Edgar Wright, cineasta da pop culture inglesa que ascendeu a estrela de Hollywood depois de Baby Driver - Alta Velocidade (2017), como bom melómano, era o homem certo para contar a história da banda Sparks, formada por Ron e Russell Mael. Mas Wright não se limita a contar uma epopeia pop de dois músicos extraordinários, prefere antes oferecer uma viagem de duas horas e vinte do mais pueril dos prazeres auditivos. Um documentário ao serviço da música e inundado da excentricidade legítima dos Mael, uma autêntica e assumida contribuição para o clube de fãs de uma banda que teve e tem mil vidas e na qual cabem entrevistas deliciosamente espontâneas de fãs como Beck, Flea, Vince Clark, Alex Kapranos, Giorgio Moroder, Jason Schwartzman, Mike Myers; Jonathan Ross, Nick Rhodes e John Taylor, dos Duran Duran, entre tantos outros..Tal como a frase publicitária avisa: um documentário sobre a banda favorita da sua banda favorita, The Sparks Brothers é um manifesto para tentar explicar a influência da banda ao longo de várias décadas. Uma prova de que os Sparks sempre foram um fenómeno de uma imensa minoria mas sempre capaz de reproduzir no mainstream os seus trilhos, que o digam algumas das figuras que aqui são filmadas no estúdio das confissões de Wright, como Vince Clark, os dois Duran Duran e Alex Kapranos dos Franz Ferdinand, banda que recentemente contribuiu para um ressurgimento mais visível dos irmãos através do projeto FFS, já para não falar da justa repreenda aos Pet Shop Boys, que aqui não ficam muito bem na fotografia. E a ideia foi não deixar nada para trás, da infância aos primeiros tempos ainda com a denominação Halfnelson, ao desfilar dos 25 álbuns. Exaustivo? Esse é o milagre da montagem: não se sente o tempo, toda a mecânica do processo biográfico deste duo é orquestrada com uma animação tão lúdica como sugestivamente off, tal qual o humor provocante de Ron. Aliás, The Sparks Brothers tem o ADN do espírito rock n' roll do grupo, no qual a decomposição dos clichés e das regras daquilo que é ser uma banda "para conquistar o mundo" se torna uma pedra-de-toque. O humor de Wright compreende o sentido de comédia e absurdo dos Sparks, mesmo quando às vezes o filme desce à terra para relatar os muitos momentos de esquecimento e incompreensão de que o projeto foi vítima. E, melhor de tudo, não tenta ser didáctico nas explicações dos números perfomativos de Ron e dos seu bigodes, alguém que levou com o preconceito do "politicamente correto", sobretudo quando era comparado a Hitler, embora o gozo talvez passasse mais por uma homenagem insana a Chaplin ou um piscar-de-olho a Clark Gable..The Sparks Brothers, espremido e condensado, é também um espelho das consequências da atitude de Ron e Russell na cultura pop inglesa e, depois, também americana, mostrando-se como, por exemplo, Paul McCartney não ficou indiferente a Ron, ou como a forma de dançar de Russell pode ter sido decisiva para uma nova maneira de abanar o capacete em Hollywood - olá The Breakfast Club, de John Hughes. Nesse sentido, quando se fala de Sparks temos de falar da maneira como uma banda soube sempre integrar a importância da relação com a câmara e a imagem. Neste desfilar de videoclipes, dos anos 1970 até hoje, percebe-se que os dois manos nunca deixaram ao acaso um olhar, uma pose, sempre que havia uma câmara por perto..Nesta enésima ressurreição que vivemos dos Sparks, o documentário oportunamente consegue ainda entrar na rodagem de Annette, o musical com as suas canções realizado por Leos Carax. Pode ser num abrir e fechar de olhos, mas não deixa de ser importante, sobretudo porque antes percebemos que as experiências falhadas com Jacques Tati e Tim Burton causaram sempre uma mágoa grande, em especial o projeto com Burton cuja preparação chegou a consumir muito tempo aos músicos..Se The Sparks Brothers pode ser olhado de lado por afagar a causa hipster do ego do fã, o seu principal real defeito é às vezes ser demasiado palavroso. Edgar Wright cai na tentação de se socorrer em demasiado dos depoimentos dos VIP cool, muitas vezes em jeito de mero piropo exibicionista. Ainda assim, evita-se o perigo da objetivação do mito. Na essência, procede-se a uma exposição da teoria do gosto mainstream e porque razão os Sparks nunca chegaram lá. Uma teoria ilustrada com um regozijo arty mais do que convincente e quase sempre com uma criatividade fantasiosa. Apesar de tudo, Edgar Wright tem a consciência que filma como um "fãzoca", mesmo quando no meio de tudo não prescinde das convenções do rockumentary..Num filme que tenta vender a genialidade da banda, custa que se deixe de fora um dos temas emblemáticos do álbum Lil' Beethoven, How do I Get to Carneggie Hall. Os fãs só perdoam esse pecado porque todos os outros (e muitos) clássicos são exemplarmente integrados nesta narrativa. No fim, percebemos que o termo influencer dos dias de hoje é um insulto aos irmãos Sparks....dnot@dn.pt