"53% dos pedidos de ajuda para combater a dependência (nos centros espalhados por todo o país) estão relacionados com canábis", revelou ao DN João Goulão, diretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD). O coordenador para os problemas da droga não é, por isso, surpreendido pelos dados agora revelados por um estudo de três médicos investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, que aponta para um aumento de 30 vezes mais internamentos hospitalares por surtos psicóticos e esquizofrenia, em doentes que são consumidores de canábis..João Goulão sustenta que este aumento se prende com vários fatores, nomeadamente com "a manipulação da canábis, pois circulam cada vez mais produtos com substâncias psicoativas muito elevadas", mas também com "uma maior consciencialização do problema". "O que acontece é que muitos consumidores apanham valentes sustos e depois pedem ajuda nos centros." Além disso, "nos últimos tempos, nomeadamente depois da descriminalização [novembro de 2001], prestamos mais atenção a drogas como a canábis", sublinha. Considera que a publicação de estudos como este "é importantíssima", permitindo aos serviços do SICAD conhecer melhor o terreno onde se movimentam. Durante anos foi a heroína que mais utentes levou..O coordenador para os problemas da droga recorda que, durante anos, era a heroína "que ofuscava todas as outras drogas" nos centros de apoio à toxicodependência, mas esse cenário inverteu-se. No último ano foram pouco mais de 20% os que chegaram aos centros com dependência de heroína, numa clara diminuição. Já os pedidos por dependência de cocaína mantêm-se. Os números - e os meios de auxílio - vão ser conhecidos na quarta-feira (dia 18), durante a apresentação do relatório anual do serviço, adianta o diretor..Um estudo publicado por três investigadores portugueses da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto revela que os distúrbios psicóticos relacionados com o consumo de canábis aumentaram quase 30 vezes nos últimos 15 anos, coincidindo com a descriminalização..De acordo com a investigação - publicada a 5 de dezembro no International Journal of Methotds in Psychiatric Research, uma das mais conceituadas publicações da área de metodologia de investigação em saúde mental -, o número de internamentos por perturbações psicóticas e consumo de canábis registado nos hospitais públicos portugueses aumentou 29,4 vezes entre 2000 e 2015. No documento agora publicado, os investigadores Manuel Gonçalves Pinho, Miguel Bragança e Alberto Freitas sublinham que, embora não se trate de "um estudo que pretenda determinar causalidade", é um sinal importante para compreender o real impacto destes internamentos nos sistemas de saúde públicos (como o português). De resto, é o primeiro estudo feito com todos os internamentos que ocorreram desde o início da década de 2000: "O que nos importava era obter esta 'fotografia' do universo de hospitalizações em todo o país. Por cada dez pacientes internados em 2015 com perturbações psicóticas e esquizofrenia, um tem registado consumo de canábis, o que deve motivar uma reflexão junto dos decisores políticos e das entidades de saúde pública", disse ao DN Manuel Gonçalves Pinho.."O nosso objetivo foi descrever e correlacionar o panorama hospitalar de perturbações psicóticas (DP) com as tendências do consumo de canábis (UC) em todos os hospitais públicos portugueses", sublinham no artigo os três investigadores da Faculdade de Medicina e Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde. Manuel Gonçalves Pinho faz uma ressalva importante neste estudo - que teve em conta 3233 internamentos a partir de episódios psicóticos e esquizofrenia: "Há dez anos era menos provável o diagnóstico de consumo de canábis ser registado no processo clínico durante um internamento. Atualmente, o detalhe de codificação e registo é maior, bem como o acesso a meios de diagnóstico toxicológicos.".De acordo com o estudo, assim se justifica aquilo que Manuel Gonçalves Pinho admite parecer "uma subida astronómica", e que na verdade depende também do maior detalhe de registo e codificação que ocorre a partir de um episódio de internamento de um doente. No diagnóstico primário, o número de internamentos com episódios psicóticos e esquizofrenia associados ao uso de canábis aumentou de 20, em 2000, para 588 hospitalizações em 2015, respetivamente..Aos médicos e investigadores interessou também perceber alguns dados demográficos. "A maior parte dos internamentos ocorre em homens (89,9%), sendo certo que a maioria são jovens, com uma idade média de 30 anos", acrescenta Manuel Gonçalves Pinho. "Em Portugal, os homens correm maior risco porque são consumidores mais frequentes de canábis, relativamente às mulheres, o que ajuda a explicar os resultados encontrados no nosso estudo", esclarece o artigo publicado no jornal internacional, a que o DN teve acesso..Os autores insistem na importância de estes resultados virem a ser analisados e verificados em profundidade, uma vez que a realização partiu da base de dados dos hospitais públicos portugueses, não especificamente concebidos para esta finalidade.