Coronavírus desperta medos dez anos após o primeiro resgate grego
"Lefta Yparchoun!", que significa "há dinheiro!" em grego, era o slogan de campanha de George Papandreou nas legislativas de outubro de 2009, em pleno rescaldo da crise financeira mundial de 2008. O líder dos socialistas do PASOK venceu, mas a promessa de gastar milhões no sistema de saúde ou de dar dinheiro aos mais necessitados com o aumento dos impostos dos mais ricos chocaram com a realidade: não havia dinheiro. A 23 de abril de 2010, Papandreou anunciou que ia pedir ajuda financeira porque a Grécia estava à beira da bancarrota. A 2 de maio, a troika (Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu) deu luz verde ao resgate de 110 mil milhões de euros, que vinha acompanhado de medidas de austeridade sem precedentes. Foi o primeiro resgate de três (o segundo veio em 2012 e o terceiro já em 2015, num total de 289 mil milhões de euros), com a Grécia a livrar-se da troika só em 2018. Dez anos após a assinatura do primeiro memorando de entendimento, a crise atinge todos à boleia do coronavírus, apesar de os gregos estarem a ter sucesso a conter a pandemia.
"Há uma década, foram precisos dois anos para a crise dos subprime dos EUA se manifestar no elo mais fraco da zona euro, a Grécia. Hoje, foram precisos apenas dois meses para toda a economia europeia parar. A velocidade é essencial. Não há tempo para uma atitude de "esperar e ver", tomando novas decisões apenas quando as anteriores se mostram inadequadas", escreveu na semana passada o ministro das Finanças grego da altura do resgate, George Papaconstantinou, em colaboração com o próprio Papandreou, no Financial Times. "Em circunstâncias tão terríveis, simplesmente não há espaço para a política de hesitação, incrementalismo ou apontar o dedo", acrescentam no artigo "Não repitam os erros do resgate grego".
A Grécia, à semelhança de outros países, impôs o confinamento da população a 23 de março, sendo os gregos obrigados a informar as autoridades quando saem de casa, sob risco de multas. Os números da pandemia mostram que o país parece ter sido poupado: registou 2576 casos e 139 mortes. E as medidas vão começar a ser aliviadas já esta segunda-feira, com algumas lojas a reabrir, esperando-se que o setor do turismo (que tem um peso de 21% da economia) possa reabrir já em julho. O governo tem previsto injetar também dez mil milhões de euros na economia. Em janeiro, o país tinha já o nível mais elevado de desemprego da União Europeia (16,4%), com o Fundo Monetário Internacional a estimar que possa chegar aos 22,3% por causa do coronavírus. O governo previa ainda um crescimento económico de 2,8% este ano, mas as previsões são agora para uma contração do PIB de 10%.
Há uma década, quando chegou o primeiro resgate, a Grécia estava já há dois anos em recessão. A dívida pública era de 146,2% e o défice orçamental de quase 14%, quando as regras europeias ditam que não deve ir além dos 3% do PIB. O governo anterior, do conservador Kostas Karamanlis da Nova Democracia, tinha escondido o verdadeiro impacto que a crise estava a ter. O desemprego estava nos 12% mas, com a austeridade, chegaria a um recorde de 27,9% em setembro de 2013. Em fevereiro desse ano, 60% dos jovens estavam desempregados. A crise grega ameaçava toda a zona euro (Portugal viria a pedir ajuda financeira em abril de 2011) e esteve em cima da mesa um Grexit - a saída da Grécia da UE.
"Todos cometemos erros, todos reagimos demasiado devagar e o custo foi maior do que precisava ser. Mas evitámos um desastre absoluto", disse ao DN Papaconstantinou, numa entrevista em outubro de 2017, sobre o primeiro resgate. O dinheiro da troika veio com medidas de austeridade impostas por uma Europa que parecia querer castigar a Grécia, acusada de andar a gastar acima das suas possibilidades há anos. Os gregos perderam em média entre 30 e 45% dos salários, pensionistas perderam as poupanças, milhares perderam o emprego. "A troika e a União Europeia só sabiam dizer: corte, corte depressa, mas na verdade nós precisávamos mais era de reformas governamentais profundas", disse George Papandreou numa entrevista do DN em novembro de 2019. "Infelizmente a Nova Democracia e o Syriza não seguiram isto, fizeram o que a troika dizia, mais cortes do que verdadeiras reformas", acrescentou, referindo-se à etapa que se seguiu.
O descontentamento social era enorme e começou logo a 5 de maio de 2010, com os maiores protestos que o país tinha visto desde a revolta estudantil contra a junta militar em 1973. Três manifestantes morreram. Apesar dos cortes, as metas impossíveis estabelecidas pela troika levaram a Grécia a um segundo pacote de resgate, já depois de Papandreou dar um passo ao lado a favor de um governo transitório de coligação. Deixou também a liderança do PASOK, que fora fundado em 1974 pelo seu pai, Andreas Papandreou (que seria por três vezes primeiro-ministro), nas mãos de Evangelos Venizelos.
O governo de Lucas Papademos assinou o segundo resgate no valor de 130 mil milhões de euros em março de 2012, dois meses antes das eleições que veriam os socialistas cair para terceiro lugar, atrás dos antigos rivais da Nova Democracia, liderados por Antonis Samaras, e da nova esquerda do Syriza, de Alexis Tsipras. Mas as tentativas de formar um novo governo falharam e os gregos voltaram às urnas em junho, de onde saiu a coligação liderada por Samaras com o apoio do PASOK e da esquerda democrática do DIMAR. Foi o princípio do fim do PASOK, que depois de resultados dececionantes nas eleições seguintes se aliou com outros partidos de esquerda no Movimento pela Mudança (KINAL), liderado pela socialista Fofi Gennimata, que é atualmente a terceira força política na Grécia.
"O PASOK pagou um preço muito pesado por ter feito a coisa certa no início da crise e por ser responsável, assinando o primeiro resgate em 2010 e impondo duras medidas de austeridade e impulsionando reformas estruturais difíceis. Na altura havia muita negação na sociedade grega e pagámos politicamente por isso", acrescentou Papaconstantinou na entrevista de 2017, antes do nascimento oficial do KINAL. A crise do PASOK antecipou a crise eleitoral ("pasokisação") de muitos partidos socialistas na Europa.
Com a ameaça de um terceiro resgate já no ar, os gregos voltaram às urnas a 25 de janeiro de 2015 (as eleições foram antecipadas porque o Parlamento não conseguiu eleger um novo presidente do país). Virando as costas à austeridade, os gregos votaram em massa na esquerda radical do Syriza, que ficou a poucos deputados da maioria. Tsipras chegou ao palácio do governo (com o apoio dos conservadores nacionalistas do ANEL) prometendo acabar com os anos da austeridade e renegociar com a troika.
Mas em julho estava a assinar o terceiro pacote de resgate, com medidas de austeridade ainda mais graves do que as rejeitadas no mês anterior pelos gregos num referendo. A decisão causou uma cisão no partido (um dos que saiu foi o ministro das Finanças, Yanis Varoufakis) e Tsipras convocou novas eleições, que viria a ganhar em setembro de 2015, perdendo apenas quatro deputados e conseguindo voltar a fazer aliança com o ANEL. Mais medidas de austeridade foram implementadas em 2016, com o país a começar a ver a luz ao fundo do túnel apenas no ano seguinte. A 20 de agosto de 2018, o país disse adeus à troika e, depois de o Syriza perder as europeias de maio de 2019, os gregos voltaram às urnas e deram uma maioria confortável de novo à Nova Democracia, liderada desde 2016 por Kyriakos Mitsotakis, com Tsipras a ficar como líder da oposição.
De volta aos mercados, com a economia a crescer e um superávit orçamental, a Grécia estava no bom caminho até chegar o coronavírus que colocou o país novamente na rota da recessão. O futuro dirá quanto tempo demorará mais esta crise a passar.
Kostas Karamanlis
Sobrinho do ex-primeiro-ministro e ex-presidente Konstantinos Karamanlis, que havia fundado o Nova Democracia, liderou o partido conservador entre 1997 e 2009. Primeiro-ministro desde 2004 até à derrota nas eleições de 2009, é acusado de ter escondido a verdadeira dimensão da crise grega que culminaria no pedido de resgate em 2010. Tem 63 anos e continua a ser deputado.
George Papandreou
Filho e neto de ex-primeiros-ministros gregos, era o chefe do governo na altura do primeiro resgate. Liderou o PASOK, fundado pelo seu pai Andreas Papandreou, entre 2004 e 2012. Eleito em 2009, deixou a chefia do executivo em novembro de 2011, abrindo a porta a um governo de coligação, que assinou o segundo resgate. Em janeiro de 2015 fundou o seu próprio partido, o KIDISO, que já em 2017 se uniu ao PASOK na aliança Movimento para a Mudança. Tem 67 anos e é deputado, sendo presidente da Internacional Socialista desde 2006.
George Papaconstantinou
Ministro das Finanças entre 2009 e junho de 2011, esteve depois à frente da pasta do Ambiente, Energia e Alterações Climáticas, até maio de 2012. Contou a sua experiência sobre o primeiro resgate no livro Game Over, de 2016. Também escreveu Whatever It Takes - The Battle for Post-Crisis Europe. Foi alvo de uma investigação após se descobrir que teria apagado três familiares da Lista Lagarde, que continha os nomes de gregos que potencialmente podiam ter fugido ao fisco. Por causa disso foi expulso do PASOK. É professor na School of Transnational Governance.
Lucas Papademos
O ex-vice-presidente do Banco Central Europeu foi escolhido para liderar o governo de coligação, provisório, após a saída de Papandreou em novembro de 2011, tendo assinado o segundo resgate. Saiu em maio de 2012. Em 2017 ficou ferido na explosão de uma carta-bomba dentro do seu carro, em Atenas. É professor no Centro de Estudos Financeiros da Universidade de Frankfurt.
Alexis Tsipras
O líder do Syriza era o primeiro-ministro quando a Grécia assinou o terceiro resgate, em 2015. Eleito em janeiro desse ano com a promessa de virar costas à austeridade, acabaria por ter que a implementar, ignorando um referendo em que os gregos disseram não às condições de um terceiro resgate. Chefiou o governo até julho de 2019, sendo desde então o líder da oposição. Tem 45 anos.
Yanis Varoufakis
Ministro das Finanças de janeiro a julho de 2015, liderou a renegociação do resgate com a troika que culminou no referendo que foi rejeitado pelos gregos. Demitiu-se no dia seguinte e, no Parlamento, votou contra o terceiro resgate. Voltou a ser deputado em 2019, após cinco anos ausente, eleito pelo MeRA25, que criou e lidera desde 2018 e que é parte do paneuropeu Movimento Democracia na Europa 2025, que fundou em 2016.
Kyriakos Mitsotakis
Tem 52 anos e é filho do ex-primeiro-ministro Konstantinos Mitsotakis. Após três anos como líder da oposição, conseguiu a maioria absoluta para a Nova Democracia nas eleições de julho de 2019. Herdando um governo pós-troika, estava na rota do crescimento económico, até o coronavírus lhe trocar as voltas. Os gregos aprovam a gestão da crise de saúde pública, com 43,6% a dizer que votariam nele, contra 20,3% em Tsipras.