Vitor Pereira, chefe da PSP infetado com a covid-19: "O mundo vira-se do avesso"

Vítor Pereira, 49 anos, vice-presidente do Sindicato Vertical de Carreiras da Polícia e chefe da esquadra de investigação criminal de Vila Real está infetado com o coronavírus. Ao DN explicou como deu a notícia às duas filhas menores
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Vítor Pereira, 49 anos, chefe da esquadra de investigação criminal de Vila Real, está infetado com a covid-19. "Fui o primeiro e, até agora, único policia deste comando a testar positivo", confirmou-nos o próprio, que é também vice-presidente do Sindicato Vertical de Carreiras da Polícia.

A PSP, que tem estado a acelerar os testes ao efetivo que está no terreno, registava até esta quarta-feira, um total de 80 polícias infetados e cerca de 300 de quarentena.

"O mundo vira-se do avesso, cai-nos tudo aos pés", afirma Vítor Pereira, do outro lado da linha telefónica, com um indisfarçável embargo na voz. Não sabe onde ou quando foi infetado. Se foi em trabalho ou fora dele. Soube que ele e a mulher tinham a covid-19 quase ao mesmo tempo. "Quem contagiou quem não sabemos", declara.

Começou dia 23 de março "com uma pequena tosse, espirros ocasionais" depois de uma caminhada em que apanhou "um pouco de frio". Nada "que não parecesse uma normalíssima constipação". Ainda se voluntariou e participou na operação de evacuação do idosos em Vila Real.

"Vesti a farda e fui ajudar, mas nessa sexta-feira comecei a senti umas dores musculares na zona da omoplata. Ainda assim, nem me passou pela cabeça que podia estar infetado, nunca tive febre", recorda. Só quando a mulher testou positivo é que caiu em si. Informou logo o serviço e todos os 12 camaradas da esquadra ficaram de quarentena.

Assinala que está no 13.º dia, desde que fez o teste no passado dia 27 de março e que irá realizar novo teste. "Não sinto nada, nenhum sintoma", assegura. Tratamento? "Só com ben-u-ron, por indicação da nossa médica de família, quando as dores no corpo apertavam mais. Felizmente nunca tivemos febre, nem complicações respiratórias".

A dor de não poder mimar as filhas

Vítor Pereira garante que os últimos dias marcarão a sua família para sempre. "Não só por saber que estava doente, ou pelos dias piores, quase insuportáveis, mas principalmente porque nos tivemos de separar das nossas filhas, uma de oito, outra de 14 anos, na nossa própria casa. É uma dor muito grande não as poder abraçar, beijar, andarmos pela casa afastados, comermos separados, ter talheres, loiças, roupas, tudo separado. Não se pode partilhar nada", descreve o chefe da PSP.

As meninas estão assintomáticas e as autoridades de saúde entenderam que não era necessário fazer o teste.

Comunicaram às filhas que estavam infetados "sem rodeios e sem mentiras", sublinha Vítor Pereira. A mais velha ficou "com um ar espantado, como se não acreditasse", a mais nova ficou "com um ar muito assustado". As meninas já estavam em casa, com aulas através da internet, e sabiam que o pai também já cumpria no trabalho as medidas de desinfeção e prevenção exigidas. Mas agora era a sua própria casa que estava no centro do furacão.

"Uma coisa é o que se vê e ouve nas televisões, outra é quando entra na nossa casa. Dissemos-lhes que íamos alterar um pouco o funcionamento familiar, que teríamos de nos separar, ter vidas separadas, que os pais iam andar sempre de máscara. Acabaram por se habituar e até começaram a brincar um pouco com a situação: 'Cheguem-se para lá ó coronas', diziam-nos quando nos viam ao fundo do corredor".

Cada dia foi meticulosamente registado na cabeça deste chefe da PSP, habituado a olhar criteriosamente para os cenários de crime. "Conto os dias um a um. Tive altos e baixos. Os piores dias foram entre o 7.º e o 10.º. Os sintomas disparam de repente, como muita força, e depois começam a esbater-se. Perdi o olfato e o paladar totalmente, tive muitas dores musculares e cansaço. Vivemos numa moradia de um piso e subir o pequeno lanço de escadas era como correr uma prova de 100 m velocidade. Ficava ofegante", lembra este polícia de investigação criminal.

O valioso apoio da PSP

Mais que os sintomas físicos, Vítor Pereira assinala que "a pressão psicológica é muito grande, porque não se sabe o que pode acontecer, se vai correr bem ou mal, se temos de ir para o hospital".

Elogia o apoio que tem tido, quer do comando de Vila Real, de onde "todos os dias" os colegas lhe telefonam "a perguntar se precisa de alguma coisa", quer da parte da direção nacional, através do Gabinete de Psicologia. "Tem sido muito importante este apoio das consultas de psicologia, isto às vezes deita-nos muito abaixo", assevera.

Destaca ainda "todo o acompanhamento que tem sido feito pelas autoridades de saúde locais, da parte da Unidade de Saúde Familiar", que todos os dias contactam a família. "Cinco estrelas", afirma.

Como se luta contra toda essa pressão física e psicológica? "Penso que tenho de ser forte mesmo, não há outro caminho, tenho duas filhas para criar".

Como dirigente sindical, Vítor Pereira está também preocupado com os colegas que andam na rua. "É verdade que a direção nacional difundiu várias medidas preventivas de segurança, tem dado bastante informação. Mesmo antes de ser declarado o estado de emergência, já desinfetávamos os gabinetes de alto a baixo, borrifávamos tudo, viaturas incluídas, mas toda esta situação cria nos agentes uma grande ansiedade, pela incerteza e desconhecimento do que pode acontecer. É muito importante que os agentes sejam sempre acompanhados por graduados para, num momento decisivo, estarem apoiados".

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