Covid-19 muda consumo: mais canábis, menos ecstasy e cocaína. Preços subiram

O impacte da covid-19 também se sentiu no consumo de drogas e no tratamento de toxicodependentes. As máfias organizaram-se e apostaram ainda mais na venda <em>online </em>e na entrega ao domicilio. Telemedicina substituiu consultas nos centros de acompanhamento.
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As medidas de confinamento impostas devido à pandemia de covid-19 provocaram várias mudanças nos padrões de consumo e tratamento dos toxicodependentes europeus: os centros de acompanhamento fecharam e os técnicos tiveram de se adaptar com o recurso à telemedicina; o preço das drogas subiu numa primeira fase e os padrões de consumo alteraram-se com uma subida da utilização da canábis e uma diminuição das drogas sociais, como o ecstasy e a cocaína.

Esta é uma das principais análises ao comportamento e tendências do mercado/consumo de droga publicadas nesta terça-feira (22 de setembro) no Relatório Europeu sobre Drogas 2020, da responsabilidade do Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência, uma monitorização que já vai no seu 25.º ano.

Além disso, as organizações mafiosas também se adaptaram às restrições de circulação impostas pelos vários governos e passaram, de acordo com o documento, a apostar ainda mais nos mercados online e nas plataformas de redes sociais na darknet, bem como na entrega ao domicílio das drogas encomendadas.

A análise aos mercados de droga desde o início da pandemia - decretada pela Organização Mundial da Saúde a 11 de março - refere ainda que sendo uma realidade a diminuição do tráfico por via aérea, o mesmo não sucedeu com o transporte marítimo, que se manteve nos níveis que tinha antes da pandemia. Também a produção de drogas sintéticas e o cultivo de canábis na Europa não terão sido afetados.

Os dados referentes à influência da pandemia no consumo e no tratamento de toxicodependentes ainda só mostram a realidade imediata, pois são referentes aos primeiros meses do ano, como frisa Alexis Goosdeel, diretor do Observatório: "Embora ainda esteja por avaliar o impacte da pandemia a longo prazo, no curto prazo já se observam mudanças, como o maior interesse na utilização de tecnologias digitais no mercado de drogas e a inovação no tratamento relacionado com o consumo de drogas através de soluções de saúde em linha e saúde móvel."

A não diminuição da produção de drogas na Europa é um dos alertas que o Observatório deixa no Relatório Europeu sobre Drogas 2020: Tendências e Desenvolvimentos, documento que chama a atenção para todo o tipo de estupefacientes e de substâncias de elevada potência que se encontram disponíveis no território europeu.

Além da variedade disponível no mercado, também a pureza da cocaína subiu, tal como o número de pessoas que iniciaram tratamento pela primeira vez. No documento, que em cerca de 80 páginas apresenta a radiografia do mercado relacionada com o consumo de drogas na Europa, é ainda referido que em 2019 se atingiu um recorde de apreensões de cocaína: 181 toneladas em 110 mil apreensões.

A este dado o Observatório junta um outro que ilustra como se está desevolver este mercado: "O volume de heroína apreendida na União Europeia (UE) quase duplicou entre 2017 e 2018 (aumentando de 5,2 para 9,7 toneladas) e existem relatos constantes de algum fabrico de heroína na UE. Isto sugere que é necessária mais vigilância para detetar quaisquer sinais de aumento do interesse dos consumidores por esta droga."

São dados considerados preocupantes e que levam a comissária europeia para os Assuntos Internos, Ylva Johansson, a afirmar: "O Relatório Europeu sobre Drogas de 2020 evidencia os perigos que a produção e o tráfico de drogas ilícitas representam para a saúde e a segurança dos cidadãos da UE. O funcionamento dos lucrativos mercados de drogas por parte de grupos de crime organizado, bem como os níveis recorde de apreensões de cocaína e de grandes quantidades de heroína, destacam a ameaça persistente colocada pelos criminosos que procuram explorar cadeias de abastecimento, rotas marítimas e grandes portos para o tráfico de drogas."

Ylva Johansson lembra ainda que a "crescente disponibilidade de todos os tipos de drogas ilícitas agrava os riscos para a saúde. A nova Agenda e Plano de Ação de Luta contra a Droga 2021-2025 da UE fornece o quadro político e estratégico para abordar de forma eficaz e abrangente os desafios na segurança e na saúde pública relacionados com a droga através da aplicação de todos os instrumentos relevantes a nível local, nacional, da UE e internacional".

Entre os desafios futuros para esta área que o relatório enumera estão, por exemplo, a necessidade de aumentar o acesso a tratamento de substituição de opioides, que continua a ser limitado em alguns países, e a necessidade de compreender o impacte na saúde pública da canábis de elevada potência e dos produtos que estão a surgir: a resina de canábis e a canábis herbácea contêm agora, em média, cerca de duas vezes mais THC (a principal substância psicoativa encontrada nestas plantas) do que há uma década. Isto exige um acompanhamento rigoroso do mercado, num momento em que estão também a aparecer novas formas de canábis (por exemplo, concentrados e comestíveis).

Outra ação que as entidades de saúde pública dos vários países têm de começar a desenvolver com mais ênfase no terreno passa pela necessidade de maior sensibilização dos consumidores dada a existência contínua de produtos de MDMA de elevada potência - a inovação e o aumento da produção de drogas sintéticas na Europa são evidentes na disponibilidade contínua de comprimidos de ecstasy cada vez mais fortes e pós de pureza elevada, que representam riscos consideráveis ​​para a saúde dos consumidores.

Questões de saúde que também se suscitam nos tratamentos da hepatite C, existindo a necessidade de aumentar o número de pessoas que injetam drogas com acesso a ações de prevenção, despistagem e tratamento deste tipo de hepatite.

Outro sinal de alerta deixado no relatório está relacionado com as overdoses. De acordo com o documento, estima-se que tenham ocorrido 8300 mortes provocadas por sobredosagem na UE em 2018. A este dado junte-se outro: na faixa etária acima dos 50 anos aumentaram 75% entre 2012 e 2018. Ou seja, são casos de consumidores ao longo da vida.

Três quartos (76%) das pessoas que morreram de overdose eram do sexo masculino.

Os autores do relatório chamam ainda a atenção para o surgimento sem parar de novas substâncias à cadência de uma por semana - em 2019 foram detetadas 53, estando assim a ser monitorizadas pelo Observatório 790 substâncias psicoativas.

O aparecimento de novos opioides sintéticos é um exemplo preocupante da adaptação contínua do mercado - oito novos opioides sintéticos não controlados, alguns de grupos diversos e novos, foram detetados pela primeira vez em 2019.

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