Covid-19. Circo Dallas só tem dinheiro para dois meses, "mas os animais não vão passar fome"
Quem ajuda o circo? É um apelo quase desesperado o que Renato Alves, dono do Circo Dallas, faz ao DN, revelando que já falou com "colegas" de outras companhias para "reativar a associação" que em tempos formaram para que possam "chegar à fala com o governo", porque "sozinho não se consegue nada".
O Circo Dallas, fundado há 37 anos, está parado desde que começou a pandemia de coronavírus, tal como várias outras companhias, como os mais conhecidos Victor Hugo Cardinali ou Chen.
"Alguns ficaram parados longe das suas localidades, felizmente que não foi o nosso caso. Estamos no nosso terreno no Pinhal Novo, onde guardamos todo o material e tentamos aguentar-nos. Somos um circo familiar, primos, tios, sobrinhos... Somos 18 adultos e oito crianças, e estamos todos aqui, de vez em quando sai apenas um para ir buscar comida", conta Renato Alves, acrescentando que neste momento estão "a gastar as economias" que foram juntando nos últimos anos. "Deve dar para dois meses", admitiu.
Renato Alves revela que "há pequenas companhias de circo, familiares, que já enfrentam problemas para se alimentarem". Não é para já o caso do Circo Dallas, que tem também a responsabilidade de cuidar dos cavalos e dos cães, os únicos animais que têm para os seus números. "Para eles ainda temos alimentação para bastante tempo... Isso não irá faltar, nem que nós tenhamos de passar fome", garantiu.
Ainda assim, deixou um recado às associações de proteção dos animais. "Eles andam sempre preocupados com os animais que temos a trabalhar connosco, mas até agora nenhum deles foi às companhias de circo perguntar se é preciso alimentos", atira, explicando que os animais do Circo Dallas mantêm as suas rotinas, pois "durante o dia alimentam-se do pasto num terreno de um vizinho e à noite é-lhes dada a ração". "Temos sempre quantidade suficiente para dois ou três meses", refere Renato Alves.
A falta de receitas já fez que Renato Alves suspendesse os seguros dos camiões que não precisam de circular face à proibição de realização de espetáculos por causa do estado de emergência. "Por sorte, o nosso seguro de frota terminava a 30 de março e falei com a seguradora para suspender a apólice, sempre são mil euros de três em três meses. No entanto, quando tudo isto acabar vamos ter de reativá-los... E não sabemos onde vamos buscar o dinheiro", sublinhou.
É por isso que "os artistas precisam de ajuda". Sim, Renato Alves faz questão de lembrar que "o espetáculo de circo é feito por artistas" e, como tal, lamenta a ausência de reconhecimento por parte do Ministério da Cultura. "O circo está excluído da cultura mas, tal como em relação aos outros artistas, a nossa situação é complicada neste momento e, por isso, precisamos de ajuda. Caso contrário, no final da pandemia vai haver fome e desemprego."
Apesar do momento difícil, Renato Alves enche-se de esperança de que as companhias de circo deixem de ter os obstáculos que muitas vezes têm de ultrapassar, quase sempre colocados pelas autarquias. "Os municípios cobram uma licença de terreno para que possamos fazer os nossos espetáculos. E tivemos até um caso recente no Barreiro, em que utilizámos um terreno particular, e mesmo assim a câmara municipal cobrou-nos 1500 euros por três dias. Isso é incomportável, porque depois ainda temos de pagar água, luz, direitos de autor, gasóleo...", assume o dono do Circo Dallas, recordando que "há autarquias, como Cascais e Sintra, que nem nos querem lá".
Na prática, é quase uma questão de sobrevivência de uma arte que há muitos anos entrou na vida dos portugueses e é por isso que lança um apelo: "Quando voltarmos ao trabalho, precisamos que as autarquias no ajudem." A época de Natal é "a mais forte" para a subsistência das companhias, mas a Páscoa também era uma altura em que havia "alguma afluência", sendo desta precisamente que se veem privados por causa do estado de emergência.
Apesar disso, o Circo Dallas não baixa os braços perante a adversidade e vai "à luta", pois "é preciso fazer que as pessoas continuem a ir ao circo". E é um pouco por isso que no domingo de Páscoa, a partir da 16.00, irá transmitir através do Facebook um miniespetáculo para "alegrar as crianças e os jovens nesta fase triste em que têm de ficar em casa".
"Temos estado a ensaiar para cerca de 45 minutos de espetáculo para que todos esqueçam as mágoas destes momentos difíceis que todos atravessamos", assumiu, frisando que se trata de um miniespetáculo "gracioso e sem qualquer apoio financeiro".
Um pouco à semelhança do que estão a planear para a próxima semana. "Vamos pedir à autarquia do Pinhal Novo para que possamos andar pelas ruas, com malabaristas e palhaços, na nossa carrinha, para animar o dia das pessoas", revela.
"Queremos levar a magia à casa das pessoas", finaliza Renato Alves, esperançado de que depois de vencido este novo coronavírus alguém, num golpe de mágico, dê condições para que as várias companhias, que percorrem o país durante todo o ano, possam fazer regressar os sorrisos aos rostos das crianças e não só.