Corrida global a testes para detetar covid-19 dificultou envio de kits para Portugal
Não foram só as máscaras de proteção ou os desinfetantes que esgotaram por causa do coronavírus. Os testes de despistagem da doença também têm estado em falta ou não têm chegado facilmente aos países que ainda registam um número reduzido de casos.
De acordo com o que apurou o DN junto de várias fontes hospitalares e farmacêuticas, os testes PCR para despistar o covid-19 estavam a ser canalizados para os países com maior número de casos suspeitos, nomeadamente China, Coreia do Sul, Itália, Irão, Espanha e outros, fazendo que as encomendas efetuadas pelos países com menos casos não chegassem no tempo e no número solicitados.
"Por exemplo, as empresas com uma lógica ibérica estavam a deixar os testes todos em Espanha, Na semana passada não veio para cá quase nada. Nesta semana, as encomendas já estão melhores, mas não ainda como gostaríamos. Se de repente tivéssemos de fazer 500 a mil testes, se tivéssemos de colocar mais sete ou oito hospitais a fazer despistagem de doentes, não teríamos capacidade para isso com as reservas que temos", confirmou ao DN o diretor de um laboratório hospitalar, que pediu para não ser identificado.
O mesmo reconheceu que a estratégia usada pelas empresas até faz sentido, mas que para salvaguardar situações destas deveria haver uma reserva estratégica nacional. "Há quem defenda que não é necessário haver uma reserva estratégica nacional para este tipo de situações, porque se pode ir sempre à reserva da União Europeia, mas quando se trata de uma epidemia à escala global é o salve-se quem puder. Cada um tenta abastecer-se primeiro." E sublinha: "Na semana passada sentimos muita dificuldade em obters os kits. Portugal não tinha casos e não estava no topo da lista para receber testes, agora estamos melhor."
Outra fonte referiu ao DN: "Não há falta de testes, mas não temos stocks, não há testes armazenados, se a situação evoluísse como em alguns países e se tivéssemos de começar a fazer muitos, e num curto espaço de tempo, não teríamos capacidade."
A situação não afetou só Portugal. A própria China, há duas semanas, notificou a Organização Mundial da Saúde para este facto, declarando estar já sem capacidade para fazer rastreio a todos os casos suspeitos, passando a fazer só o teste de confirmação aos casos positivos e a despistagem aos casos possíveis.
As fontes atrás referidas explicaram ao DN que, neste momento, muitas empresas aumentaram já a sua produção para conseguirem responder à situação de epidemia.
Os testes que detetam o coronavírus são testes moleculares que utilizam a metodologia PCR (polymerase chain raction - ou reação em cadeia da polimerase). Trata-se de uma metodologia que permite identificar se a sequência genética do vírus que se pretende despistar está ou não presente na amostra recolhida.
Segundo explicou ao DN um virologista, "hoje, estes testes são banais e até são utilizados para se despistar outros vírus, quer do tipo coronavírus quer para outro tipo de doenças, como genes de cancro, doenças raras familiares, etc. O PCR usado permite reconhecer através da metodologia molecular a frequência genética característica do covid-19".
Mais."Representou um avanço significativo para a medicina do diagnóstico, pois passámos a conseguir identificar os vírus pela sua existência num gene e não apenas pela presença de anticorpos, ou seja, por manifestações do vírus."
São testes fiáveis, caros e cada vez mais rápidos, mas também com um processo simples. Ou seja, como qualquer outro teste de identificação de ADN, começa-se pela recolha de uma amostra de secreções do nariz ou da garganta, que é colocada num kit de PCR. O kit onde está o reagente que permitirá identificar a existência do gene do vírus ou não.
Os testes usados em Portugal permitem a obtenção de respostas ao fim de duas horas e meia ou três, mas os especialistas acreditam que "dentro de muito pouco tempo será possível haver testes que darão respostas em menos de uma hora".
Mas apesar de ser um teste fiável precisa sempre de confirmação. "Não se trata de uma contra-análise, mas da confirmação do resultado com a mesma amostra num laboratório diferente ou com uma segunda amostra no mesmo laboratório, mas é necessário fazer-se", explicou o virologista.
O mesmo sublinhou que tais testes foram "uma mais-valia para a área dos vírus. Em relação às bactérias era possível fazer-se culturas, nos vírus não, os laboratórios não tinham condições para o fazerem. Eram situações muito específicas, os vírus eram detetados pela presença de anticorpos, agora já vamos aos genes para o identificar e isto é um avanço muito grande".
No entanto, neste momento, sublinha outro virologista ouvido pelo DN, "há um teste que está a fazer uma falta gritante, porque este teste de diagnóstico, o PCR, é excelente, extremamente especifico e com muito poucos falsos positivos, mas falta o reverso da medalha. É que este teste só deteta vírus vivos. Por exemplo, se a pessoa não tiver expetoração por estar ainda no período de incubação, o teste vai dar negativo".
Dito de oura forma, "com o PCR só estamos a recolher a amostra da ponta do icebergue, mas é preciso haver um teste diferente para se detetar os anticorpos que o organismo criou contra o vírus".
Nesta quarta-feira, dia 4 de março, Portugal confirmou a existência de um sexto caso, cinco homens e uma mulher, três no norte, internados nos hospitais de São João e Santo António, um em Coimbra, em tratamento no Centro Hospitalar de Coimbra, e dois em Lisboa, no Hospital Curry Cabral. Trata-se de um caso com ligação a Espanha, Valência, e dois com ligação a Itália, os restantes são já de transmissão local. No entanto, já foram despistados 117 casos suspeitos. Um dos infetados é um professor do Instituto Politécnico do Porto, o que levou já ao encerramento da Escola Superior de Música e de Artes do Espetáculo (ESMAE) por tempo indeterminado.
Neste momento, e de acordo com o último boletim epidemiológico da Direção-Geral da Saúde (DGS), sabe-se que há três casos importados, um de Espanha, um homem com 33 anos, da construção civil, que esteve em Valência, e dois de Itália, um médico de 60 anos, do Porto, que esteve de férias no norte de Itália, e agora uma mulher. A DGS continua a alertar para a tomada de precauções e deteção de sintomas, como febre, tosse, fadiga, dificuldade em respirar.
No mundo, e desde o início da epidemia do covid-19, cujo foco está na cidade de Wuhan, na província de Hubei, na China, desde o dia 31 de dezembro de 2019, foram infetadas 95 177 pessoas, das quais 51 435 já recuperaram. O número de mortes ultrapassa as três mil (3254), embora a OMS e muitos outros especialistas reafirmem que a taxa de letalidade do coronavírus é inferior ao da gripe A ou inferior ao índice de infeção de doenças como o sarampo.
A China continua a ser o país com o maior número de casos, 80 282, com 2981 mortes, seguida da Coreia do Sul, com 5621 infetados e 33 mortes, e da Itália, com 3089 infetados e 107 mortes.