Assassino, psicopata, genocida
Desde o 1.º de Janeiro de 2019, quando tomou posse como presidente do Brasil, Jair Bolsonaro já foi chamado de idiota, inepto, analfabeto, despreparado, irresponsável, cínico, palhaço, arrogante, desequilibrado, louco, maluco, demente, torturador, homófobo, racista, xenófobo, fascista, nazista, facínora, criminoso, assassino, sociopata, psicopata e, ultimamente, genocida. Isto até a última contagem e apenas entre os epítetos que podem ser publicados em letra de forma - os outros, mais pesados, são correntes nas conversas dos brasileiros no dia-a-dia, de viva voz ou pelas redes sociais, e costumam ser acompanhados de bocas espumantes, picos de pressão sanguínea e apoplexias. E quando digo que esta lista só vai até a última contagem, é porque passei a manter um caderno para anotar diariamente os nomes diferentes com que o classificam, em jornais e revistas, e eles surgem à média de três ou quatro por dia.
Aos que só por alto ouviram falar de Bolsonaro e talvez achem que ninguém, nem Jack, o Estripador, merece receber todos esses qualificativos, posso garantir que todos se lhe aplicam e muitos ainda aplicar-se-ão. Nenhum outro presidente brasileiro, nem mesmo Fernando Collor, Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer, nenhum deles santo, foi definido com tal franqueza e em plena vigência do mandato, por editorialistas, articulistas, cronistas, radialistas e gente de todas as categorias nos veículos de comunicação.
Há vários motivos para que Bolsonaro se inteire de todos os nomes a seu respeito e esbraveje de volta, mas não processe ninguém. Primeiro, porque, como não se dá ao respeito, não pode exigi-lo em troca - todas as manhãs, em frente ao Palácio da Alvorada, sua residência oficial, dirige-se aos jornalistas de maneira tão ofensiva que, se algum dia um repórter o mandar à merda, nada acontecerá. Segundo, porque, se for processar alguém, terá de processar dezenas, centenas de pessoas que já emitiram essas opiniões sobre ele. Além disso, ele faz jus a elas.
Nenhum outro presidente brasileiro foi até hoje tão enxovalhado pelo povo quanto Bolsonaro, e é assustador pensar que ele acaba de entrar apenas no segundo de seus quatro anos de mandato - se chegar até o fim desses quatro anos e se o Brasil ainda existir até lá. Se a avaliação de Bolsonaro já estava a zero antes do surgimento do covid-19, pelas constantes agressões à Constituição e às instituições, sua atitude diante do coronavírus já bastou para caracterizá-lo como o pior presidente do planeta neste momento, medalha esta que lhe tem sido conferida por jornais europeus e americanos. Juntamente com os notórios Daniel Ortega, da Nicarágua, Aleksandr Lukashenko, da Bielorrússia, e Gurbanguly Berdymukhamedov, do Turcomenistão, ele está contra a sua própria população e a favor do vírus.
Se é verdade que o que afeta um país pode transmitir-se pelo menos aos países vizinhos, já não há dúvida de que, passada a pandemia, Bolsonaro terá de ser julgado por um tribunal internacional. Desde que o problema chegou ao Brasil, ele tomou atitudes que nos puseram a todos em perigo. A saber:
Confirmado o primeiro caso de contaminação no Brasil, Bolsonaro disse que o coronavírus era "uma fantasia" e não passava de uma "gripezinha". E que, além disso, pessoas como ele, com "histórico de atleta", nunca seriam atingidos. O histórico de atleta de Bolsonaro consistiu em fazer flexões e esfregar cavalos quando era capitão do Exército - do qual, por sinal, foi expulso por indisciplina. A "fantasia" do coronavírus já provocou mais de 3000 mortes no Brasil, inclusive de pessoas com autêntico histórico de atletas.
Bolsonaro, secundado por ministros e políticos de seu séquito, afirmou que o covid-19 mataria menos do que outras gripes virais, relaxando com isso as recomendações de isolamento que seu então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, estava fazendo. Nas últimas semanas, Bolsonaro tem estimulado explicitamente o fim do isolamento, provocando ou juntando-se a aglomerações de seus seguidores em Brasília - abraçando e deixando-se abraçar, tirando selfies com seus telemóveis e esfregando o nariz, tossindo ou lançando perdigotos sobre eles. Não que eu esteja preocupado com a saúde desses seguidores. É porque, como nunca mostrou os resultados de três exames a que se submeteu para se saber se tinha ou não o vírus, Bolsonaro está omitindo informações que, como presidente da República, tem a obrigação de tornar públicas. Há uma suspeita de que os seus testes terão dado positivo, mas que ele é assintomático - o que não o livra de ser um agente contaminador.
Candidato à reeleição em 2022 - embora tenha repetido em campanha que só cumpriria um mandato -, Bolsonaro teme que a crise económica provocada pela pandemia o afete politicamente. Por isso prega o fim do isolamento e a reabertura do país às atividades normais. Com tal discurso, ele ofende os profissionais de saúde que estão lutando e se expondo ao vírus para salvar as vidas que ele está pondo em perigo. Como seu discurso agrada a uma minoria de empresários inescrupulosos e aos papalvos que ainda acreditam nele, sucedem-se desfiles de carros barulhentos e embandeirados pelas grandes cidades, pedindo a volta ao trabalho - a volta de seus empregados ao trabalho, claro - e o fechamento dos poderes legislativo e judiciário, que não lhe dão trégua.
Quem está de fora pode pensar que o Brasil é irresponsável diante da pandemia. Mas milhões e milhões de brasileiros estão em casa e a grande maioria apoia o confinamento. O Brasil não é Bolsonaro. E muita gente reza para que ele e os seus seguidores, quando contaminados, tenham sua admissão aos hospitais recusada.
Para não tomar neles o espaço dos brasileiros de bem.
Jornalista e escritor brasileiro, autor de, entre outros livros, Carnaval no Fogo - Crônica de Uma Cidade Excitante demais, sobre o Rio de Janeiro (Tinta-da-China).