Nos tempos em que Lisboa era "um deserto" no que à animação noturno diz respeito, houve um casal que se aventurou nos negócios da noite e criou aquele que foi um bar da moda e da revolução, com clientes da nata política e financeira da cidade. Era o Procópio, que, apesar do divórcio dos fundadores e de várias crises, ainda hoje existe e com razões de sobra para amanhã celebrar junto de amigos e clientes habituais o 50.º aniversário..Alice Pinto Coelho, que já ultrapassou os 80 anos, lá estará, como sempre. Foi ela e o marido, o decorador Luís Pinto Coelho - que mais tarde, já divorciado, criou o Paródia, o Foxtrot e o Pavilhão Chinês -, que começaram a animar a noite da capital. Primeiro, ainda nos anos 1960, com um bar-boutique arte pop chamado "A Outra Face da Lua", que não durou muito tempo mas que deixou um "bichinho". Depois com o Procópio, um local pensado para ser "mais eterno, que sobrevivesse através dos tempos", conta Maria João Pinto Coelho, uma das filhas, que com a irmã Sofia, a mãe e o filho Martim, está aos comandos do negócio. Assim foi..Inspirado nos pubs ingleses e nos cafés franceses - o nome vem de Procope, um espaço parisiense onde o casal esteve nos anos 1950 -, o Procópio abriu portas junto ao Jardim das Amoreiras, com uma decoração clássica oriunda da Feira da Ladra e de lojas de velharias da Rua de São Bento, que, na memória de Maria João, "eram armazéns cheios de ratos" onde passava horas com o pai à procura de relíquias.."O lado mais clássico vingou e encheu-se de clientela da nata da alta sociedade", lembra Maria João acerca desses tempos em que Lisboa praticamente não tinha espaços noturnos. Já a mãe, num livro publicado por ocasião dos 35 anos do Proscópio, recorda que "de bar da moda, só com amigos, nos tempos anteriores ao 25 de Abril, passou a bar da revolução, tornando-se ponto de encontro de políticos, jornalistas e artistas".."Com o 25 de Abril essa nata foi-se toda embora", lembra Maria João e o bar passou por tempos difíceis, abandonado de clientes, vazio. Mas não por muito tempo. A proximidade da Assembleia da República e da sede do PS, numa época em que "só havia um bar ou dois na cidade e o resto eram bordéis, casas de alterne e uma boîte", ajudaram o bar a encher-se de novo. De políticos. E de jornalistas, à procura de informações para as edições do dia seguinte. "Faziam fila no cantinho do telefone para ligarem para as redações para dar as últimas. Lembro-me disso", conta Maria João..O prestígio era tal que o bar começou a atribuir, em 1986, os Prémios Procópio, que distinguiam vultos da política, cinema, jornalismo e espetáculo..Mas, de repente, a cidade ganhou outro ritmo. Abriram os bares do Bairro Alto e depois os da 24 de Julho e o Procópio, isolado, "foi posto de lado, esquecido". "Decaiu bastante", reconhece Maria João, que, na época trabalhava em consultoria e aproveitou os contactos para promover o bar. Foi editado o tal livro sobre os 35 anos, saíram artigos nas revistas da moda e reportagens em programas do social. O Procópio ganhou nova vida, "os jovens descobriram como eram os bares de antigamente". Mas há dois anos, nova crise. Grave, admite Maria João. "Achei que não iria sobreviver à pandemia". Foi preciso reinventar, começar a servir refeições ligeiras. "Passaram dois anos e não fomos à falência"..Mas fizeram marcha-atrás. O Procópio, à porta fechada, voltou a ter apenas lugares sentados. E só música ambiente. Os cocktails ainda enchem o olho e surpreendem o palato. As sandes de patê com pickles continuam a sair. E a clientela continua a ser predominantemente com educação superior, entre os 30 e os 45 anos, com algum poder de compra..Políticos ainda lá vão, mas isso só será contado daqui a uns anos..sofia.fonseca@dn.pt