"O objetivo é, ao fim de dois anos e meio de mandato, ter metade da equipa hospitalizada!" A piada foi dita pelo próprio Marcelo Rebelo de Sousa em junho de 2017, na ilha Terceira, quando, em passo acelerado, percorria um trilho sinuoso do topo do monte Brasil até à Baixa de Angra do Heroísmo. Falava com o presidente do governo regional, Vasco Cordeiro, sobre como se diverte a desgastar até à exaustão não só os jornalistas que o acompanham como, também, o seu próprio staff. Riram-se muito os dois..Hoje passam três anos da sua eleição presidencial. O objetivo de hospitalizar metade da sua equipa em dois anos e meio não foi cumprido. Mas ocorreram baixas pelo caminho, precisamente devido ao facto de Marcelo ser, garantidamente, o Presidente mais veloz de sempre a ocupar o Palácio de Belém. Um membro da sua equipa sintetiza o que é trabalhar com Marcelo: "Ui, um frenesim...".A principal baixa foi a do general João Cordeiro, da Força Aérea. A 30 de novembro de 2017, o general demitiu-se do cargo que ocupava desde março de 2017: chefe da Casa Militar do Presidente da República. Um cargo ao qual chegara vindo do conforto da representação portuguesa na NATO, em Bruxelas. "Motivos pessoais", dizia o comunicado em que a Presidência anunciava a demissão..O general nunca se adaptou às constantes mudanças de planos que Marcelo está sempre a impor na sua agenda. Uma inadaptação resultante de dois fatores: por um lado, falta de velocidade para acompanhar a do Presidente; por outro, um formato mental muito marcado pelo esquematismo militar. Separaram-se sem ressentimentos mútuos: o PR publicou-lhe um simpático elogio no despacho de exoneração. João Cordeiro foi substituído pelo general Vaz Antunes (Exército), que parece mais adaptado às ventanias presidenciais do que o seu antecessor..Trabalhar com este Presidente implicou, por exemplo, que quase todos os seus seguranças tenham sido obrigados a fazer formação no Instituto de Socorros a Náufragos. A maior parte não a tinha. Mas ela tornou-se indispensável devido à mania presidencial de ir ao banho sempre que pode, tanto nas praias perto de casa (Cascais) como nas suas deslocações pelo país ou ao estrangeiro. Nos Açores, em junho de 2017, só não se atirou mais ao Atlântico por causa de uma praga de alforrecas. Todos os seus seguranças têm agora competências de nadadores-salvadores..A velocidade presidencial implicou ainda outra coisa, no que toca à sua segurança pessoal: tem três equipas que se vão revezando. Os outros presidentes tinham apenas duas. Isto porque o dia presidencial é longo. Por ser noctívago, Marcelo nunca começa a trabalhar antes das 09.30, 10.00. Mas depois, quando começa, nunca para e a agenda termina muitas vezes depois da meia-noite. Alimenta-se na maior parte das vezes a sandes de queijo e Sumol de ananás. Parte da agenda é revelada publicamente (no site da Presidência e em e-mails enviados às redações), mas outra não o é. Com esta parte não revelada da sua agenda vai muitas vezes gerindo exclusivos para órgãos de comunicação social.A casa do PR é em Cascais mas, à cautela, Marcelo mandou equipar um quarto em Belém para ali pernoitar, se lhe apetecer. De manhã, o trânsito de Cascais para Lisboa é insano e Marcelo não gosta de perder tempo. O tal quarto em Belém não tem tido no entanto grande uso - porque o PR tem outra mania..E essa é a de se ir hospedando em hotéis de Lisboa, nomeadamente quando tem eventos de agenda na capital durante a manhã. Escolhe hotéis perto desses eventos - e vai de um lado para o outro a pé. Já aconteceu ele próprio marcar o hotel com um nome falso, para grande espanto do pessoal da receção, que vê de repente aparecer-lhe à frente um Presidente da República quando estava à espera de um desconhecido que tinha telefonado minutos antes a marcar um quarto em nome de António Silva ou qualquer outro nome inventado..Marcelo tem ainda outra característica: é fortemente dado à autossuficiência. Gosta de pegar no seu próprio carro e conduzi-lo até às iniciativas que pretende acompanhar. Aconteceu há alguns dias, quando foi a um jantar de sem-abrigo. Embora contrariado, já se habitou à ideia de que não se pode deslocar para lado nenhum sem segurança pessoal. Ao princípio os homens da PSP que o acompanham iam enlouquecendo com as suas fintas. Agora já está tudo rotinado, não há surpresas..Também não faz questão de estar sempre acompanhado de um assessor de imprensa (tem três, além de dois fotógrafos oficiais e dois operadores de vídeo). Hoje, por exemplo, partirá sem assessoria para o Panamá, onde estão a decorrer as Jornadas Mundiais da Juventude (o maior evento de massas do mundo católico). Espera encontrar-se com o Papa Francisco, que no domingo deverá anunciar que as próximas jornadas serão em Portugal, em 2022..Quem também não tem tido muito trabalho é a sua assessoria jurídica. Marcelo já vetou politicamente onze diplomas, devolvendo-os ao remetente, mas nunca usou os serviços do Tribunal Constitucional, nomeadamente através da figura da fiscalização preventiva de constitucionalidade..Trabalhar com o Presidente implica também ter a forte consciência de que qualquer hora do dia ou da noite é boa para receber um telefonema seu. Marcelo não quer saber se são cinco da tarde ou duas da manhã: liga se tiver de ligar. E também é-lhe indiferente saber se a pessoa a quem liga está de férias, de folga ou simplesmente fora de serviço, por qualquer razão. Muitos jornalistas sabem disso, também..A velocidade presidencial deixa toda a gente no seu staff à beira da exaustão - e, no entanto, a boa disposição impera. A razão é simples: Marcelo é uma pessoa genuinamente divertida e bem-disposta - traquina, muitas vezes. Tem uma tendência (que tem tentado controlar, porque já percebeu que não é compreendido) para o humor negro. Como naquela reunião com autarcas em Lisboa onde se lembrou de especular sobre o que aconteceria se uma bomba os matasse a todos naquele momento - menos a ele, claro..Em Belém, ninguém se lembra de ver o Presidente a ter uma fúria ou comportamentos autoritários. Quando as coisas não correm bem, encolhe os ombros e segue em frente: "Para a próxima corre melhor."