Na quinta-feira à noite, 2 de maio, o país acordou para a hipótese, muito concreta, de se estar a desenvolver uma crise política grave - com possível desfecho em eleições antecipadas..António Costa fez saber nessa noite que havia convocado para o dia seguinte de manhã uma reunião do núcleo de coordenação política do governo destinada a avaliar as consequências no Parlamento da aprovação, na especialidade, na comissão de Educação, da consagração do direito dos professores a serem totalmente ressarcidos pelo tempo de carreira que lhes foi congelado a partir de 2011 (nove anos, quatro meses e dois dias). "Todas as opções estão em aberto", dizia então ao DN uma fonte governamental, abrindo a porta a um cenário de demissão do governo e eleições antecipadas..A aprovação ocorrera através de uma coligação que uniu PSD, BE, PCP e CDS contra o PS. Na sexta, 3 de maio, Costa reuniu o tal núcleo duro de coordenação e depois, à tarde, foi recebido em audiência pelo Presidente da República (que regressara na quinta de uma cansativa visita à China). Ao fim da tarde, em comunicação ao país, anunciou que se demitiria se a votação na especialidade acabasse com uma aprovação do dito decreto em votação final e global. Fizeram-se contas. Num cenário ultrarrápido, as legislativas antecipadas poderiam ter lugar em meados de julho..A crise acabará hoje, com o previsível chumbo em votação final global do referido decreto, pela conjugação dos votos de PS, PSD e CDS. Só deverão votar a favor PCP, PEV e PAN. Confirmando-se o chumbo, mantém-se então em vigor o Decreto 36/2019, que prevê para os professores o pagamento de dois anos, nove meses e 18 dias. O DN avalia quem venceu e quem perdeu nesta guerra..Vencedores.Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente da República conseguiu provar que, quando é mesmo necessário, consegue resistir à sua maior tentação, que é a de falar por tudo e por nada. Publicamente, não produziu um pio sobre assunto. Moveu-se nos bastidores, contactando todos os líderes partidários (mas Rui Rio não o atendeu...). Sabia-se que estava do lado dos receios invocados pelo primeiro-ministro (de insustentabilidade orçamental a prazo para se pagar na íntegra aos professores todo o tempo de carreira congelado). Ao recusar uma audiência a Assunção Cristas, sinalizou que não deixaria a Presidência ser instrumentalizada no combate político em curso. Reduziu o problema a um conflito entre o governo e o Parlamento e tinha razão..António Costa. Foi o grande vencedor da crise. Apesar de a Rádio Renascença ter noticiado em 16 de abril que o governo ponderava demitir-se no caso de aprovação do decreto com a contagem integral do tempo, conseguiu apanhar toda a gente de surpresa quando anunciou que o faria, sexta-feira, dia 3 de maio. Obrigou o PSD e o CDS a surgirem na opinião pública como dando o dito por não dito e, de caminho, preservou a geringonça dizendo que quem mudou de ideias nesta matéria foram os partidos de Rio e de Cristas e não os de Catarina Martins e de Jerónimo de Sousa. Surge publicamente como campeão das contas certas - algo de que o PS precisa muito, depois da liderança de Sócrates. Preservou a relação com o Presidente da República dizendo que se demitiria ainda antes de o decreto chegar a Belém para promulgação. Objetivamente, conseguiu também atirar para segundo plano a campanha europeia, que lhe estava a correr mal. A única coisa que não lhe correu inteiramente bem foi não ter conseguido eleições antecipadas....Vencidos.Rui Rio. A imagem de que é um político de contas certas e pouco dado a desvarios eleitoralistas está agora pelas ruas da amargura. Objetivamente, admitiu que os professores teriam direito a ser totalmente ressarcidos do tempo de carreira que lhes foi congelado. Só no dia 5 é que foi capaz de explicar que o PSD votaria contra o decreto (na votação final global) se este não contivesse normas de "salvaguarda financeira" - normas essas que já tinham sido chumbadas na especialidade, no dia 2, pela conjugação dos votos de PS+BE+PCP. Essa explicação foi interpretada como uma cambalhota. Os seus deputados fizeram questão de o corresponsabilizar pelas decisões tomadas na comissão de Educação no dia 2 - depois de Rio ter feito questão de salientar que não é deputado nem estava na reunião. A relação de Rio com o PR já não era brilhante e agora está pelas ruas da amargura..Assunção Cristas. Tudo o que se aplica a Rui Rio aplica-se também a Assunção Cristas. A diferença é que a líder do CDS foi capaz de assumir que o processo não lhe correu bem - embora limitando-o a um problema de comunicação. Ver Cristas do mesmo lado da barricada de Mário Nogueira, do BE e do PCP deixou grande parte do CDS com os cabelos em pé - e o "senador" António Pires de Lima verbalizou isso mesmo. Aparentemente, foi - como o líder do PSD - apanhada completamente de surpresa pela ameaça de demissão de Costa..Jerónimo de Sousa. Notoriamente, o PCP hesitou quando o líder da Fenprof Mário Nogueira - militante do PCP - pediu ao partido (e ao BE) que, pela abstenção, viabilizassem as propostas do PSD e do CDS que ligam o pagamento do tempo congelado aos professores ao cumprimento dos compromissos orçamentais europeus a que Portugal está agarrado. Por um dia - entre 6 e 7 - o PCP ficou como o fiel da balança que decidiria entre a aprovação ou o chumbo final do diploma. O PCP mantém-se fiel à posição original - chumbar essas normas do PSD e do CDS - mas ao fazê-lo acaba por conduzir ao chumbo final do decreto (porque sem essas normas o PSD e o CDS se juntarão ao PS a votar contra o decreto, hoje, na AR)..Catarina Martins. Perdeu - mas menos do que o PCP, porque os bloquistas foram rápidos a dizer que chumbariam - ao contrário do que foi o apelo de Mário Nogueira - as normas de sustentabilidade orçamental do PSD e do CDS, não se deixando assim colocar na posição de fiel da balança, onde os comunistas acabaram por cair. O BE perde a guerra porque, objetivamente - tal como o PCP - não terá aquilo por que sempre lutou: o pagamento integral do tempo de carreira congelado aos professores..Mário Nogueira. Será porventura o maior derrotado desta crise. Julgou que ia ter tudo e acabou a ter apenas o que já tinha: o pagamento de dois anos, nove meses e 18 dias aos professores. Pelo meio, teve direito a uma sensacional "nega" do seu partido, o PCP, que lhe recusou o apelo para que viabilizasse normas do PSD e do CDS que aceitam compromissos europeus que os comunistas sempre rejeitaram. Entrou agora em estado de tabu quanto ao seu futuro na liderança da Fenprof. Se alguma vez pensou na liderança da CGTP (Arménio Carlos está no último ano de mandato) então é melhor que esqueça. A sua relação com o PCP esfriou porventura para sempre.