De chupeta na boca e medalha ao peito! Fernando Pimenta já tinha a melhor medalha que a vida lhe podia dar - segundo ele, a filha, Margarida -, mas o bronze conquistado em K1 1000 nos Jogos Olímpicos dá mais brilho a uma carreira sem igual..O canoísta de Ponte de Lima entrou ontem para o restrito grupo de cinco atletas com mais de um pódio olímpico (foi prata em Londres 2012) e regressa a casa com o 105.º metal da carreira. É a terceira medalha de Portugal em Tóquio 2020, depois da prata de Patrícia Mamona e do bronze de Jorge Fonseca..Quando foi chamado para receber o bronze, Pimenta ajoelhou-se e beijou o pódio. De seguida, tirou do bolso uma chupeta, que colocou na boca, partilhando assim a alegria do pódio com a da paternidade. Antes de colocar a medalha ao peito, beijou-a e mostrou-a a todos os presentes no Sea Forest Waterways..Um ritual que tem uma explicação. "Beijei o pódio porque foi o pódio que me fugiu em 2016. Este beijar do pódio é para aqueles que não acreditavam, que esperavam que o Pimenta chegasse ao momento certo e falhasse o pódio. A seguir ao Rio 2016 (foi quinto), foi um período terrível, desliguei um mês e meio de tudo, depois tinha um monstro dentro da cabeça que me fazia acordar durante a noite, mas tive sempre as pessoas certas com aquela palavra que era preciso", desabafou o "superatleta", como lhe chamam..Palavras que servem para dizer que "não há ninguém que queira mais ganhar" do que ele. Prova disso "é o sacrifício de estar longe da família, quase não ter vida social e ter privações alimentares". E também por isso "uma medalha é importante em termos anímicos"..Fernando Pimenta juntou assim o bronze em K1 1000 m em Tóquio 2020 à prata de Londres 2012, então ao lado de Emanuel Silva. Diz que cumpriu "um dos sonhos", mas "faltou o outro, o de ser campeão olímpico". Talvez em Paris 2024? "Acredito que é possível e continuo a querer ser campeão olímpico. Ter as três cores de medalhas. E vou estar cá para lutar por esse sonho e objetivo, conquistar mais êxitos para Portugal", disse o canoísta do Benfica, apontando aos próximos Jogos, quando terá 35 anos: "A idade é um posto, não é um peso. Espero nos próximos Jogos continuar a lutar por pódios. Se calhar, posso dar também um contributo ao K2 500 ou K4 500.".E depois de agradecer ao treinador (Hélio Lucas) e felicitar "os dois húngaros que foram mais fortes", o atleta português mostrou-se feliz pela conquista e por ter sido o mais regular em todos os Mundiais e Europeus ao longo de todo o ciclo olímpico. Não esqueceu o amigo Tiago Brandão Rodrigues, o ministro da Educação com a pasta do Desporto: "Em 2012, quando conquistei a medalha com o Emanuel Silva, chorou a regata toda, e foi das poucas pessoas que em 2016 me ligaram a dar força. Além de ministro de Educação, é um grande amigo, e em 2016 disse que acreditava que em Tóquio ia conseguir. Gostava de estar cá hoje, mas de certeza que vibrou durante a regata toda.".O mais recente medalhado olímpico de Portugal regressa hoje, mas desengane-se quem está à espera do merecido descanso do guerreiro de Ponte de Lima. "A época ainda não acabou. Há um Campeonato do Mundo por disputar no terceiro fim de semana de setembro e há lá pódios pelos quais quero lutar", avisou o canoísta, referindo-se ao K1 1000 e K1 5000..A consagração olímpica em K1 1000, distância em que foi campeão do Mundo em 2018 e Europeu em 2016, 2017 e 2018, era desejada há muito pelo limiano. Ele tinha avisado de que estava em grande forma, assumindo querer um pódio, e não desiludiu..Ontem, no Sea Forest Waterways, duas horas depois de ter feito o melhor registo olímpico de sempre na distância, Pimenta foi terceiro classificado na regata das medalhas, com o tempo de 3.22,478 minutos, apenas atrás dos húngaros Balint Kopasz, que o desalojou como recordista olímpico, com 3.20,643, e Adam Varga (3.22,431)..Podia ter sido melhor? Podia, mas apanhou algas - praga que chegou a colocar a prova em causa antes de os Jogos começarem - e isso dificultou a missão. Serve ainda de consolo ao português o facto de nenhum dos favoritos ter feito melhor do que ele numa prova com um pódio improvável, com dois jovens húngaros, de 24 e 21 anos, no topo..ENTREVISTA FERNANDO PIMENTA: "Os calos nas mãos são as minhas medalhas invisíveis".Com um misto de talento e disciplina, Fernando Pimenta foi-se tornando no mais medalhado de sempre da canoagem portuguesa e talvez o mais galardoado de sempre do desporto português. Não há registo de um atleta sequer ter chegado perto das 105 medalhas internacionais do atleta do Benfica..E tudo começou como brincadeira, numas férias de verão em 2001. Ele andava na natação desde os quatro anos, mas aborrecia-se com os treinos e a repetição dos movimentos e aos 12 fixou-se na canoagem - decisão mais do que acertada - depois de uma experiência inesquecível durante umas férias desportivas.."Tinha 11 anos e inscrevi-me num clube em Ponte de Lima e tive o meu primeiro contacto com um caiaque. Foram dois meses espetaculares. Diverti-me e passei a ocupar o meu tempo livre com a canoagem e nunca mais quis largar a pagaia e o caiaque. Fui começando a crescer aos poucos e fui conseguindo alguns resultados...", disse em entrevista ao DN, depois de se sagrar campeão mundial em 2018..Foi também nessa altura que confessou ter as mãos cheias de calos - "são as minhas medalhas invisíveis" - e revelou o segredo da boa forma: não comer doces, fritos ou fast food, muito treino, muito descanso, e alguns "não" a amigos e familiares..Tudo em nome da canoagem e da bandeira nacional..Ao juntar o bronze em K1 1000 m, em Tóquio 2020, à prata em Londres 2012, ao lado de Emanuel Silva, Pimenta entrou no restrito grupo dos atletas portugueses com mais do que uma medalha olímpica (ver ao lado). Dois pódios olímpicos é uma honra de apenas quatro atletas, para além dele: Mena da Silva (bronze em Berlim 1936 e Londres 1948), Carlos Lopes (prata em Montreal 1976 e ouro em Los Angeles 1984), Rosa Mota (bronze em Los Angeles 1984 e ouro em Seul 1988) e Fernanda Ribeiro (ouro em Atalanta 1996 e bronze em Sidney 2000)..O presidente da Federação Portuguesa de Canoagem, Vítor Félix, tem a "certeza" de que o canoísta vai entrar para a história do desporto português como o primeiro a vencer três medalhas em Jogos Olímpicos. E o treinador, Hélio Lucas, mete fé no ouro em Paris 2024: "Há poucos desportistas em Portugal a conseguir tudo o que ele tem feito. Tem um nível e consistência como poucos. E a sua insatisfação pelo bronze mostra somente de que raça é feito, até onde vai o tamanho da sua ambição.".O bronze de Pimenta junta-se à prata de Patrícia Mamona e ao bronze de Jorge Fonseca. As três medalhas conquistadas por Portugal em Tóquio 2020 igualam a melhor participação portuguesa. Nunca Portugal conquistou mais de três pódios numa só edição e só conseguiu três por duas vezes (Los Angeles 1984 e Atenas 2004)..isaura.almeida@dn.pt