Como o tímido de Marrazes chegou "a guarda-redes de nível mundial"

A história do guardião na equipa das quinas já tem 96 capítulos. António Violante e Fernando Brassard recordam ao DN a estreia em 2003 pelos sub-16 e como chegou à seleção principal.
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"Defesa impossível de Rui Patrício!" Uma frase cada vez mais vulgar para descrever o desempenho do dono da baliza de Portugal há uma década. António Violante e Fernando Brassard apadrinharam a estreia de quinas ao peito em 2003 (nos sub-16) e recordam traços e personalidade ainda hoje vincados - introvertido, paixão pelo treino, humildade - além de "um potencial enorme" aos 15 anos. Amanhã, frente à Bélgica, em Sevilha, fará o jogo 97 pela seleção principal.

Hoje pode até ser Comendador da Ordem de Mérito, campeão europeu (2016), ter uma estátua do seu tamanho em Leiria ou ser chamado de São Patrício, mas nada apaga o passado como "Mula de Marrazes". António Violante lembra-se de cor da estreia do conterrâneo pelos sub-16 de Portugal. Foi em Odivelas, no dia 16 de dezembro de 2003, num particular com a França em que sofreu dois golos (2-0).

"Estava na sala de espera do hotel à espera da hora do treino quando os jogadores começaram a descer dos quartos e ouvi uma voz atrás de mim com um sotaque inconfundível e perguntei - "quem está aí de Marrazes?"- e o Daniel Carriço respondeu - "é o Mula". O Mula era o Rui Patrício. Achei engraçado porque eu tinha jogado no Marrazes com o Mula... que afinal era tio dele", contou ao DN o ex-selecionador campeão da Europa sub-17 em 2003, que assim ficou ligado para sempre na história do guarda redes mais internacional de sempre (96 jogos).

Depois de pesquisar os cadernos da altura, o selecionador encontrou a primeira palestra que Patrício ouviu de quinas ao peito: "Vamos jogar com um adversário difícil, que não conhecemos bem, mas é habitual a França ter boas equipas. O essencial é ter confiança em nós próprios, respeitar o adversário, mas sem medo. Sintam-se felizes. É a primeira vez que vestem a camisola da seleção à qual vão ter direito. Para isso é preciso sair do campo com o sentimento de dever cumprido. Cada um tem de sentir que deu tudo e mais um bocadinho". E desde então que Patrício dá tudo.

Fernando Brassard fazia parte da equipa técnica de Violante, como treinador de guarda-redes, e foi ele a apadrinhar os primeiros treinos na seleção de sub-16. "Era um rapaz tímido, algo acanhado, mas já demonstrava algum potencial. Parecia-me um guarda-redes com alguma qualidade diferenciada para a idade que tinha (15 anos). Essa foi uma das razões de ser chamado, mas também pelo seu perfil físico, longilíneo e canhoto", recordou o antigo guardião, campeão do Mundo de sub-20 em 1999 e agora treinador de guarda-redes nos sub-21.

Quando viu a defesa que ele fez no jogo com a França (2-2) e que ajudou Portugal a seguir para os oitavos de final do Euro 2020, já não viu o menino de 15, mas "um guarda-redes de nível mundial". Para o técnico é uma satisfação imensa" ver os guarda-redes triunfar e fazer bons jogos, e no caso de Rui Patrício "é um orgulho muito grande ter estado nas estreias dele na seleção".

Além de apadrinhar a estreia absoluta, Brassard também esteve na primeira vez de Patrício na seleção A. Foi em 2008, integrado na equipa técnica de Scolari. Primeiro no particular com a Itália, depois na lista para o Euro 2008, o primeiro de quatro europeus do guardião de 33 anos ."O Scolari tinha como princípio chamar um jovem ao lote dos três guarda redes para projetar o futuro. Em 2004 foi o Moreira, em 2006 o Bruno Vale (depois lesionou-se e não foi) e em 2008 o Patrício. Foi nessa lógica de poder ser o futuro dono da baliza que o Rui foi chamado e com a vantagem de já jogar no Sporting onde o Paulo Bento tinha apostado nele", revelou ao DN o antigo guarda-redes.

Integrou um grupo onde estavam Ricardo e Quim, que se lesionou e deu lugar a Nuno Espírito Santo, que depois treinou Patrício no Wolverhampton. Mas o rapaz de Marrazes "não acusou a pressão". Tinha 20 anos e "foi-se impondo nos exercícios e mostrando que estava pronto para jogar naquele nível", segundo Brassard, que já conhecia o seu jeito calado e introvertido, mas que o viu "adaptar-se ao grupo aos poucos".

Depois Scolari deixou a seleção e Carlos Queiroz não o levou ao Mundial 2010, voltando a ser chamado quando Paulo Bento assumiu o banco nacional. Estreou-se num jogo particular com a então campeã do Mundo, a Espanha (4-0), ainda em 2010, mas só fez da baliza nacional a sua casa em definitivo a 26 de março de 2011. Foi pela primeira vez titular num particular com o Chile (1-1), em Leiria, repetindo a titularidade, e de forma oficial, meses depois frente ao Chipre (4-0), no apuramento para o Euro 2012. Há dez anos que é titular da seleção e só falhou três jogos... este ano e devido a lesão.

A longevidade de Patrício tem alguns segredos - paixão pelo treino, humildade, estabilidade familiar e Yoga. E o "Mula de Marrazes" não tem dado muitas oportunidades aos competidores diretos. "É bom ver que hoje os miúdos já têm ídolos guarda-redes e o Rui já é um deles", elogiou Fernando Brassard.

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