Colégio cancela exame por conter texto crítico a Bolsonaro

Decisão terá ocorrido após protesto de pais pela presença de um artigo, inicialmente publicado no jornal <em>Folha de S. Paulo</em>, da autoria do humorista Gregório Duvivier. Sindicato local dos professores condena mas escola rejeita acusação de censura.
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Um colégio particular de Belo Horizonte, capital do estado brasileiro de Minas Gerais, cancelou exame de Língua Portuguesa de alunos do 2º ano do ensino médio, após pais reclamarem de uma questão que continha conteúdo crítico ao presidente Jair Bolsonaro. O texto utilizado era um artigo do ator, escritor e humorista Gregório Duvivier, publicado no jornal Folha de São Paulo.

Em entrevista ao portal UOL, o diretor académico do Colégio Loyola disse que a educação da instituição preza pela "formação integral e por abordar questões sociais". No entanto, Carlos Freitas afirma ter ocorrido uma falha na formulação da questão por ela não atender à orientação "de ser apartidária".

"Nós cancelamos a prova e propusemos outra. A professora foi chamada, não há retaliação e nem culpa. Não há, de maneira alguma, questão ligada à censura mas é preciso ter os dois lados para o próprio aluno fazer o discernimento". Segundo ele, a escola aplicará outro teste nos próximos dias e prevalecerá a maior nota, caso o estudante opte por fazer.

Já o Sindicato dos Professores de Minas Gerais emitiu nota de repúdio e indignação e chamou o ato de "censura, retaliação e mordaça aos trabalhadores da educação". Valéria Morato, presidente do organismo, argumentou tratar-se "de um conteúdo aberto, disponível na internet, que não deveria ter sido motivo para cancelar a prova".

A questão em causa não pedia a opinião dos estudantes sobre o conteúdo do texto de Duvivier, conhecido crítico do governo Bolsonaro, apenas o tomava como ponto de partida para perguntas de língua portuguesa.

Publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo, na edição do dia 28 de agosto, com o título "Único jeito de não ficar triste é ficar puto", eis o texto na íntegra, conforme partilhado após a polémica pelo próprio autor nas redes sociais:

"Peço licença pra cometer um pouco de autoajuda. Tenho conhecido muita gente desolada. Esse governo é um gatilho poderoso pra depressão. As queimadas, o apocalipse iminente, a recessão inevitável, o desemprego crescente, a vergonha mundial. O presidente parece eleito pela indústria farmacêutica para vender antidepressivo.

Se eu estivesse estudando que nem um louco pra passar no concurso do Itamaraty [Ministério dos Negócios Estrangeiros do Brasil] e visse o presidente nomeando o próprio filho embaixador, talvez eu desse um tiro no coco. Se eu fosse indígena, quilombola, sem-terra ou sem-teto, talvez abreviasse a minha vida antes que o governo fizesse isso por mim. Se eu tivesse votado nesse governo contra a corrupção estaria comprando um chicotinho da Opus Dei e passaria os dias me mutilando em praça pública: "Mea culpa, mea máxima culpa".

Tem quem prefira não ficar sabendo. Ou fingir que não está sabendo. "Basta não ler as notícias." Não basta. Você não precisa saber que a sua comida tem agrotóxicos para morrer de cancro. Ao contrário do que dizem os coaches quânticos, não pensar no desemprego não vai te arrumar um emprego.

Mesmo que você não queira se informar sobre queimadas, elas batem à sua porta - até fumaça faz delivery em São Paulo. A cidade da noite clara conheceu a tarde escura, numa metáfora óbvia demais do que virou o país. O meio ambiente podia trabalhar com uma imagem mais subtil - mas talvez adivinhe que esse governo não entende subtileza.

Só conheço uma maneira de não ficar triste: é ficar puto [zangado]. O único momento em que eu não estou deprimido com esse governo é quando eu estou com ódio desse governo. Não existe saída, infelizmente, pela alegria nem pelo afeto: ninguém nunca tirou um presidente com ciranda.

A ditadura no Brasil terminou com aquela impressão de "todo o mundo errou, bola pra frente". Bola pra frente é o c... [O último presidente da era da ditadura militar João Batista] Figueiredo tinha que ter sido largado no mato pelado em seu cavalo - como o prefeito de Bacurau [filme brasileiro de 2019 de Kleber Mendonça e Juliano Dornelles]. Preferimos a conciliação. Os torturadores gozaram de liberdade e reforma farta e as suas filhas solteiras também. "Todo o mundo errou." Quem nunca torturou uma mulher grávida? Quem nunca torturou uma mãe na frente dos filhos? Bola pra frente.

Mas não é hora de lamentar. É hora de se perguntar. Hoje: Quanto da sua tristeza você conseguiu converter em ódio? Quanto do seu ódio você conseguiu converter em ação? O que você fez pra atrasar, nem que seja um pouquinho, o apocalipse?".

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