Não podem caber todos os filmes nas salas, é bem verdade, sobretudo numa altura em que os constrangimentos da pandemia afastam cada vez mais gente das salas, mas não deixa de ser curioso e penoso assistirmos todas as semanas à chegada de filmes que apenas são para encher catálogo ou meramente apostas falhadas das distribuidoras, aqueles que depois nos resultados de bilheteiras à segunda-feira lutam para fazer duas centenas de bilhetes vendidos e que são sistematicamente ignorados pela imprensa. São esses títulos que não interessam ao menino Jesus e que, indiretamente, afastam das salas filmes que poderiam ser mais interessantes. Ou anda tudo a dormir ou parece mesmo haver má fé perante a qualidade..O DN deixa aqui uma lista de filmes ignorados e rejeitados que tinham tudo para merecer honras de estreia em vez de comédia idiotas francesas, séries B americanas ou coisas como Dreamland- Sonhos e Ilusões, com uma Margot Robbie antes de Era Uma Vez em... Hollywood ou Passageiro Oculto, com Chloe Grace Moretz - não ouviu falar desses filmes? É normal, ninguém os anunciou e não se percebe porque chegaram às salas, enfim, percebe-se: apenas para ganharem prestígio de estreia para posteriormente serem produto premium nos canais temáticos de cinema e nos videoclubes das operadoras....Do cardápio dos filmes que nunca veremos em cinema e que em breve chegam às catacumbas do Home-Cinema, destaque para Stillwater, já com estreia marcada no VOD- Video on Demand dos clubes de vídeo virtuais. Trata-se de um dos filmes que era mais esperado do ano passado e que em Cannes teve direito a seleção oficial fora de competição. O regresso de Tom McCarthy após Spotlight, desta vez para contar uma história de um trolha americano que viaja até Marselha para tentar encontrar provas da inocência da sua filha, entretanto presa e acusada de um crime passional. Um pesadelo americano na Europa filmado com uma majestosa serenidade a evocar Clint Eastwood. Matt Damon é o pai obcecado pela filha neste retrato de um preconceito americano aos olhos da Europa. Trata-se de uma das grandes interpretações da sua carreira..Crime grande é também a rejeição em sala de The Souvenir- Part II, de Joanna Hogg, continuação de The Souvenir, da mesma realizadora, uma reflexão sobre os traumas do primeiro amor. Esta sequela acompanha a personagem da jovem cineasta a lidar com a perda e a tentar encontrar a sua voz no cinema. Não se pode dizer que seja transcendental mas não deixa de ser uma saga íntima filmada com uma verdade muito conturbada e escusado será dizer que se torna especial assistir a este embate ente Honor Swinton Byrne e a mãe, Tilda Swinton, também aqui mãe e filha..Também de Cannes não vamos ver Red Rocket, de Sean Baker, o relato de um regresso à terra de uma ex-vedeta do cinema porno com sonhos maiores do que a vida. Cinema de qualidade com um tema provocador e um humor humanista. Não é que viesse a ser um caso de popularidade, mas depois de The Florida Projet, é pena que o mercado português não saiba apostar em Sean Baker, um dos cineastas mais livres a fazer cinema em Hollywood..Por falar em cineastas em alta, também Justin Chon está em maus lençóis em Portugal. O seu Blue Bayou esteve para se estrear mas agora foi sentenciado como straight to video. Uma lástima para este drama sobre as políticas não integradoras dos EUA ou o drama de um homem sul-coreano nascido nos EUA em risco de ser deportado. Alicia Vinkander é a protagonista mas ninguém quis saber disso entre nós..T.J. Martin e Daniel Lindsay fizeram Tina, o documentário sobre Tina Turner que estreou na última Berlinale online, mas por razões de direitos, ninguém em Portugal ainda lhe pôs a vista em cima. Esta encomenda da própria Miss Hot Legs para fechar um ciclo e contar a sua versão da história do seu sucesso tinha tudo para encontrar muitos fãs da cantora por cá. O filme não tem muito cinema mas nunca abdica de uma postura emocional que convence..E custa a crer que um dos filmes do ano em Espanha, Maixabel, de Icíar Bolaín, também não tenha ninguém a quer apostar nas suas potencialidades. Trata-se de um dilacerante filme-choque sobre o perdão de uma mãe de uma vítima da ETA. Objeto para debate sobre fecharmos os nossos traumas, Maixabel é mais um recital do talento de Luís Tosar. Este seria daqueles casos que um lançamento cirúrgico poderia torná-lo num caso de pequeno sucesso de prestígio, tal como Emergency Declatation, de Han Jae-rim, thriller coreano sobre um potencial novo vírus a bordo de um avião. Quem sabe se este sucesso em Cannes na secção da Meia-Noite não poderia capitalizar o sucesso de Parasitas ou da série Squid Game? Vale a pena frisar que possui um fórmula de suspense que parece fresca mesmo quando segue à risca as regras do filme-catástrofe..Por fim, também de Cannes, não há sinais para um dos filmes mais falados, Rien à Foutre, de Julie Lecoustre e Emmanuel Marre, comédia pessimista sobre a precariedade de uma hospedeira de uma companhia aérea low-cost. Foi dos filmes mais aplaudidos no Fest, em Espinho....dnot@dn.pt