Greve no tribunal: Bruno de Carvalho e Mustafá só serão ouvidos amanhã
Bruno de Carvalho e Mustafá só começarão nesta quarta-feira a prestar declarações ao juiz de instrução criminal do tribunal do Barreiro, onde chegaram antes das 10.00 desta terça-feira, mas cujas diligências só tiveram início perto das 12.00 devido a uma paralisação, que decorre desde dia 5, dos funcionários judiciais e que tem lugar diariamente entre as 9.00 e as 11.00 e que se repete a partir da 16.00.
Em comunicado, o Juízo de Instrução Criminal do Barreiro informou que, "tendo em conta os inúmeros documentos cuja consulta os ilustres defensores dos arguidos solicitaram, não foi possível reiniciar a diligência na altura aprazada, 14.30, tendo só agora, pelas 15.45, sido possível entregar àqueles defensores, para apreciação, as cópias dos documentos solicitadas".
Assim, Bruno de Carvalho - indiciado por 56 crimes, entre os quais o de terrorismo - e um dos líderes da claque Juventude Leonina, Nuno Mendes, conhecido por Mustafá, vão passar mais uma noite detidos, no âmbito da investigação sobre o ataque à academia do Sporting, em Alcochete, em 15 de maio.
O Ministério Público suspeita de que o antigo presidente do Sporting foi o autor moral do ataque aos jogadores, baseando-se em provas que já terá recolhido na investigação que dura praticamente há seis meses.
Aliás, o prazo para a acusação aos arguidos - 38 a cumprir prisão preventiva e agora aos dois detidos no domingo - termina no próximo dia 21 (quarta-feira), pois é nesse dia que se cumprem os seis meses desde a altura em que lhes foi decretada a medida de coação.
No entanto, o Ministério Público confirmou ao DN que já entregou ao juiz um pedido para que o processo seja declarado de especial complexidade, o que, a ser concedido, garantirá mais seis meses para a investigação.
Os detidos e os seus advogados foram notificados na passada quinta-feira (dia 8) dessa intenção e têm dez dias para contrapor a sua posição sobre este requerimento. Prazo que terminará no dia 19, pois o dia 18 é domingo.
Ou seja, a dois dias de terminar o período em que os arguidos podem continuar presos preventivamente, como está previsto no artigo 215 do Código de Processo Penal, que se refere aos prazos de duração máxima de prisão preventiva.
Caso o juiz não conceda o prolongamento do prazo, a acusação tem de ser feita até dia 19.
Além do crime de terrorismo, Bruno de Carvalho está indiciado por dois crimes de dano com violência, 20 crimes de sequestro, um crime de terrorismo, 12 crimes de ofensa à integridade física qualificada, um crime de detenção de arma proibida e 20 crimes de ameaça agravada.
No Barreiro, o dispositivo de segurança que aguardava o antigo presidente do Sporting e Nuno Mendes, o líder da Juventude Leonina (a principal claque do clube) e mais conhecido como Mustafá - e que está ainda indiciado por tráfico de estupefacientes -, foi reforçado e é constituído por cerca de duas dezenas de elementos da Unidade Especial da Polícia de Segurança Pública, que delimitaram um perímetro de segurança.
Também a Unidade Especial de Polícia da GNR está presente, pois são eles os responsáveis pela segurança e transporte de Bruno de Carvalho e de Mustafá dos locais onde têm estado detidos - nos postos da Guarda de Alcochete e Montijo, respetivamente.
Estarão presentes na área junto ao tribunal mais de cem pessoas, entre elas a irmã de Bruno de Carvalho, Alexandra Carvalho, que o tem acompanhado em todo este processo.
Junto ao tribunal, a maior parte dos presentes apoiam Bruno de Carvalho, ao mesmo tempo que insultam a comunicação social presente.
Entre os apoiantes há quem tenha bem visível um cachecol onde se pode ler "Força Bruno" e uma outra pessoa tem vestida uma T-shirt com a fotografia do ex-presidente do Sporting.
A dado momento, o grupo começou a gritar "Bruno, amigo, os leais estão contigo".
Mas nem toda a gente que decidiu marcar presença nesta terça-feira de manhã junto ao tribunal do Barreiro está a favor de Bruno de Carvalho, como é o caso de uma mulher que em declarações a um canal de televisão se mostrou crítica das ações do ex-líder do clube de Alvalade.
As diligências começaram atrasadas devido à realização de um plenário que os oficiais de justiça cumprem desde 5 de novembro, de duas horas de manhã (09.00-11.00) e que se repete a partir das 16.00.
De acordo com António Albuquerque, vice-presidente da delegação regional do Sindicato de Funcionários Judiciais de Lisboa, o protesto visa levar o governo a retomar as negociações do estatuto de oficial de justiça, conseguir autorização para a entrada no quadro de mil funcionários e pedir o descongelamento das promoções.
Bruno de Carvalho foi detido no domingo, tal como Mustafá, e ambos estão indiciados praticamente pelos mesmos crimes que foram apresentados nos despachos de acusação referentes aos 38 elementos da Juventude Leonina que já estão a cumprir prisão preventiva.
Medida de coação que o Ministério Público também defende para Bruno de Carvalho e Mustafá.
Enquanto os pais e o advogado do antigo dirigente garantiam que este nada tinha feito - "ele não fez nada. Ou há factos e provas concretas ou não há nada. E não há nada. Tenho a certeza", adiantou o pai, Rui de Carvalho, nesta segunda-feira -, o Sporting emitiu uma curta declaração.
"O Sporting manifesta a sua total confiança no sistema judicial", frisou fonte oficial do clube.
A ação da Guarda Nacional Republicana, no âmbito das detenções de Bruno de Carvalho e de Mustafá no domingo, surgiu depois de o Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa ter emitido os mandados de busca e detenção que permitiram a ida à casa do antigo presidente leonino, no Lumiar, e à sede da claque, conhecida como A Casinha.
A decisão dos investigadores em avançar com a operação ao domingo surpreendeu, mas não encerra em si nenhuma situação anómala. O artigo 174 do Código de Processo Penal determina os pressupostos para a realização de buscas e em nenhum está escrito que não podem existir detenções em determinado dia da semana.
"Não são os únicos a serem detidos ao domingo. O timing destas ações (detenções e buscas) são um momento de estratégia em termos de investigação. Quando se faz uma busca é porque há a suspeita de que vai permitir recolher dados essenciais para o processo", explicou ao DN Fernando Silva, advogado e professor de direito penal.
A operação da Guarda começou ao final da tarde deste domingo, quando os adeptos começavam a chegar ao Estádio de Alvalade para assistir ao jogo da 10.ª jornada entre o Sporting e o Desportivo de Chaves, para a Liga NOS (vitória por 2-0 dos anfitriões).
Alguns elementos estiveram na casa de Bruno de Carvalho, onde apreenderam diverso material (computadores e tablets) e outra equipa dirigiu-se à sede da Juventude Leonina, situada junto ao estádio.
Além do dia das detenções, também as horas a que foram efetuadas algumas buscas levantaram dúvidas, mas mais uma vez a legislação foi cumprida, pois foram efetuadas entre as 07.00 e as 21.00.
Apesar de as buscas na casa de Bruno de Carvalho e na sede da Juve Leo terem sido dentro dos parâmetros definidos pela lei, durante a madrugada os investigadores estiveram na casa de Mustafá.
Neste caso, o número dois do 177 do Código de Processo Penal justifica esta ação.
Diz este que "entre as 21.00 e as 07.00 a busca domiciliária só pode ser realizada nos casos de:
a) Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada;
b) Consentimento do visado, documentado por qualquer forma;
c) Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.
Esta operação da GNR ao domingo pode ter duas justificações, segundo Fernando Silva. "Uma é a estratégia de evitar que o que não fosse detido ficasse avisado e a outra razão pode estar relacionada com o facto de um dos investigados ser membro de uma claque e que naquele momento estaria na sede da mesma e essa poderia ser a altura adequada para se efetuar a busca nesse local", frisou.
Na operação na Casinha, como é conhecida a sede da Juve Leo, os investigadores encontram 20 gramas de cocaína e haxixe - o que vai acrescentar tráfico de estupefacientes aos crimes imputados a Mustafá. Foram também apreendidos os bilhetes para o jogo com o Desportivo de Chaves, o que fez que a zona da bancada reservada para a Juventude Leonina tivesse ficado vazia.
A detenção de Bruno de Carvalho é mais uma consequência de uma relação antiga entre o ex-presidente do Sporting e a Juventude Leonina, o principal grupo de adeptos organizados do clube.
Desde muito novo que Bruno de Carvalho começou a frequentar o ambiente da Juve Leo (1985), durante boa parte da sua adolescência, mais concretamente entre os 13 e os 18 anos. Por essa altura, já havia traçado que o seu sonho seria o de ser presidente do Sporting, tendo antes disso sido vice-presidente da secção de hóquei em patins e da Associação de Patinagem dos leões. Acabaria por concretizar o sonho em 2013, com apenas 41 anos, dois anos depois de ter perdido a eleição para Godinho Lopes. Nessa altura, constatou-se que tinha agregado em seu redor uma larga franja de jovens associados, entre os quais os das claques do clube. Pertenceu também mais tarde à Torcida Verde.
Bruno de Carvalho nunca descurou essa proximidade com os grupos organizados de adeptos, tendo inclusive promovido as boas relações entre eles, nomeadamente entre a Juve Leo e o Diretivo XXI, que acabaram por se juntar na mesma bancada, colocando ponto final a vários anos de discórdia.
A proximidade do ex-presidente à Juventude Leonina foi sempre enorme, como o prova uma publicação no seu Facebook a 18 de março de 2016, por ocasião do 40.º aniversário da claque. "Há 40 anos, a Juve empreendeu uma caminhada que já chegou ao dia de hoje e que irá acompanhar-nos ao longo de vidas que desejamos que sejam longas e coroadas de sucessos e de alegrias", escreveu na altura.
Consciente da importância das claques ao longo da história recente do Sporting, Bruno de Carvalho fez sempre questão de lhes dar um papel de relevo, até porque foram uma importante base de apoio nos seus mandatos como líder leonino. A maior prova disso foi ter nomeado, em setembro de 2016, um membro de cada uma das claques para integrarem a comissão de audição aos anteriores presidentes do clube, na sequência da auditoria à gestão das anteriores direções.
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