Covid-19. Contenção deu resultado. E alívio em maio resultará?
Com mais ou menos cautela, epidemiologistas, virologistas, médicos de saúde pública admitem: a curva que traça a evolução da covid-19 em Portugal está mais tímida. A "fase de planalto" - como a diretora-geral da Saúde descreve o pico da doença em Portugal - terá ficado para trás e lentamente assistimos a uma diminuição da subida de novos casos confirmados. Nesta sexta-feira, a taxa de crescimento de infetados foi de 0,96% (o que representa um aumento de 181 doentes. Há agora 19 022 infetados e 657 mortes) - a mais baixa desde que o surto do novo coronavírus chegou a Portugal. E se o cenário se mantiver depois do 25 de abril, nasce a esperança da liberdade, mesmo que mantendo todas as recomendações das autoridades de saúde. As medidas de contenção podem ser aliviadas em maio, mas "vamos ter todos de mudar de vida", avisa Ricardo Mexia, o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública.
Pedro Simas, virologista e investigador do Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Universidade de Lisboa, não olha de lado para o regresso à rua. Só pede que este seja bem pensado. "Qualquer medida de alívio para a sociedade é bem-vinda, libertar a população para criar imunidade de forma faseada é muito importante, mas isto tem de ser feito com testes serológicos (que analisam a imunidade da população) e com medidas muito inteligentes de proteção dos grupos de risco, nomeadamente de lares e casas de repouso. Sem testes serológicos ficamos às chegas", diz.
Estes exames moleculares realizados através de uma amostra de sangue ainda não estão a ser comercializados em Portugal, mas já há vários laboratórios que os produzem, embora sem a eficácia comprovada. No entanto, mesmo quando isto acontecer, há que contar com o tempo de produção massiva e distribuição pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Saber quem tem o vírus será insuficiente, reforça Pedro Simas, porque "há um preço a pagar por libertar a população". E esse preço pode ser uma nova vaga epidemiológica. Quando os números atuais demonstram um aumento controlado do número de novos casos e até de novas mortes. Durante esta semana, a taxa de novas infeções rondou os 3% e o número de novos óbitos variou entre as 28 vitimas mortais e as 30.
"A minha preocupação é saber se vamos conseguir continuar a controlar o número de casos ou se eles podem vir a escalar num horizonte relativamente breve. Vamos ter de encontrar mecanismos que nos permitam regressar a algumas atividades, mas que ao mesmo tempo mantenham o número de novos casos baixos e que o SNS consiga dar resposta, sem particular dificuldade. Tudo isto vai ter de fazer parte do nosso quotidiano durante algum tempo", alerta o médico de saúde pública Ricardo Mexia, que prefere olhar para os resultados portugueses com moderação.
Tanto o Presidente da República como o governo já expressaram vontade de iniciar o processo de regresso "à normalidade", como está a acontecer em Espanha, em Itália (dois dos países mais afetados pela pandemia) ou na Dinamarca. O diploma que renova o mais recente estado de emergência - em vigor até 2 de maio - já prevê a reabertura de alguns serviços, como creches, pequeno comércio de bairro, escolas secundárias (para alunos do 11.º e do 12.º anos), teatros, cinemas. No calendário, os políticos apontam para maio e António Costa promete uma distribuição massiva de máscaras e gel de proteção.
Mas, independentemente das medidas de suavização que possam existir nos próximos tempos, uma coisa é certa: o regresso à normalidade vai ser tudo menos normal. O distanciamento social é para manter, tal como as medidas de higiene das mãos, das superfícies e de etiqueta respiratória, sob pena de acelerar novamente o contágio, explica Ricardo Mexia, em linha com a mensagem deixada aos portugueses por Graça Freitas, diretora-geral da Saúde. "Nós temos de tentar tudo para voltar à nossa atividade social e profissional, mas temos de fazer isto de forma faseada" e sem abrir mão do comportamento de prevenção, defendeu a responsável pela DGS nesta sexta-feira.
Até porque a tarefa dificulta-se agora. "Ao aliviar as regras de isolamento vão subir os casos, independentemente de se usar máscaras ou não", diz Pedro Simas.