A margem sul do Tejo continua a dar que falar. Enquanto decorrem as discussões à volta do aeroporto, chega o "não" definitivo do governo ao projetado terminal de contentores do vizinho Barreiro - depois da nega da Agência Portuguesa do Ambiente..Uma das razões do chumbo da obra é precisamente a proximidade do futuro aeroporto. A ANA foi chamada a emitir um parecer que foi adicionado ao estudo de impacto ambiental e no qual questiona as gruas pórtico, que teriam cerca de 90 metros, ou seja, mais 40 metros do que os limites previstos para construção de novos aeroportos, e que poderia conflituar com os sistemas de operações, com os aviões e com os radares. A mesma posição foi partilhada pela Força Aérea Portuguesa..O terminal de contentores do Barreiro era uma iniciativa da Administração do Porto de Lisboa, que com este novo terminal queria resolver a falta de espaço dos portos da região de Lisboa para os contentores a partir de 2025, num investimento de 500 milhões de euros. Foi lançado ainda no governo de Pedro Passos Coelho, depois do cancelamento do outro projeto para a construção deste tipo de infraestrutura na Trafaria..Agora o projeto foi "chumbado" pela APA por três motivos essenciais: as dragagens que iriam levar a uma violação da Diretiva-Quadro da Água e da Lei da Água, o tamanho das gruas, já referido, e ainda para proteção dos efeitos que um tsunami poderia provocar nos terrenos da antiga Quimiparque..O cancelamento do terminal de contentores do Barreiro deixa por criar 5000 empregos previstos e um investimento de cerca de 500 milhões de euros. O vereador do Barreiro Rui Braga recorda que a autarquia defendeu sempre a localização do novo terminal de contentores, que seria um indutor de muito emprego na cidade. Mas não se mostra muito preocupado. "Agora que o projeto foi chumbado, é preciso fechar esta porta para os terrenos não ficarem comprometidos, nem as acessibilidades do território", diz..Foi em dezembro de 2018 que a Câmara do Barreiro, presidida pelo PS, aprovou um parecer que confirmava a sua concordância com a localização do terminal. Mas já logo na altura alertou para várias "condicionantes", sobretudo ambientais e de acessibilidades, incluindo a necessidade da terceira travessia no Tejo..No parecer, que está agregado ao da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), o município recordava que estava em causa a "concretização de uma estrutura de acostagem para navios e outra para barcaças, um terrapleno portuário e um feixe de triagem ferroviário"..A posição do Ministério das Infraestruturas e da Habitação, liderado por Pedro Nuno Santos, terá sido concertada com a Câmara do Barreiro, liderada pelo PS, segundo disse ao DN o vereador Rui Braga. "Houve confluência de posições", admite. "A pior coisa que se poderia fazer era não olhar para tudo isto com pragmatismo e não libertar o território e posicionarmo-nos para outro tipo de investimento.".O autarca dá exemplo dos investimentos possíveis, nomeadamente os que possam ser gerados em torno do aeroporto. "Temos sempre lutado para posicionar o nosso território da baía do Tejo para alojar algumas atividades que vão gravitar à volta do aeroporto", afirma o vereador responsável pelo Planeamento e Ordenamento do Território da Câmara do Barreiro..O município aprovou há uns meses o primeiro regulamento de incentivos fiscais ao investimento nas zonas industriais junto ao estuário do Tejo. "Temos uma localização privilegiada e há muito mais que se pode fazer além do terminal de contentores", assegura o vereador..Contaminação com materiais pesados.No parecer negativo, datado de dezembro do ano passado, a APA aponta sobretudo aos problemas ambientais do novo terminal. Nomeadamente os derivados das dragagens, que poderiam originar a contaminação por materiais pesados, no nível 4, o mais grave, mas também pelo seu volume, projetado entre 23 e 25 milhões de metros cúbicos de areia, cerca de cem mil metros cúbicos por dia, 24 horas por dia, seis a sete dias por semana..A APA considera particularmente preocupantes os dragados que iriam levantar do fundo do rio sedimentos contaminados com mercúrio, arsénio, zinco, cobre, chumbo e compostos orgânicos que podem afetar gravemente o ambiente aquático, havendo ainda sinais de que a zona pode ter sedimentos ainda mais perigosos do que estes. A construção do terminal do Barreiro iria ainda alterar de forma relevante os fundos e margens do estuário do rio Tejo..Ambientalistas aplaudem.Paulo do Carmo, presidente da Quercus, Associação Nacional de Conservação da Natureza, considera muito positiva a decisão do governo de acatar o parecer negativo da APA e não insistir na obra. Um parecer que diz ser "invulgar", porque dos que são dados a obras públicas são positivos..O ambientalista sublinha que, do ponto de vista das estruturas aeroportuárias, aquela infraestrutura não fazia sentido, porque recorda as obras em curso para ampliar o Porto de Setúbal. "Não faria muito sentido no círculo de poucos quilómetros estar a ser edificada uma construção portuária de raiz." E insiste que na Área Metropolitana de Lisboa já existe capacidade de resposta para o volume de contentores..Paulo do Carmo destaca ainda a "pressão ambiental" que iria ser exercida no estuário do rio Tejo, o mais importante a nível europeu. "O terminal de contentores implicaria milhões de metros cúbicos de areia, que iria pôr em causa a qualidade da água e a sua biodiversidade. "Iríamos remexer em metais pesados e o custo seria muito mais elevado para o estuário do Tejo do que é a construção do aeroporto do Montijo para a fauna.".Carla Graça, vice-presidente da Zero, outra associação ambientalista, partilha da mesma visão. Ressalva que o parecer da APA pode devolver a "confiança" às populações de que quando um projeto é mau para o ambiente é possível rejeitá-lo. "Gostávamos que tivesse acontecido o mesmo ao aeroporto do Montijo, mas não aconteceu", lamenta..Também esta ambientalista frisa que os grandes projetos públicos em Portugal e, em particular na Área Metropolitana de Lisboa, estão a ser avaliados de forma "casuística" e consoante as disponibilidades dos promotores. "É preciso avaliá-los de forma integrada", e recorda que o plano regional de ordenamento do território para a AML data de 2002. "Está obsoleto.".Impacto económico.Segundo os estudos do projeto, o impacto económico acumulado no PIB português com a construção e exploração deste terminal iria variar entre sete e 12 mil milhões de euros. A diferença de valores tinha em conta o prazo de concessão do projeto, que poderia variar entre 40 e 60 anos, segundo um estudo da consultora AT Kearney de 2014 e que contempla os impactos diretos, indiretos e induzidos desta infraestrutura..As exportações e importações nesta infraestrutura iriam atingir, segundo as previsões, 14 mil milhões de euros ao fim de 40 anos. Ou seja, sem o terminal do Barreiro, Portugal arrisca uma perda de competitividade externa de oito mil milhões de euros, acrescenta a mesma consultora..Está entretanto marcada uma nova greve dos estivadores do Porto de Lisboa, de 19 de fevereiro a 9 de março, contra as quatro empresas de estiva, que defendem uma redução de 15% do salário dos trabalhadores portuários. Esta ação é dirigida contra três empresas do grupo turco Yilport - Liscont, Sotagus e Multiterminal - e uma quarta empresa, TMB (Terminal Multiusos do Beato)", disse à agência o presidente do SEAL - Sindicato dos Estivadores e Atividade Logística..Os estivadores do Porto de Setúbal também iniciaram nesta segunda-feira uma greve ao trabalho extraordinário para a empresa Sadoport, do Grupo Yilport.