Comissão de Proteção de Dados alerta para possíveis inconstitucionalidades no orçamento

A questão está na inteconexão entre bases de dados do Estado.A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) alerta para possíveis inconstitucionalidades na proposta de lei do Orçamento de Estado para 2020
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No seu parecer ao documento, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) aponta "indeterminação legislativa" na proposta de lei de orçamento para 2020 (OE2020), que está relacionada com as interconexões de bases de dados da Administração Pública (AP). Diz a CNPD essa "indeterminação legislativa" está presente em algumas partes do documento, pelo que, alerta, não será "permitido cumprir o grau de densidade normativa exigida à restrição de direitos, liberdades e garantias, que estas interconexões sempre representam".

"Em especial, do direito fundamental à proteção dos dados pessoais, mas também do direito fundamental ao respeito pela vida privada, consagrados nos artigos 35.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa", assinala o parecer da CNPD.

A comissão sublina que "tem vindo a chamar a atenção do legislador português para o risco que as interconexões de bases de dados pessoais importam, sobretudo quando a lei se limita a prever a sua realização sem fixar as garantias adequadas à proteção dos direitos fundamentais das pessoas a quem tais dados dizem respeito e, até mesmo, sem definir com precisão o âmbito dessas interconexões".

"As normas em causa limitam-se a prever a operação de tratamento de dados pessoais sem a regular, sobretudo sem impor a adoção de medidas de garantia dos direitos dos cidadãos como o RGPD [Regimento Geral de Proteção de Dados] exige", assinala a CNPD.

A comissão destaca ainda que a proposta de lei é feita "muitas vezes sem sequer delimitar o objeto da interconexão, constituindo nalguns casos, adiante assinalados, verdadeiras normas em branco".

Comparando com a proposta de lei para 2019, na de 2020 "a norma que prevê interconexões vai mais longe na sua indeterminação: nem sequer se identificam as entidades e organismos públicos cujas bases de dados vão ser objeto de interconexão".

"A CNPD insiste: a determinação da extensão e intensidade do relacionamento da informação pessoal dos cidadãos, em particular quando respeite à vida privada destes [...], não pode ficar nas mãos da Administração Pública sem comandos legais minimamente precisos", vinca o parecer da comissão.

A CNPD critica ainda "a contínua opção por normas legislativas abertas que delegam nos órgãos administrativos amplíssimos poderes decisórios quanto a tratamentos de dados", afirmando que esta prática "põe em crise a garantia primeira do regime constitucional dos direitos fundamentais, que é a de reservar à lei a definição das restrições e condicionamentos dos direitos, liberdades e garantias".

"Ainda que se compreenda o objetivo de gestão eficiente da informação e de agilização dos procedimentos administrativos, sobretudo no domínio da economia social e da prestação de cuidados a pessoas carenciadas, e a utilidade, para esse efeito, da partilha de informação sobre os cidadãos detida pelo Estado e por outras pessoas coletivas públicas, não podem ser ignorados os riscos daqui decorrentes", prossegue a CNPD.

A CNPD alerta ainda que a "abertura das bases de dados com informação relativa a cidadãos identificados que se encontram na posse da Administração Pública a interconexões [...] abre a porta ao relacionamento de todos os dados pessoais dos cidadãos, num efeito equivalente à centralização de informação numa única base de dados nacional que a proibição constitucional do número único do cidadão queria e parece continuar a querer evitar".

A comissão recomenda a "densificação" do artigo relativo à interconexão, destaca a utilização das bases de dados das "entidades participantes na Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023".

A CNPS alerta ainda para as listas de devedores da Segurança Social e o "impacto que uma tal divulgação tem na vida privada das pessoas, em termos que são seguramente excessivos, em violação do princípio da proporcionalidade", e para a "publicação 'online' de decisões condenatórias", que "deve ser sujeita a um especial juízo de ponderação".

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