Como domar François Damiens e Vincent Lindon
Vincent Lindon e François Damiens são dois primos que nunca se veem. Um é diretor de uma multinacional que fatura milhões, o outro é um pobre coitado que não deve muito à inteligência. A dada altura, o CEO precisa da assinatura do primo para poder continuar a controlar a empresa e os problemas começam aí. Uma comédia de feitios para abordar o flagelo capitalista da sociedade francesa. Jan Kounen, o realizador holandês adotado pela França e conhecido de sucessos como Coco Chanel e Igor Stravinsky e Dobermann, aposta na comédia com este O Meu Primo Desajeitado, comédia para o grande público que aborda a temática da saúde mental com um raio de sol. Ao DN, via Zoom, falou sobre esta sua aventura pelos territórios do humor comportamental.
Uma das coisas mais politicamente incorretas neste filme é misturar humor com saúde mental...
Nunca fui alguém com jeito para ser politicamente correto, mas creio que abordo o tema com alguma beleza até... A maneira como filmo alguém meio louco é correta e mostra que a sua maneira de ver o mundo tem valor. Aqui temos duas personagens e a pergunta que o filme faz é qual delas é que tem problemas mentais... Outra das perguntas que faço é se ao vivermos segundo regras e boas maneiras se não estamos também a entrar numa espiral de insanidade... Estou pessoalmente do lado da personagem do primo louco.
Que tipo de sentido de humor julga ter?
Algures entre algo próximo da cultura francesa, Tex Avery e os Monty Python com uma perninha de Mad Max, enfim um sentido de humor insano, voilà! E por muito que seja um tipo alegre, vou sempre para áreas mais negras, seja com camadas de comicidade cartoonesca, exagerada, extrema e do absurdo.
O que tentou com a personagem do CEO poderoso? Alguma ideia de tipificar uma França endinheirada?
Devo dizer que não fui pesquisar comportamentos de diretores de grandes empresas, apenas me baseei em tipos com cargos que poderosos que fui vendo. Mas desta vez apenas adaptei um argumento, não foi da minha imaginação, aliás, foi o filme que veio até a mim! De alguma forma, foi um processo experimental e desta vez inspirei-me em comédias feitas noutros países. Queria um outro tipo de registo. E interessava-me filmar um homem que tem tudo menos tempo. A verdade é que a personagem de Vincent Lindon pode comprar tudo menos o tempo e percebe que isso é a coisa mais preciosa na vida.
Como se constrói a química entre dois atores de comédia, neste caso entre François Damiens e Vincent Lindon?
Não foi nada fácil, mas diria que usando as energias diferentes de cada um deles. O cinema de comédia precisa sempre desses contrastes - de um lado a poesia improvisada do François Damiens, do outro a velocidade de ordem do Vincent Lindon. Ambos formam uma parelha interessante no papel, mas na prática é complicado. No começo percebi que trabalhavam de forma radicalmente oposta e foi difícil harmonizar a coisa. Foi complicado para mim e para eles e chegaram a dar-se mal. O Vincent achava que o François não estava a fazer bem a sua personagem e vice-versa. Depois, tudo rolou bem e ficaram mesmo amigos, até passaram as férias juntos. Na verdade, foi um pouco como se passa no filme. Meu deus, são mesmo diferentes, por exemplo, o Vincent prepara tudo! Vai ao ponto de estudar as vírgulas do guião. Para se compreenderem teve de haver muita conversa...No resultado final está lá toda essa bela energia!
Este filme foi prejudicado pela pandemia, mas vai mesmo estrear-se em salas. Faz-lhe impressão que o seu cinema seja apenas visto nas plataformas?
Quando ficámos confinados acabámos por criar novos hábitos de consumir cinema. Mas ver um filme numa sala não tem nada que ver com a experiência de o ver sozinho em casa. Vamos agora ver se as salas vão mesmo sobreviver... Todavia, não quero pensar na morte do cinema, continuo otimista. Enquanto houver cinemas acredito que os espetadores continuarão a ir.
dnot@dn.pt