"China ainda mantém estratégia de eliminação do vírus, mas vai ter de mudar rapidamente"

Desde o final de março que a cidade mais populosa da China, Xangai, está em confinamento e com medidas muito restritivas. O pneumologista Filipe Froes explica que esta é a estratégia da China, mas, também, porque ainda não tem muita população vacinada
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A China atravessa agora o pior surto de covid-19, devido à variante Ómicron, apesar de o SARS-CoV-2 ter iniciado o seu percurso a nível mundial na província de Wuhan, em dezembro de 2019. O epicentro deste último surto teve início na cidade mais populosa do país, Xangai, no final de março, e para a qual foi decretado um confinamento setorial, inicialmente por cinco dias, para se fazer a despistagem à população, quase 25 milhões de pessoas, mas que se mantém até hoje. Aliás, o vírus já se espalhou por outras cidades e a China mantém a estratégia apertada de "eliminação do vírus", numa tentativa de alcançar "zero casos".

Segundo explica ao DN o pneumologista e ex-coordenador do Gabinete de Crise para a covid-19 da Ordem dos Médicos, Filipe Froes, "é uma estratégia de "eliminação do vírus", a qual, ao fim de dois anos de pandemia, já não faz sentido e que penso que a China terá de rever rapidamente", até pelas consequências que esta pode vir a ter a nível económico.

Esta estratégia de "eliminação do vírus" foi a que o resto do mundo seguiu no início da pandemia. Portugal, por exemplo, passou por dois confinamentos gerais, mas, neste momento, e já com a proteção vacinal, não faz sentido. O mundo ocidental, sobretudo Europa e Estados Unidos da América, já a abandonaram, passando a adotar medidas que visam uma estratégia de "mitigação do vírus", de "coabitação" do vírus, e através da qual tentam dar uma vivência o mais normal possível à sociedade.

Mas o que leva a China a seguir ainda uma estratégia de "eliminação do vírus" ou de "zero casos"? Filipe Froes sustenta que tal se deve à "conjugação de vários fatores", que vão desde "fatores científicos a ideológicos".

Destaquedestaque563 000. Este é o número de total de infetados com covid-19 declarados pela China, desde o início da pandemia, que constam da paltaforma Our World In Data. Quanto a óbitods estão declarados 4638.

"A China desenvolveu uma estratégia de vacinação muito diferente da de outros países, nomeadamente da dos europeus. Enquanto na Europa, se assistiu a uma grande campanha de vacinação, com prioridade para os grupos de população acima dos 65 anos e com mais comorbilidades, na China a mensagem passada foi a de que as pessoas com mais idade e com mais doenças crónicas não beneficiavam tanto da vacina. E isso enfraqueceu a resposta da população em relação a única arma científica contra a doença".

O pneumologista destaca ainda que este tipo de mensagem criou "desconfiança na população em relação às vacinas". Mas a agravar esta desconfiança, há ainda um outro fator: "A politização do conhecimento". "Há muitos sectores da China que acreditam e defendem que as vacinas são mais um meio de o Governo controlar as pessoas - isto tem acontecido em Hong-Kong, por exemplo, e tem agravado a adesão das pessoas à vacinação. Esta conjugação de fatores científicos com fatores ideológicos atrasou o processo de proteção vacinal na China, que ainda tem uma boa parte da população que não está vacinada. E as autoridades têm considerado que tal não lhes permite mudar de estratégia", mas penso que "a China vai ter de se adaptar rapidamente à nova realidade do vírus e adotar uma estratégia mais global. Não de eliminação, mas de coabitação do vírus".

No entanto, especifica, "em primeiro lugar vão ter de esclarecer todo o problema que existe em relação à segurança das vacinas, para aumentarem a taxa de vacinação na população mais frágil, e em relação à desconfiança do ponto de vista ideológico". Uma questão que não é única da realidade chinesa, "aconteceu em outros países, nomeadamente na Europa do Leste, em que a população desconfia dos governos e acredita que as vacinas são um instrumento político para as controlar".

Destaquedestaque3,2 mil milhões. Este é o número de doses de vacinas administradas na China contra a covid-19, tendo em conta que a sua população total é de mais de 1,4 mil milhões de pessoas, e que este número represemta várias doses na mesma pessoa, o número de pessoas proteção vacinal completa é mais reduzido.

De acordo com os dados registados pela China, a plataforma Our World In Data, que acompanha a evolução da pandemia, indica que aquele país contabiliza agora 563 mil casos de infeções por covid-19, desde o início da pandemia e mais de quatro mil óbitos. Neste momento, só na cidade de Xangai, há 25 milhões de pessoas em confinamento e com medidas muito restritivas, como a separação total de infetados em locais adequados do resto da população, o que já levou à separação entre famílias, até de filhos e pais. Os protestos da população já começaram. E há empresas com falta de material para poder funcionar. Na sexta-feira, a maior empresa se produção de iPhones para a Apple, propriedade da Foxconn Technology, deu conta disso mesmo.

Além de Xangai, o vírus já atingiu também a cidade industrial de Shenyang, nordeste, capital da província de Liaoning, que faz fronteira com a cidade de Jilin. No mundo, a covid-19 já fez mais de 500 milhões de infetados e mais de seis milhões de mortes.

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