Chefe do Exército demite-se: "Circunstâncias políticas assim o exigiram"
O chefe de Estado Maior do Exército apresentou esta quarta-feira a demissão do cargo ao Presidente da República, informou o general Rovisco Duarte numa mensagem a que o DN teve acesso.
"A todos vós, e unicamente a vós, devo uma explicação: as circunstâncias políticas assim o exigiram", refere Rovisco Duarte depois de iniciar a mensagem enviada aos subordinados e publicada na rede interna do Exército.
"Apresentei hoje a Sua Excelência o Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas a minha carta de resignação ao cargo de Chefe do Estado-Maior do Exército, depois de dois anos e seis meses à frente do Exército", escreve Rovisco Duarte.
"Quando assumi funções, estabeleci uma linha de ação para o meu comando que assentava sobre uma visão de modernidade, qualidade e equilíbrio entre os diferentes subsistemas que compõem o Exército. Sabia que iria ser uma campanha dura", acrescenta o general.
Na mensagem, Rovisco Duarte não faz referências aos casos polémicos do seu mandato e enaltece o prestígio, a educação, o sentido de disciplina, os conhecimentos profissionais, a seriedade e competência dos militares do Exército.
"Por isso, devo dizer que fiz sentir permanentemente, nos diferentes níveis institucionais e circunstâncias, a necessidade de ser dada satisfação aos seus anseios pessoais, profissionais e familiares. O culminar de toda esta preocupação, visando a criação de um Exército mais moderno e mais eficiente, ficou bem evidenciado, designadamente, nos recentes trabalhos de revisão da Lei de Programação Militar e nos diplomas legais relativos ao regime de incentivos e ao de contrato especial", os últimos recém-aprovados pelo Governo.
"Porque a sociedade é muito dinâmica, as necessidades de cada ser são muito reais e os equilíbrios institucionais entre os ramos são necessários e prementes, deixo um sinal de alerta, mas também de esperança, pelo muito que há ainda por fazer", diz ainda o ex-CEME.
A decisão de Rovisco Duarte terá sido comunicada terça-feira ao novo ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, durante o seu primeiro encontro com o novo governante e a quem terá colocado o cargo à disposição.
Rovisco Duarte sai precisamente a uma semana das comemorações do Dia do Exército, no próximo dia 24 em Guimarães.
"É bom para o clima de cultura de responsabilização do Exército", comentou ao DN uma alta patente do ramo
"As coisas podem ser tratadas de forma diferente" a partir de agora, adiantou a mesma fonte, enfatizando a importância de saber o que aconteceu em Tancos para perceber se houve militares envolvidos.
A saída de Rovisco Duarte "significa uma renovação" para o Exército, observou ao DN o coronel de infantaria Nuno Pereira da Silva.
Este oficial, na reserva, adiantou não acreditar que o vice-CEME, tenente-general Fernando Serafino, seja escolhido como sucessor de Rovisco Duarte porque o seu nome "veio à colação" nas escutas ao processo de Tancos.
"Como se costuma dizer, morreu o rei, viva o rei", concluiu Pereira da Silva.
Depois de Fernando Serafino, o tenente-general Cóias Ferreira - de artilharia - é o mais antigo de todos os generais com três estrelas e foi diretor do Colégio Militar.
Os outros dois nomes são de infantaria: Guerra Pereira é o comandante operacional e Fonseca e Sousa o comandante de pessoal.
No entanto, há outros dois generais do Exército que estão colocados na GNR e podem ser escolhidos.
De acordo com a página digital da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa enviou a carta de demissão do CEME ao Governo, a quem "compete, nos termos constitucionais e da Lei orgânica das Forças Armadas, propor ao Presidente da República a exoneração de chefias militares, ouvido o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas".
A saída de Rovisco Duarte do cargo surge dois dias após a tomada de posse de João Gomes Cravinho como ministro da Defesa e coloca ponto final a um período de grande contestação devido ao caso de roubo de armas de Tancos e à forma como foi gerido o processo, incluindo a forma como as armas foram encontradas.
Segundo soube o DN, o agora ex-CEME reuniu esta quarta-feira o Conselho Superior do ramo - onde têm assento os tenentes-generais do Exército - para dizer que iria pedir a demissão.
Depois já não participou no Conselho de Chefes de Estado-Maior (CCEM) - órgão presidido pelo Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas e que inclui os chefes de Estado-Maior da Armada, Exército e Força Aérea.
Rovisco Duarte estava a ser bastante contestado pela forma como geriu a questão do roubo de de armas em Tancos - e já antes por causa da forma como lidou com os instrutores acusados da morte de dois recurtas -, tendo o CDS-PP pedido a sua demissão.
Esta quarta-feira, o presidente do PS, Carlos César, disse no programa da TSF "Almoços Grátis" que a demissão do ministro da Defesa Azeredo Lopes e a nomeação de João Gomes Cravinho também deveria ter "consequências do ponto de vista das Forças Armadas, em particular do Exército".
A contestação a Rovisco Duarte cresceu na sequência do furto - descoberto a 28 de junho do ano passado - de material de guerra nas instalações do Exército em Tancos.
Só no dia seguinte o CEME publicou um comunicado onde se lia que tinha sido "detetada, ontem, ao final do dia, a violação dos perímetros de segurança dos Paióis".
A 1 de julho, Rovisco Duarte anunciou a exoneração "temporária" - figura jurídica inexistente - dos cinco comandantes das unidades responsáveis pela segurança ds paióis, a fim de evitar "entraves às averiguações" sobre o furto que, admitiu em entrevista à SIC a 2 de julho, poderia ter sido feito com "informação do interior".
Depois de várias declarações e processos disciplinares a quatro militares, Azeredo Lopes admitiu numa entrevista ao DN e à TSF que "no limite, pode não ter havido furto nenhum. Como não temos prova visual nem testemunhal, nem confissão, por absurdo podemos admitir que o material já não existisse e que tivesse sido anunciado e isto não pode acontecer".
A 18 de outubro do ano passado, o material foi encontrado na Chamusca pela PJ Militar (PJM) numa operação conjunta com a GNR que originou a abertura de outro processo que já culminou na detenção de vários cinco elementos da PJM e três da Guarda por terem simulado o caso e agido de forma ilegal.
A partir acentuaram-se as notícias sobre a existência de um conflito entre a PJM e a PJ sobre a investigação do caso.
Rovisco Duarte protagonizou outro caso quando anunciou que, entre o material recuperado, existia uma caixa de petardos que não constava na primeira lista de material roubado - e outro quando afirmou, perante os deputados, que não sabia o que estava a fazer no Parlamento.