Caso de Reguengos expõe guerra entre o setor social e a saúde

A tensão já era latente mas o caso de Reguengos trouxe tudo à superfície. Os lares são tutelados pela Segurança Social mas os problemas são de saúde. O confronto entre os dois setores agora é aberto.
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Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias de Portugal (UMP), não podia ter sido mais claro, numa declaração feita na quinta-feira à Lusa: "Cada macaco no seu galho." Ou, dito de outra forma: a Ordem dos Médicos foi ao lar de Reguengos fazer uma auditoria à morte de 18 pessoas vítimas de covid - mas não o podia ter feito.

"Não faz sentido que uma instituição qualquer - ainda que seja a Ordem dos Médicos, que não é uma instituição qualquer - vá para dentro de um lar, onde não é obrigatório ter médicos, fazer uma auditoria", disse o responsável da UMP, uma instituição fortemente ligada à Igreja Católica.

Ou, dito de outra forma: não é pela Ordem ter feito um relatório que ele "deve ser tomado como bom", sublinhando as críticas à autora do documento e as dúvidas levantadas pelo presidente da ARS Alentejo sobre a metodologia usada.

Insistindo na falta de legitimidade da Ordem dos Médicos para fazer uma auditoria a um lar, Lemos reiterou: "Quem é que pode fazer auditoria nos lares? Só a tutela. Isto é uma coisa de motu proprio. Estamos todos a entrar num delírio que é total e absoluto", disse.

A Ordem dos Médicos denunciou "as precárias condições do lar" e a insuficiência de recursos humanos, alegando ainda que "a definição de circuitos de limpos e sujos foi feita apenas nove dias após o primeiro caso confirmado", que "o rastreio demorou cerca de três dias" e que "a decisão de transferir todos os infetados para um 'alojamento sanitário' no pavilhão só ocorreu mais de duas semanas depois do início do surto", quando já existiam oito mortos e 138 casos.

No seu entender, no caso específico do lar de Reguengos - pertencente a uma fundação que é dirigida pelo presidente da Câmara de Reguengos, o socialista José Calixto -, os problemas clínicos apontados ao acompanhamento dos utentes resultaram da ausência de visitas de médicos ao lar, e isso, por sua vez, seria uma responsabilidade dos centros de saúde da zona, ou seja, do SNS.

Manuel Lemos fez ainda questão de, nestas declarações, elogiar fortemente o trabalho da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, que no sábado se colocou no centro de uma tempestade política por causa de declarações que fez ao Expresso a propósito dos acontecimentos de Monsaraz (ver notícia em cima).

Ana Mendes Godinho "impecável"

"A senhora ministra tem sido competente, tem sido esforçada, tem sido atenta aos problemas das instituições. Uns consegue resolver, outros não consegue resolver. Estamos perante uma pandemia, a navegar à vista", disse o dirigente máximo da UMP.

Sobre os lares das Misericórdias, onde já se registaram 148 óbitos por covid-19 (dados até à tarde de segunda-feira) e continuam a registar-se casos de infeção, "mas sem expressão significativa", Manuel Lemos sublinhou ainda a importância para as instituições da medida implementada no contexto da pandemia que permitiu a colocação de desempregados e trabalhadores em lay-off nos lares, suprindo necessidades de pessoal. E isso - acrescentou - foi "mais uma coisa em que a ministra tem sido impecável".

Nesta quarta-feira, numa cerimónia no Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, para lançar a fase 3 do programa PARES (Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais), o primeiro-ministro sugeriu que muitos dos desempregados do turismo passem a trabalhar para o setor social.

Reaproveitar desempregados do turismo

"Muitos dos milhares de pessoas que neste momento estão a perder o emprego no setor do turismo são pessoas que já têm uma formação de base, são pessoas que já têm uma experiência de cuidado pessoal, que são um recurso fundamental e com formação para poderem ser facilmente reconvertidas para continuarem a trabalhar com pessoas, agora nas instituições em que estão associadas nas IPSS, nas mutualidades, nas misericórdias ou nas cooperativas", afirmou.

Na cerimónia, Ana Mendes Godinho anunciou que o PARES, agora com mais 110 milhões de euros, vai servir para contratar mais 15 mil trabalhadores até ao final do ano. Até agora, segundo disse, o programa já colocou 6200 desempregados, trabalhadores em lay-off e outras pessoas elegíveis a desempenhar trabalho social, abrangendo mais de mil instituições.

Segundo a ministra, o objetivo do governo passa por "ir mais longe", pelo que vai ser alargado o número de pessoas abrangidas pelo programa, "para reforço das instituições de modo a poderem preventivamente ter mais pessoas já a trabalhar", tendo por objetivo "colocar até ao final do ano 15 mil pessoas em instituições do setor social de modo a responder às situações da pandemia e incluindo também a vertente da formação".

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