen. "Há vários modelos. Pode haver projetos por turmas ou por anos, por exemplo", continua. Desde a criação de novas disciplinas à fusão de matérias, quase tudo é possível..No seu agrupamento, por exemplo, decidiram fazer frente às maiores lacunas dos alunos com a introdução de duas novas disciplinas, que serão iniciadas apenas neste ano. O Laboratório Magalhães é uma delas, desenhada para resolver "as dificuldades que (os alunos) têm relativamente à identificação e a interpretação de fontes", como mapas e gráficos - elementos correntes nos exames nacionais. "Muitas vezes nem sequer compreendem o que é essencial e o que é acessório quando os analisam", diz. "Então, críamos este laboratório para o 7.º ano, lecionado por um professor de História e Geografia. Para quando chegarem ao secundário já terem esta falha ultrapassada.".Outro exemplo passa pela disciplina que designaram Matematik. Os anos de experiência profissional fazem Ana Cláudia concluir que "há muito sucesso na Matemática até ao 4.º ano", mas "grande insucesso a partir do 5.º ano", que "tende a aumentar cada vez mais a partir daqui". Tudo o que tinham tentado anteriormente no seu agrupamento "não foi suficiente", por isso, resolveram tornar a disciplina mais interativa. "Apostamos a tecnologia na Matemática" e "a Matemática aplicada a casos concretos" do dia-a-dia, esclarece. A Matematik é agora uma disciplina do 5.º e 6.º anos..Mas também fundem matérias de diferentes disciplinas. No início de cada ano, professores, alunos e encarregados de educação juntam-se para debater "um tema aglutinador" e comum a todas as áreas que serão estudadas ao longo do ano. "No primeiro ano era 'Caminhando ao longo da nossa história', sobre o nosso território, com uma abordagem geológica, cultural, histórica, artística e geográfica. No ano passado, foi 'Antropoceno', onde abordamos tudo o que tem que ver com preservação dos oceanos, energias renováveis, etc.", conta..Após um balanço do primeiro ano em que a flexibilidade curricular foi aplicada no Agrupamento de Escolas de Alcanena, a professora Ana Cláudia ficou surpresa "como tudo correu tão bem". E os resultados ficaram à vista: "Os nossos alunos do 11.º ano ficaram dois valores acima da média nacional nos exames de Biologia e Geologia. Também Físico-Química ficou acima da média." Foi o suficiente para "ganhar a confiança de que os alunos estão a aprender melhor e a chegar mais bem preparados para os exames", reitera..Até o calendário escolar pode variar entre escolas?.Não propriamente. As escolas podem sim candidatar-se a uma alteração da organização do ano letivo, de períodos para semestres - como já acontece em algumas escolas -, desde que não interfira com o calendário oficial aplicável a todas as instituições de ensino público. Isto é, as aulas devem começar e terminar na mesma data, independentemente do regime escolhido..A medida de semestralização consta da Portaria 81/2019 publicada em Diário da República em junho deste ano e prevê que as instituições escolares públicas, profissionais, privadas ou de ensino cooperativo possam decidir dividir o ano em três períodos (como é habitual) ou em dois semestres (à semelhança do que acontece no ensino superior). Isto sem alterarem o número de momentos de avaliação. A experiência já foi concretizada durante o Projeto-Piloto de Inovação Pedagógica e pode ser aplicada a qualquer escola, desde que devidamente aprovada pelo Ministério da Educação.."Estive até à última para tomar a decisão e decidimos pelos semestres, a favor dos alunos", diz Ana Cláudia Cohen. Por uma questão de justiça. E explica porquê: "Só no final de novembro é que afetamos recursos para colmatar as dificuldades dos alunos, mas em dezembro já damos uma nota final (de período) a estes alunos. É injusto que seja logo classificado sem ter tempo de melhorar.".Uma opinião partilhada por Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP). "Damos mais oportunidade de desenvolvimento a quem tem dificuldades", reitera..Cada professor tem autonomia para transformar as suas aulas?.Numa primeira fase, a decisão de mudar o currículo parte da escola, juntamente com o corpo docente, que decide candidatar-se ou não ao programa de flexibilidade curricular..Contudo, caso as ideias para enquadrar este programa na sua escola sejam autorizadas pelo Ministério da Educação, os professores têm espaço para discutir como o aplicar à disciplina que lecionam, tendo por base o plano de inovação apresentado pela escola..As escolas podem decidir não ter exames finais?.Não. Os exames nacionais devem ser cumpridos por todas as escolas. De acordo com o Ministério da Educação, "podem ser feitas propostas nos mais variados âmbitos, desde que não seja posto em causa o cumprimento do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e das Aprendizagens Essenciais" e do qual depende também a avaliação externa.."A flexibilidade não pode pôr em causa as ambições maiores", acrescenta a professora e autora Ana Cláudia. Mas pode ser uma ferramenta para melhores resultados nos exames obrigatórios..No agrupamento do qual é diretora criaram "vias investigativas para problemas locais", um projeto através do qual colocam os alunos da vertente de Ciências e Tecnologias (do ensino secundário) a investigar em laboratórios, em parcerias com universidades. "Tudo o que costumávamos fazer em projetos extracurriculares integramos no currículo. Os alunos chegaram ao final do secundário aptos e confiantes das suas capacidades.".É aplicável a todos os anos de escolaridade?.O decreto-lei que confere autonomia curricular às escolas menciona a "possibilidade de gestão flexível das matrizes curriculares-base das ofertas educativas e formativas dos ensinos básico e secundário"..Mas "para as escolas que aderiram logo ao projeto-piloto, já é aplicável a todos os anos", diz a diretora do Agrupamento de Escolas de Alcanena. "No nosso caso, exceto o quarto ano, porque o projeto começou há três anos e ainda não conseguimos aplicar ao quarto, que é um ano de transição.".Como é que as escolas podem candidatar-se?.Qualquer escola pode apresentar um plano de inovação, no âmbito da flexibilidade curricular, dependente da aprovação da equipa de coordenação nacional do programa de flexibilidade curricular..De acordo com o Ministério da Educação, "as escolas apresentaram os seus planos durante o mês de julho" e "a portaria não estipula prazos, já que as escolas podem apresentar planos em qualquer fase para terem início no ano letivo seguinte".."Os planos são acompanhados por equipas regionais e avaliados pela comissão nacional, constituída pela DGE, ANQEP, DGESTE e IGEC", que "emite parecer para aprovação pela tutela no prazo de 30 dias", pode ler-se na resposta enviada ao DN..Cada candidatura é avaliada "em função do mérito pedagógico e da garantia de cumprimentos dos objetivos do currículo nacional". Depois e aprovado o plano de inovação, a escola candidata estará sob "monitorização e avaliação externa", de forma a garantir que está a cumprir com o que apresentou na candidatura.