China e Ocidente em choque no combate às alterações climáticas

Plano europeu para criar um imposto de carbono a importações é contestado por Xi Jinping. Biden organiza cimeira sobre o clima, mas Pequim diz ter política própria.
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No mesmo dia em que recebeu a primeira dose da vacina da AstraZeneca, a chanceler alemã, 66 anos, terá vivido outra experiência inédita: uma oposição frontal demonstrada pelo líder chinês Xi Jinping à ideia de se criar na União Europeia um imposto na importação de produtos provenientes de países que não cumprem as metas para combater as alterações climáticas, o chamado imposto de carbono.

"O combate às alterações climáticas é uma responsabilidade partilhada e não deve tornar-se numa moeda de troca geopolítica ou ser utilizada para atacar outros países (ou impor) barreiras comerciais", disse Xi ao francês Emmanuel Macron e à alemã Angela Merkel durante uma cimeira virtual sobre o clima, de acordo com a estação chinesa CCTV.

O Parlamento Europeu aprovou em março uma resolução para criar um imposto de carbono na fronteira com o objetivo de impedir a "fuga de carbono", isto é, de as empresas a funcionar no espaço europeu saírem para mercados menos exigentes, e por outro lado estimular os países terceiros a adotarem medidas de redução de emissões de gases com efeito de estufa.

A resolução, que ainda vai fazer o seu caminho na Comissão Europeia, faz parte do pacto ecológico europeu, o projeto para se atingir a neutralidade de carbono até 2050 e cumprir os objetivos do Acordo de Paris sobre o Clima.

"Se houver um risco sério de fuga de carbono, se tomarmos as medidas para cumprir [o Acordo de Paris] e outros não o fizerem, e isso se traduzir numa desvantagem para as nossas indústrias, não hesitarei em introduzir um mecanismo de ajustamento de carbono nas fronteiras", disse no mês passado Frans Timmermans, vice-presidente executivo para o pacto ecológico da Comissão Europeia.

Se os países seguirem "na mesma direção, ainda que por caminhos diferentes", então "a razão para o mecanismo de ajustamento das fronteiras de carbono desaparece", acrescentou, numa conferência realizada pelo Financial Times.

Bruxelas disse que o mecanismo será concebido para visar as importações "cirurgicamente", podendo visar por exemplo o cimento produzido em Marrocos e na Turquia, ou o aço da China. Sendo certo que a resolução ressalva que a medida não tem como fim o protecionismo, essa poderá ser a consequência prática, o que explica a forma como o presidente chinês criticou a iniciativa em termos incomuns.

A China anunciou no ano passado planos para atingir o pico das emissões de carbono antes de 2030 e tornar-se neutra em termos de carbono até 2060. A transição de um pico de emissões de carbono para a neutralidade carbónica em três décadas será "uma dura batalha", disse Xi.

Até lá, porém, o maior poluidor do mundo continua a construir centrais a carvão dentro e fora das fronteiras. Em 2020, a capacidade energética dessas unidades foi elevada em 29,8 GW enquanto no resto do mundo caiu 17,2 GW. Além disso tem mais centrais em projeto ou em construção totalizando, segundo a Reuters, 247 GW, o equivalente ao abastecimento energético da Alemanha. E noutros países, segundo uma contagem realizada pelo especialista Edward Cunningham à NPR, Pequim está envolvido em 300 projetos de construção de centrais a carvão incluídas na estratégia Uma faixa, uma rota.

A China assumiu o vazio deixado pelos Estados Unidos de Donald Trump, quando este se retirou do Acordo de Paris, e autointitulou-se campeã na luta pelas alterações climáticas. Na conferência com a chanceler alemã e o presidente francês, Xi exortou os países desenvolvidos a "darem o exemplo na redução das emissões" e ajudarem os mais pobres a lidar com as consequências da crise climática, seja na partilha de tecnologia seja no financiamento de projetos verdes.

Os comentários do líder chinês surgem quando o enviado dos EUA para o clima, John Kerry, está em Xangai para conversações, naquela que é a primeira visita de um funcionário da nova administração dos EUA à China.

O ex-secretário de Estado de Obama quer convencer os chineses a subirem a fasquia relativa às metas sobre as medidas de combate às alterações climáticas. E nessa perspetiva convidou o presidente Xi Jinping a participar numa cimeira virtual organizada pelos Estados Unidos, a realizar na próxima quinta e sexta-feira, e que envolve dezenas de líderes de países responsáveis por 80% das emissões mundiais.

A China e os EUA contribuem com mais de metade dessas emissões, pelo que, reconhece Kerry, é essencial "ter a China à mesa para sermos capazes de resolver este desafio". Os dois países multiplicam focos de tensão, mas este tema está noutra dimensão. "A questão climática é uma questão independente. Não é para negociar em relação às outras divergências fundamentais que temos com a China neste momento", disse Kerry em entrevista ao Wall Street Journal. "O clima é sobre a sobrevivência do planeta."

O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Le Yucheng, em entrevista à AP, pôs água na fervura. Lamentou a "abordagem demasiado negativa" dos EUA em relação à China, disse que o seu país tem uma política própria de combate às alterações climáticas e que anunciar novas metas "não é realista", deixando ainda em aberto a participação de Xi.

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