O presidente e o vice-presidente da Câmara Municipal de Borba, António Anselmo e Joaquim Espanhol, foram acusados pelo Ministério Público de cinco crimes de homicídio, correspondentes às vítimas da derrocada de um troço da Estrada Municipal 255, entre Borba e Vila Viçosa (distrito de Évora), a 19 de novembro de 2018. A estrada colapsou em resultado de um deslizamento de terras, pedra e rocha para o interior de duas pedreiras, causando a morte a dois operários de uma empresa de extração de mármore e de três ocupantes de duas viaturas que seguiam na estrada naquele momento. O Ministério Público considera que os dois autarcas tinham sido avisados do perigo que constituía aquele troço da via, sem que tenham agido em conformidade..Além dos responsáveis de Borba, há atualmente mais três autarcas em Portugal acusados de homicídio - por negligência. Valdemar Alves, presidente da Câmara de Pedrógão Grande, está acusado de sete crimes com esta moldura, na sequência dos incêndios que devastaram o concelho em 2017 e provocaram 66 mortos. Jorge Abreu, presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, está acusado de dois crimes com a mesma tipificação; o então presidente da Câmara de Castanheira de Pera, Fernando Lopes, está acusado de dez crimes de homicídio por negligência. Os três estão ainda acusados de vários crimes de ofensa à integridade física por negligência..Acusações que lhes são imputadas enquanto responsáveis camarários pela gestão e manutenção de várias estradas e caminhos onde morreram algumas das vítimas dos incêndios. No despacho de decisão instrutória é afirmado que os "arguidos, ao não satisfazerem os deveres de cuidado de base legal supraidentificados [a desmatação das margens das estradas e caminhos] que sobre si impendiam, criaram um risco não permitido e aumentaram um risco já existente de produção de lesões na vida e na integridade física de outrem"..Autarca de Porto Santo foi condenado por homicídio por negligência.Há, pelo menos, uma condenação em tribunal, ainda que a pena tenha sido suspensa. A 22 de agosto de 2010, decorria no Largo do Pelourinho - também conhecido por Largo das Palmeiras -, no Porto Santo (Madeira), um comício de rentrée do PSD-Madeira, quando a queda de uma palmeira provocou a morte imediata de uma pessoa e ferimentos graves em mais duas - uma das vítimas, um jovem de 25 anos, viria a falecer em outubro..Roberto Silva, então presidente da Câmara Municipal, e os vereadores Gina Brito Mendes e José António Vasconcelos, seriam depois acusados por dois crimes de homicídio por negligência e um crime de ofensa à integridade física por negligência. O despacho de acusação aponta aos arguidos terem ignorado os avisos da população, que "desde há vários anos vinha alertando que se ninguém tomasse previdências qualquer dia a palmeira cairia" devido à sua "notável e acentuada inclinação". "Os arguidos atuaram com imprevidência e falta de cuidado que lhes era exigido e que eram capazes, sem procurarem obter qualquer tipo de informação de carácter técnico ou científico", acrescentava o Ministério Público..Uma argumentação que viria a ser acolhida em tribunal, que condenou os três arguidos à pena única de três anos e seis meses de prisão - suspensa por igual período na condição de não exercerem cargos políticos. O Tribunal da Relação viria, em 2013, a revogar a proibição de exercício de cargos políticos e a baixar a pena para dois anos..Noutro caso que veio a ocorrer na Madeira, já em agosto de 2017, a queda de um carvalho de grande porte provocou a morte a 13 pessoas e feriu cerca de 50. Paulo Cafôfo, presidente da Câmara do Funchal, ainda foi constituído arguido, mas a acusação não avançou, com o Ministério Público a argumentar que o líder da autarquia tinha delegado competências nesta matéria. O mesmo não aconteceu com a vice-presidente do município e vereadora do Ambiente e com o chefe da Divisão de Jardins e Espaços Verdes, ambos acusados por 13 crimes de homicídio por negligência e 24 crimes de ofensa à integridade física negligente, num julgamento que ainda decorre..Outros processos, com vítimas que resultaram de deficiência ou colapso de infraestruturas públicas, não passaram por este caminho. Foi o caso de um dos mais mortais acidentes deste género de que há memória no país, a queda da ponte de Entre-os-Rios, que em março de 2001 provocou a morte a 59 pessoas. A tragédia levou à demissão do então ministro do Equipamento Social, Jorge Coelho, que saiu assumindo a "responsabilidade política ". Nenhum responsável político foi acusado de responsabilidade criminal. E ninguém foi condenado neste processo: os seis técnicos levados a tribunal sob a acusação de negligência e violação de regras técnicas foram absolvidos..A condenação é uma exceção. Vários autarcas questionados pelo DN disseram não ter memória de condenações de responsáveis autárquicos por homicídio, por decisões tomadas - ou não tomadas, como é o caso - no exercício de funções..António Rebordão Montalvo, advogado, consultor do Conselho da Europa sobre Direito das Autarquias Locais, considera que, a confirmar-se a "omissão do dever de zelo que impendia" sobre os autarcas, há fundamento neste caso para a responsabilização criminal, até por se tratar de uma estrada municipal. E se a estrada fosse nacional? Depende, sublinha. "Não sei se afetaria o ministro. Provavelmente, afetaria o instituto público responsável [pela manutenção da estrada], que goza de autonomia." António Rebordão Montalvo lembra, precisamente, o caso de Entre-os-Rios, em que o ministro não foi constituído arguido nem era criminalmente responsável - a ponte estava sob a jurisdição da Junta Autónoma das Estradas (JAE)..Mas, em tese, a responsabilidade criminal também pode chegar a um ministro se a entidade responsável for, por exemplo, uma direção-geral na dependência direta de um membro do governo, sublinha o advogado..No despacho de acusação do acidente que vitimou cinco pessoas, na Estrada Municipal 255, o Ministério Público considera que os arguidos (oito no total, entre os quais funcionários da Direção-Geral de Energia e Geologia, um antigo diretor regional de Economia, a empresa que explorava a pedreira e o seu responsável técnico) sabiam da instabilidade do talude (muro de suporte) no troço da estrada que veio a colapsar. Essa instabilidade "foi evidenciada sistematicamente, ao longo dos anos, junto de todos os arguidos", refere o despacho de acusação, citado pela agência Lusa, acrescentando que a situação do talude foi "assinalada em estudos, relatórios, memorandos e informações", além de ter sido tema de diversas reuniões. O MP refere, em específico, uma reunião realizada a 20 de novembro de 2014 nas instalações da Câmara de Borba, em que foi discutida a necessidade de interditar a circulação na estrada 255..Responsabilidade criminal dos titulares de cargos políticos. O que diz a lei?.A Constituição da República determina, no artigo 117, que os "titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelas ações e omissões que pratiquem no exercício das suas funções"..Já o artigo 271, que regula a responsabilidade dos funcionários e agentes, determina que os "funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas são responsáveis, civil, criminal e disciplinarmente, pelas ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não dependendo a ação ou procedimento, em qualquer fase, de autorização hierárquica"..Os termos concretos desta disposição estão estabelecidos nas leis gerais. A lei que define os "Crimes da responsabilidade dos titulares de cargos políticos" versa sobre crimes específicos no desempenho de funções políticas - por exemplo, traição à pátria, atentado contra o Estado de direito, prevaricação, corrupção, violação de regras urbanísticas - mas estabelece, no artigo 2.º: "Consideram-se praticados por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções, além dos como tais previstos na presente lei, os previstos na lei penal geral com referência expressa a esse exercício ou os que mostrem terem sido praticados com flagrante desvio ou abuso da função ou com grave violação dos inerentes deveres.".De acordo com o Código Penal, o homicídio por negligência é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Já em caso de negligência grosseira, o agente é punido com pena de prisão até cinco anos.