Carlos Alexandre está arrependido. Arrependido de contra ventos e tempestades ter defendido a mudança do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) do Campus de Justiça para as instalações da antiga sede da Polícia Judiciária (PJ), na Gomes Freire, em Lisboa, onde está atualmente localizado..Esta posição valeu-lhe na altura (2016) um tenso conflito com Ivo Rosa, recém-chegado ao Ticão - que se opunha à mudança. Mas Carlos Alexandre acabou por levar a melhor e na Páscoa desse ano o TCIC mudava-se de armas e bagagens para a Judiciária..Três anos passados, o "superjuiz" sente-se "desconfortável" por estar "dentro deste edifício policial" e até se desculpa a Ivo Rosa por ter sido impetuoso na sua vontade..Numa carta dirigida à desembargadora Amélia Almeida, presidente da Comarca de Lisboa, relata o mea culpa perante o juiz responsável pela instrução da Operação Marquês, que teve lugar durante a vista de um dos candidatos às eleições para a vice-presidência do Conselho Superior da Magistratura (que decorreram na semana passada com a vitória de Sousa Lameira, contra o atual "vice" Mário Morgado)..Nesse encontro a 22 de março, recorda nesse ofício de 4 de abril último, "foi abordada a questão dos acessos às instalações do TCIC, situação aliás motivada pela dificuldade sentida pelos próprios magistrados visitantes em aqui aceder, o que motivou uma breve exposição do signatário sobre o histórico de estarmos aqui e adiantou mea culpa perante o colega, o Dr. Ivo Rosa, de ter sido entusiasta desta solução e manifestando, aos presentes, que se encontra bastante desconfortável em continuar o TCIC instalado dentro deste edifício policial"..O "desconfortável" controlo "a cada passo".Carlos Alexandre elenca nesta carta os principais motivos para o seu desconforto com as instalações "que na altura se perspetivaram como provisoriamente adequadas": "Logo após o seu início de permanência verificaram-se vicissitudes diversas, que começaram logo pelo controlo de entrada dos funcionários que aqui prestam funções, depois pela triagem mediante horário dos serviços da própria PJ das pessoas que pretendem aceder aos serviços do TCIC para aí acederem a diligências ou entregarem papéis na secretaria, situações que foram sendo ultrapassadas pelo diálogo, quer com o Conselho de Gestão da Comarca quer com a intervenção da Direção da PJ de então.".O juiz revela que, "atento aos constrangimentos do horário do portão de acesso ao público, chegou a esperar, com os demais utentes, pela hora de abertura desse portão, de acordo com os horários em vigor e a requisitos técnicos exigidos pela segurança da PJ"..Mais ainda, "nessa época, em 2017, chegou a identificar-se com o cartão profissional, na referida portaria e sempre que entrava a pé para se dirigir ao seu gabinete", de modo "a facultar à segurança da PJ todos os elementos de que esta carecesse para controlar, a cada passo, que está no edifício sob a sua responsabilidade e a que título"..Mais recentemente, Carlos Alexandre afirma que começou "a entrar pedindo licença com educação, junto da portaria, quando o fazia e faz pela porta pedonal a horas de expediente". Também o carro em que é transportado tem de ser "controlado" pelos seguranças antes de entrar para o estacionamento..Avarias "frequentes" no elevador."Apesar de algumas vicissitudes e delongas (...) por virtude de necessidade de dupla identificação e passagem pelos pórticos de metais na receção do edifício antigo da PJ e, posteriormente, também junto dos agentes da PSP destacados para este tribunal, juízes e funcionários em serviço procuram ir obviando a essas dificuldades e constrangimentos e outras correlacionadas com dificuldades de acesso ao 4.º piso, para transporte de processos, por frequentes avarias do elevador respetivo, incomodidade própria ou alheia, atravessamentos em outros pisos da Diretoria de Lisboa, para utilização de outro elevador que permitisse aceder ao 3.º andar, o mais próximo possível do TCIC, para além de outras situações que seria fastidiosa elencar", descreve Carlos Alexandre na longa exposição de cinco páginas..Assinalando que o TCIC "tem vindo a tramitar alguns processos, com impacto a diversos níveis da sociedade portuguesa e que atraem a curiosidade mediática e, por via dela, a curiosidade do público em geral", o magistrado salienta que, recentemente, foi preciso instalar a juíza Ana Peres (responsável pela instrução do e-Toupeira) na sala destinada aos advogados e ao público..Falando apenas dos processos que lhe estão distribuídos, Carlos Alexandre acha que "a situação não tende a melhorar em termos de carência de espaço e aumento do número de intervenientes processuais e frequência de deslocações às instalações do TCIC, antes pelo contrário"..Direção da PJ surpreendida.Amélia Almeida ficou a saber que o juiz teve uma "conversa informal" com o atual diretor nacional da PJ, Luís Neves, no passado dia 7 de fevereiro, "no sentido de lhe fazer presente tais dificuldades, de logística e de acessos", e que este lhe disse que até iria precisar "a breve trecho" das seis salas que tinha disponibilizado no piso 0 "para instalação de serviços próprios" da Judiciária..Carlos Alexandre ordenou logo que as ditas salas fossem esvaziadas dos processos ali guardados e "armazenou todos os documentos e papéis que lhe diziam respeito na sala de diligências que ainda lhe está disponibilizada, dispondo-se, no futuro, a esgotar a capacidade dessa sala bem como do gabinete de trabalho"..Nessa conversa com o chefe máximo da PJ partilhou que "via e vê com muito bom agrado que o Tribunal seja, de novo, transferido para outro local, que as autoridades administrativas e de gestão entendam adequado, mas que não seja parte de nenhum edifício policial"..O juiz sublinha que "perante todo este circunspecto, embora tardiamente, é certo, reconhece que quando foi um entusiasta desta solução alternativa, se enganou, porque a mesma, pelos fatores que se depreendem pelo exposto, não serve em termos de autonomia e diferenciação de 'papéis' (...) as finalidades para que foi disponibilizada"..Questionada pelo DN sobre este sentimento de Carlos Alexandre, fonte oficial da direção nacional mostra-se surpreendida. "Nenhuma das questões referidas foi alguma colocada à direção da PJ. Não há nenhuma intenção ou plano para o TCIC sair das instalações onde se encontra atualmente. Enquanto o tribunal aqui estiver serão criadas todas as condições de dignidade e funcionalidade necessárias, estando até equacionada a possibilidade de alargamento do espaço ", sublinha a PJ.CSM não "vislumbra necessidade".Carlos Alexandre reconhece ter dificuldade em "consensualizar" uma posição comum sobre a matéria, com os dois colegas, Ivo Rosa e Ana Peres, sublinhando que o texto enviado é mesmo "a título individual", insistindo que "se encontra desconfortável com a permanência do Tribunal neste edifício, não por razões de idiossincrasia pessoal mas por razões de eficácia e de operacionalidade do TCIC"..Sugere o Tribunal de Monsanto para instalar o Ticão, local "onde já foram realizados vários debates instrutórios, ao longo destes14 anos e que se encontra, ao que se crê, devoluto"..Contactado pelo DN para confirmar as suas preocupações, Carlos Alexandre remeteu para o Conselho Superior de Magistratura (CSM). "O expediente atinente foi remetido à Exmª Desembargadora Presidente da Comarca que me informou tê-lo remetido ao CSM. Só essa entidade poderá prestar esclarecimentos", afiançou em resposta escrita..Questionada pelo DN, a Juiz Presidente Amélia Almeida confirmou o expediente: "informei o CSM da posição do Exmo. Senhor Juiz, Dr. Carlos Alexandre, o qual, por notificação, informou que 'não se vislumbra necessidade de neste momento ter o CSM qualquer intervenção".