Bruxelas decreta novas sanções mas evita rutura com Moscovo

As sanções deverão atingir altos quadros "do aparelho judicial" russo, considerados diretamente responsáveis pelos atos repressivos contra Alexe Navalny e os seus apoiantes.
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A União Europeia (UE) anunciou na segunda-feira a imposição de um novo pacote de sanções à Rússia pela detenção do líder oposicionista Alexei Navalny. As sanções deverão atingir altos quadros "do aparelho judicial" russo, considerados diretamente responsáveis pelos atos repressivos contra Navalny e os seus apoiantes.

Alemanha, França, Polónia e os países bálticos foram, a par do chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, os mais determinados na defesa de novas sanções a Moscovo. Leonid Volkov e outros colaboradores próximos de Navalny tiveram também papel de relevo, multiplicando apelos e apontando mesmo alvos concretos em contactos com os media internacionais e com vários ministros dos Estrangeiros da UE.

O novo secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, foi igualmente convidado a participar por videoconferência na reunião dos ministros europeus.

Bruxelas cumpre assim a promessa de não fechar os olhos perante o caso Navalny, mas optando claramente por alguma contenção numa fase particularmente crítica das relações com Moscovo. Sanções "politicamente espertas, e legalmente inequívocas" - advogava o chefe da diplomacia austríaca, Alexander Schallenberg, em vésperas desta cimeira diplomática de Bruxelas.

"As relações com a Rússia estão sem dúvida em baixo" - constatou o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Heiko Maas, mas temos de "manter um diálogo construtivo com a Rússia". As reações do Kremlin às pressões europeias no caso Navalny geraram uma troca de acusações entre Moscovo e de Bruxelas, e o caldo entornou-se de vez com a recente visita a Moscovo do chefe da diplomacia europeia.

Borrell deslocou-se há duas semanas à capital russa para exigir ao vivo a libertação imediata de Alexei Navalvy, mas deparou-se com um seco e inamovível "meta-se na sua vida!". Humilhado e visivelmente irritado, Borrell escreveu no seu blogue que a Rússia se estava a "afastar cada vez mais da Europa" e a descambar numa "alarmante via autoritária" e que o Kremlin via a democracia como "uma ameaça existencial".

Lavrov reagiu ameaçando "cortar com Bruxelas" caso a UE aprovasse novas sanções capazes de atingir a economia russa. O Kremlin sentiu-se mesmo obrigado a vir a público ressalvar, pela voz do porta-voz Dmitri Peskov, que as palavras de Lavrov tinham sido "tiradas" do contexto e reafirmando o empenho da Rússia no diálogo com Bruxelas.

O incidente surge na sequência de uma contínua degradação no relacionamento entre a Rússia e a Europa, em particular desde a Ucrânia, em 2014. Em resultado da ocupação russa da Crimeia e de outros incidentes diplomáticos e militares, Bruxelas impôs, em coordenação com os EUA, sucessivos pacotes de sanções que atingiram duramente a economia russa e azedaram as relações entre as duas partes.

As ambiciosas promessas de cooperação no pós-guerra fria não tardaram a dar lugar ao acumular de contenciosos entre a Rússia e a Europa. A orientação política de ex-repúblicas soviéticas como a Geórgia, a Arménia, o Azerbaijão, a Moldova, a Bielorrússia e a Ucrânia tornaram-se alvo de uma certa competição entre a Rússia e uma UE muito próxima da política americana, e Moscovo acusa a Europa de ter desempenhado um papel instrumental na crise da Ucrânia, em 2014.

A Polónia e os países bálticos transformaram-se num ativo lóbi antirrusso em Bruxelas e acolhem um forte dispositivo bélico da NATO ao longo das fronteiras russas, num quadro em que a intensidade de movimentos aéreos e navais no Báltico, no mar Negro, junto à Crimeia ou a Kaliningrado, criam uma perigosa tensão militar, sobretudo desde que Trump denunciou os acordos de limitação de armamentos (caso do INF) ou as medidas de confiança entre a NATO e a Rússia como o Open Skies.

O relacionamento particular entre Moscovo e Berlim, e o próprio trato pessoal entre Vladimir Putin e Angela Merkel, trave-mestra das relações entre a UE e a Rússia, conheceram uma notória erosão na última década. O alegado envenenamento de Alexei Navalny, em agosto do ano passado - um caso cujos detalhes continuam por esclarecer e em que o Kremlin continua a protestar a sua inocência -, precipitou muita coisa. O relacionamento pragmático, e baseado fundamentalmente em interesses económicos com a Rússia, que a Alemanha, tal como a França, a Itália e outros países europeus continuavam a defender, via-se agora cada vez mais comprometido.

A rutura terá para já sido evitada. Mas nada prenuncia melhores dias nas relações entre Bruxelas e Moscovo. A interação da Rússia com as instituições da UE tornar-se-á provavelmente cada vez mais escassa. A Rússia tenderá a apostar ainda mais na sua atitude tradicional de privilegiar as relações bilaterais com países membros da UE - atitude que Bruxelas sempre olhou com desconfiança e mal-estar. De crise em crise, é, no fundo, o que resta de palpável nas relações entre a Rússia e a União Europeia.

Em conjunto, esta série de acontecimentos conforma uma conjuntura crítica para as relações entre o Ocidente e a Rússia. O regresso de Alexei Navalny a Moscovo, a 17 de janeiro - e a mais do que previsível detenção do oposicionista russo pelas autoridades russas -, gera um confronto entre Moscovo e Bruxelas, no preciso momento em que Washington e os seus aliados transatlânticos anunciam uma nova era na coordenação das suas políticas externas - ou seja, em que a política europeia estará cada vez mais estreitamente integrada com a política russa da Administração Biden.

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