Wo Senqun e Li Zhu fundaram o restaurante Xiang há 25 anos em Telheiras. Um casal simpático que foi alargando o espaço à medida que a clientela aumentava, fixando-se nos 250 lugares. Enche aos fins de semana. Muitas famílias, muitos aniversários e outras comemorações ali são festejadas. Já durante a semana sentem um decréscimo de 10% desde que surgiu a epidemia do coronavírus que já fez mais de 900 mortos, sobretudo na China. Os dias de trabalho são aqueles em que aos locais se juntam clientes antigos e muitos funcionários das empresas da zona..O restaurante funciona à carta e também com preço fixo, sendo esta a modalidade mais escolhida: 7,90 euros ao almoço e 9,80 ao jantar e aos fins de semana. Comida à descrição..O casal, de 60 anos, natural de Zhang, passa a palavra ao filho do meio, Anjie, que há seis anos é o responsável pelo espaço. Veio para Portugal com dois anos e aqui fez a escolaridade obrigatória, acabando por tirar um curso superior em Espanha. O que tem acontecido com todos os filhos do Sr. Who. O mais velho está em Franca e a mais nova estuda em Inglaterra.."O nosso restaurante está aberto há muitos anos, as pessoas já nos conhecem. Ao fim de semana vêm mais famílias e continuamos bastante cheios, durante os dias de semana, ao almoço e ao jantar, sentimos uma quebra na ordem dos 10%", diz Anjie, salientando que já estavam à espera, "infelizmente"..Uma percentagem que não parece notar-se muito ao almoço de sexta-feira, uma vez que há sempre gente em redor das mesas de buffet. Muitos são cumprimentados por Wo, Li e os empregados do restaurante. Um dos clientes habituais é João Sousa, 60 anos, bancário reformado, que diz estar esfomeado. "Moramos perto, costumamos vir aqui e gostamos muito. O facto de haver pessoas infetadas e a morrer na China não tem nada que ver. Estas pessoas vivem cá e não há possibilidade de estarem infetadas com o vírus." Está acompanhado pela filha, Carolina Sousa, 24 anos, estudante de Direito, e pela irmã, Cristina Sousa, 57 anos, bancária, que aqui vem pela primeira vez..São muitos os clientes. Entre estes, um grupo de estudantes de Medicina do 5.º ano - André, Francisco, Inês, Luís, de 22 anos, e Inês de 23, almoçam depois do exame de um dos colegas. "É a primeira vez que aqui estamos, tínhamos boas referências, o que confirmámos, muito bom", elogiam. Quanto ao coronavírus, nem sequer houve conversa sobre isso..Anjie diz que são exemplo do normal funcionamento do restaurante, mas lamenta que existam sempre pessoas que pensem de outra maneira. "Há sempre quem esteja mal informado, mas também não parecem querer informar-se corretamente. Veem as notícias que aparecem nos telemóveis, se calhar leem só o título e partilham sem tentarem perceber se são falsas ou verdadeiras. E as que têm passado são falsas. Apareceu uma notícia no feed do Google, com o título que uma mulher andava a espalhar o vírus nas ruas chinesas, mas quando se lê o texto todo sabe-se que a senhora foi ao hospital e não tinha coronavírus.".O último Polígrafo da SIC, na segunda-feira, desmistificou algumas dessas notícias falsas: vídeos que mostram pessoas a cair inanimadas nas ruas chinesas (muitos delas declaradamente falsas e outras impossíveis de verificar se o colapso se deve ao vírus). o diretor da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom, a dizer que os países estavam entregues a si próprios quando disse o contrário; uma jovem a comer sopa de morcego, alegadamente quando o vírus passou para os humanos, mas trata-se de uma blogger chinesa que filmou a refeição há quatro anos em Palau, na Micronésia; o mercado de Wuhan onde o vírus terá passado do meio animal para o humano, que, afinal, é na Indonésia e correu nas redes sociais no verão passado; notícia sobre um programa biológico de um laboratório de Wuhan onde criaram o coronavírus e um derrame nas instalações iniciou o surto; uma mulher, que umas vezes é médica e outra é enfermeira, e denuncia que há 90 mil pessoas infetadas. Falso, concluiu o Polígrafo.."A comunidade chinesa está a partilhar esse vídeo, estamos muito agradecidos ao Polígrafo por este esclarecimento. É triste o que está a acontecer na China, é preciso mais compaixão e união entre as pessoas", sublinha Angie..Janeiro e fevereiro são maus, mas neste ano é pior.De Telheiras para a Almirante Reis, os clientes dos estabelecimentos chineses nesta artéria dividem-se entre os locais e os que estão de passagem. Os funcionários são de poucas palavras, o que parece ter-se agravado com a epidemia do coronavírus que já infetou mais de 37 200 pessoas..No Grande Palácio Hong Kong, em Arroios, a maioria dos cem lugares estão vazios. É uma referência na comida chinesa há décadas, em especial o dim sum, com o prato mais barato a 6,80 euros ao almoço. Mas parece que já teve melhores dias a nível de clientes, o que é confirmado pela gestora do espaço na última década: Xue Hong, "Temos tido uma grande quebra, que não é de agora, mas que se agravou. Há muitas informações falsas, a enganar as pessoas, nós não saímos de Portugal, as pessoas conhecem a nossa comida, não há razões para não vir", protesta..Ressalva, no entanto, que os meses a seguir ao Natal são maus, especialmente janeiro, mas, neste ano, a falta de clientes mantém-se em fevereiro..O restaurante abre ao almoço entre as 12.00 e 15.00, mas há gente a entrar depois das 15.30 e que é atendida. Um ou outro residente, imigrantes, também alguns turistas..Descendo a Almirante Reis até ao Martim Moniz, há lojas chinesas que foram substituídas por outro tipo de comércio, estas de nepaleses, paquistaneses e bengalis, alguns dos quais restaurantes. Os que parecem ressentir-se menos da epidemia são os estabelecimentos alimentares. Há muita gente a comprar nos supermercados Chen (dois) e Wang. "Está igual, temos clientes, não há problema. Os meses de janeiro e fevereiro são mais fracos", respondem às nossas perguntas. Sem divulgarem o nome ou serem fotografados, desculpam-se que não sabem inglês e o patrão não está..As lojas de roupas, artigos para a casa, quinquilharias, as clássicas lojas chinesas, estão mais vazias.."Agora está tudo a falar no coronavírus, deviam falar é nas infeções que apanhámos nos hospitais. Não há problema nenhum em vir a estas lojas, já perguntei a uma chinesa de um grande armazém, em Xabregas, onde vivo. Disse que posso entrar à vontade nestas lojas e que não está com medo de perder clientes", conta Maria Queirós, 73 anos, que veio até ao centro da cidade. Fez compras no pronto-a-vestir Sakura. Quem a atende diz que o "negócio vai mais ao menos", mas janeiro e fevereiro são sempre piores..A mesma conclusão tem o presidente da Liga dos Chineses em Portugal, Y Ping Chow. "Ainda não podemos dizer que o negócio baixou devido ao coronavírus, temos tido quebras mas temos de perceber a que se devem, talvez os restaurantes se ressintam mais", diz..Em muitos dos espaços há um aviso na porta escrito em mandarim: "Por causa do coronavírus, a comunidade chinesa e a Embaixada da República Popular da China informam que, por uma questão de segurança, esta loja não aceita os turistas vindos da China e que não cumpriram os 14 dias de quarentena. Pedimos desculpa pelo incómodo. Agradecemos a vossa compreensão"..Y Ping Chow explica que se trata de uma campanha de sensibilização e que é uma das medidas para garantir que tudo está a ser feito com os chineses que chegam da China, muitos dos quais terão ido comemorar o ano do Rato, 25 de janeiro, ao país. "O mais importante é tentar que os chineses que chegam se possam autoexcluir, têm de estar afastados do resto da população durante 14 dias. As famílias e as empresas estão a ajudar, há casas livres onde as pessoas podem viver durante o período de quarentena.".Num artigo publicado na quarta-feira no DN, a presidente da Associação Portuguesa dos Amigos da Cultura, Wang Suoying, fala da organização da comunidade chinesa, também para apoiar quem vive na China. "Os chineses em Portugal contribuíram em poucos dias com dezenas de milhares de euros para comprar máscaras e outros materiais, todos bem empacotados, a voarem para a China" (...). "Quando os chineses que tinham viajado para a China começaram a regressar para Portugal, a comunidade chinesa, além de lançar o apelo para adiarem a viagem, tomou a iniciativa de promover rigorosamente o autoisolamento profilático, a fim de contribuir para proteger Portugal do contágio da doença. E os viajantes também colaboram sem hesitação. Alguns passaram a viver na casa de amigos ou residências, para deixar o(s) familiar(es) viajante(s) em casa, em isolamento completo. Outros arranjaram casas em zonas afastadas da multidão.".Y Ping Chow destaca essa solidariedade da comunidade, nomeadamente para comprar máscaras, nas farmácias ou em armazéns, lamentando que estas "tenham triplicado de preço"..Na semana que passou ainda havia máscaras para vender na Farmácia J. Ribeiro, stocks que têm vindo a renovar, não só de máscaras como de desinfetante. Mas também há quem leve dezenas de caixas, por exemplo, uma senhora que comprou 40 caixas num dia e encomendou 80 no dia seguinte. Quanto aos preços, Rui Cordeiro, técnico do estabelecimento, confirma que houve uma subida, mas isso tem mais que ver com as empresas que fabricam as máscaras. "Inicialmente, as caixas com 50 máscaras cirúrgicas custavam cerca de cinco euros; depois tivemos umas a 19 euros, que não considero tão boas por serem com atilhos para apertar e não terem elásticos, estas que temos agora custam 7,45", explica..Na Estrada de Benfica, a Super Panda não se queixa da falta de clientes. "Somos uma loja local, que existe há muitos anos, nós estamos aqui há nove anos. Este é um negócio sustentável", diz Joaquim Jinhui, 36 anos, que já nasceu em Portugal. A mulher, Wenya Ying, 33, deixou a cidade chinesa de Wenzhou (província de Zhejiang), com 15 anos. Mas todos a tratam por Joana, alguns dos clientes dão-lhe beijinhos e perguntam pelos filhos.."Estamos aqui há muitos anos, as pessoas conhecem-nos, sabem que não saímos daqui", diz Wenya. Maria Fernanda Oliveira, 50 anos, preparadora técnica do medicamento, confirma. "Conhecemo-nos há muito tempo, compro aqui muita coisa e ela às vezes faz um desconto. Estão tão sujeitos a ficar infetados como nós". Hoje comprou uma malinha,.Mas o negócio não vai assim tão bem para todos os chineses. "Há amigos que estão a vender menos 30%, Nós temos os nossos clientes habituais, faz-se um pouco de amizade, Vêm sempre", acrescenta Joaquim Jinhui.