Cristina Gamito: "Há ainda uma presença muito menor de mulheres nos cursos de natureza tecnológica"

Cristina Gamito é <em>partner</em> na Deloitte Portugal, onde entrou há mais de duas décadas. De lá para cá, a paridade de género passou a ser tema de debate, mas os dados mostram que ainda há poucas profissionais no sector.
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Era uma das poucas mulheres no curso do [Instituto Superior] Técnico. No primeiro ano, as mulheres eram cerca de 10% dos alunos na turma", começa por enquadrar Cristina Gamito ao Diário de Notícias. Para a consultora da Deloitte Portugal na área de tecnologia, finanças e seguros, "estranho" é que pouco ou nada tenha mudado ao longo das mais de duas décadas que separam a sua licenciatura daquela que a sua filha está hoje a frequentar na mesma instituição. "A realidade dela foi similar, há ainda uma presença muito menor de mulheres nos cursos de natureza tecnológica", afirma. De facto, os últimos dados publicados pelo Eurostat sobre a igualdade de género nesta área mostram que houve um retrocesso no número estudantes do género feminino que optam por uma carreira nas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) - em 2011, elas representavam 20,1% da força laboral, enquanto em 2020 eram apenas 19%.

Compreender o que leva as profissionais a afastarem-se das TIC é, acredita Cristina Gamito, importante para que as empresas, as instituições de ensino e o Estado possam deitar abaixo eventuais barreiras no acesso ao sector. A consultora defende que a justificação está no "estereótipo de que a tecnologia é uma coisa aborrecida e pouco criativa", mas também nos "traços machistas" da sociedade. "As mulheres acabam por ser expostas mais cedo a outro tipo de estímulos", aponta, referindo-se ao encaminhamento de jovens raparigas para disciplinas mais sociais. A iniciativa Portuguese Women in Tech publicou, em 2019, um estudo sobre o tema em que aponta a fraca possibilidade de evolução na carreira, os baixos salários e o sexismo como razões que afastam as mulheres. Por outro lado, Cristina Gamito, que diz nunca ter sido discriminada, sublinha que "a falta de role models" para jovens em início de carreira contribui para esse afastamento.

Porém, e apesar do esforço generalizado das empresas neste tema, a realidade é que à medida que a hierarquia sobe, a representatividade feminina desce. "Esse é, efetivamente, um problema que vivemos. Julgo que a nível europeu, se olharmos para as empresas e para a forma como as suas administrações estão constituídas, em média apenas 28% são mulheres e em Portugal é menos", diz. Para igualar a balança, será preciso que as empresas reconheçam o mérito dos seus trabalhadores independentemente do sexo com que nasceram. "Há estudos que mostram que é normal avaliar os homens em função do potencial e as mulheres em função dos resultados demonstrados", observa. A perita em tecnologia defende que as organizações devem identificar estes "preconceitos inconscientes" e implementar medidas que permitam eliminá-los.

Mas será igualmente necessário oferecer às profissionais todas as ferramentas de que precisam para consolidar as suas competências e apoiá-las na evolução, nomeadamente preparando-as para cargos de liderança. Cristina Gamito foi uma das participantes na primeira edição do projeto Promova, da CIP com a Nova SBE, que pretende apostar no desenvolvimento pessoal e profissional das mulheres. "Foi claramente uma mais-valia. Pude focar-me no meu desenvolvimento, reforçar ferramentas e conhecer um conjunto de mulheres que vivenciaram experiências similares", detalha. Além disso, permitiu à Deloitte avaliar os benefícios do alargamento desta formação em gestão de topo a outras mulheres da empresa. "Foi muito positivo", reforça.

Cristina Gamito assegura que o tema da diversidade cultural, étnica e de género é encarado como prioridade pela Deloitte a nível internacional e nacional, promovendo "campanhas muito sérias de formação para sensibilizar para o preconceito inconsciente". Apostar na meritocracia como principal elemento de avaliação profissional é um dos passos a dar e que a empresa abraça. De acordo com a multinacional, "uma cultura inclusiva e sustentada pelo respeito" contribui para organizações diversas e, por isso, esse "é um compromisso a longo prazo" na consultora.

A implementação de quotas foi, para Cristina Gamito, um passo positivo, ainda que inicialmente considerasse que pudesse ser um instrumento que desvalorizasse o mérito das mulheres. "Tomei mais consciência de que, se não existirem medidas rígidas, não vamos chegar lá à velocidade que precisamos", refere. As medidas de combate ao desequilíbrio passam por melhorar o recrutamento, tornar os processos internos mais inclusivos e pela aposta no desenvolvimento profissional. "Estamos comprometidos no apoio e empoderamento para todas as nossas pessoas atingirem o seu potencial", garante a empresa.

dnot@dn.pt

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