O Castelo de São Jorge vazio e em silêncio. Das muralhas, Lisboa toda, os telhados, as praças, o rio e a outra margem. Mas isso é sempre, só que agora sem muros de gente pelo meio. Filas imensas para a bilheteira também não. Nem barulho, a não ser o pontual grito dos pavões..Sentadas num banco perto do sítio onde param os pássaros, três mulheres de ar turista. A língua que falam não é inteligível e à pergunta "do you speak english?" abanam a cabeça que não. Prosseguimos..Mais adiante, um casal que se adivinha também não ser português à mesma pergunta responde que sim. Heinrich e Simone são suíços. Aterraram em Portugal na sexta-feira - "o avião vinha cheio, todos os lugares ocupados" - para ficarem três noites em Lisboa e depois partirem para o Algarve, mais precisamente Albufeira..Têm andado pelas ruas da cidade, a conhecer, a ver os monumentos e "claro, a experimentar os restaurantes", e hoje vieram ao Castelo de São Jorge, porque, explicam, "nos disseram que era um lugar que não podíamos deixar de visitar e hoje reabria. É a nossa primeira vez em Portugal. É muito bonito", dizem a sorrir, louvando a forma como os portugueses estão a lidar com a pandemia.."Sentimo-nos bastante seguros aqui. Na Suíça, ninguém se preocupa realmente com a covid-19. Aqui as pessoas levam a doença mais a sério e são, definitivamente, mais disciplinadas", diz Heinrich. Um suíço a elogiar a disciplina portuguesa. Que melhor prova de que o mundo está virado do avesso?.Maria Antónia Amaral, diretora do Castelo de São Jorge, não está habituada a ver o seu monumento assim tão quieto, mas só passaram duas horas desde que as portas reabriram, após mais de dois meses de encerramento.."Temos estado a preparar tudo para abrir em segurança e temos a expectativa de que as pessoas regressem. Na bilheteira, encorajamos o pagamento online ou por cartão e entra só uma pessoa para comprar os bilhetes. Ao entrar, pedimos o uso obrigatório de máscara, embora dentro do recinto, ao ar livre, não seja preciso usar, a não ser quando interage com os funcionários ou entra no museu, que é um espaço fechado", diz a responsável..Foram também reforçados os percursos de segurança, para evitar que as pessoas se cruzem, nomeadamente nas muralhas, e a câmara escura, onde está o periscópio, mantém-se encerrado "porque era um espaço pequeno. Tudo o resto está aberto, com lotação limitada, que é controlada pelos vigilantes e seguranças, que também reforçámos, para garantir que todos os normativos são cumpridos", explica Maria Antónia Amaral, que adianta que toda a programação está a ser adaptada à situação pandémica que vivemos.."É toda uma aprendizagem que temos que fazer. Temos estado a reconverter as nossas atividades de forma a cumprir as regras e a transmitir segurança ao visitante para que possa voltar. Estamos a privilegiar as visitas guiadas e sobretudo a grupos e famílias, que podem vir com os seus filhos em segurança"..Aproveitar os meses fechado para restauro, conservação e limpeza.Os meses de encerramento não significaram paragem, foram aproveitados para desenvolver uma série de ações de restauro, conservação e limpeza que, com o castelo em pleno funcionamento, eram muitas vezes impossíveis e por isso adiadas.."Foi muito interessante porque tivemos uma equipa de voluntários de outros serviços como a bilheteira, o back office, o serviço educativo, a investigação que se juntaram à equipa de conservação e restauro e fizeram aqui um autêntico extreme make over. A estátua do D. Manuel, por exemplo, que estava verde, ficou branca. Era difícil fazer este trabalho com a avalanche que tínhamos sempre, diariamente, com cerca de 5500 pessoas por dia, quando não eram 10 mil, em época alta. Teve um impacto muito positivo não só para o monumento e os seus visitantes como para união das equipas e a criação de um sentimento de pertença. Foi um confinamento muito produtivo", diz Maria Antónia Amaral, esperando que depressa os visitantes voltem a encher o castelo, mantendo sempre, claro, as distâncias de segurança exigidas..O mesmo esperam os comerciantes vizinhos do Castelo de São Jorge, para quem o confinamento foi muitíssimo menos produtivo. Fechados há mais de dois meses, uns reabriram há duas semanas, outros só hoje, mas tanto uns como outros se queixam da falta de clientela..Ludovina e Daniel Lopes, donos da Leitaria do Castelo, ele a trabalhar aqui desde 1962, ela há 45 anos, são dois deles. "Até me rio para não chorar. Fechámos dois meses e uma semana. Faz amanhã 15 dias que reabrimos e nestes 15 dias valia mais ter ficado em casa. No bairro não há ninguém, são poucos os que cá moram e os clientes que tínhamos eram os dos alojamentos locais e os visitante do Castelo, que só abriu hoje. E é isto. Aqui estamos, à espera de melhores dias", diz Ludovina, que sinceramente está "mais fiada de que isto ainda vai fechar tudo outra vez, se as notícias que a gente ouve forem verdade"..Vai servindo uns cafés, vendendo umas águas, esperando que os gelados que o marido encomendou a mais a pensar no calor do verão tenham saída, enquanto lamenta o mau jeito que a pandemia tem sido para todos e para o Ludovina e Daniel em particular. "É pena isto ter acontecido este ano, porque infelizmente no fim do ano o mais certo é termos que sair daqui, porque o contrato acaba. Depois de tantos anos, é uma tristeza."."Com o confinamento, isto morreu tudo".José Luís, da Drogaria do Castelo, que agora é uma loja de artesanato e recordações, umas portas à frente, mantém a boa disposição, apesar de ter estado dois meses e meio fechado e não ver perspetivas de as portas que abriu hoje serem franqueadas por muitos clientes enquanto os aviões e os barcos não voltarem a trazer turistas em força a subir a encosta do Castelo.."O encerramento do Castelo de São Jorge e a ausência de turistas afetou os negócios todos aqui à volta. O castelo é um dos monumentos mais visitados de Lisboa e é o ex-líbris desta zona. Com o confinamento e o fecho de fronteiras, isto morreu tudo", diz o comerciante que herdou a drogaria centenária do pai, que aqui trabalhou mais de 65 anos, e acabou por transformá-la em loja de artesanato.."Isto vive essencialmente do turismo, por isso, as expectativas têm que ver com os voos, com as fronteiras a abrir e com os barcos a chegar. Não havendo turismo, sobretudo estrangeiro, não há forma de isto funcionar, e não estou a exagerar", diz José Luís, que ainda não teve qualquer cliente hoje e se viu vinte pessoas a entrar no castelo foi muito.."Agora é esperar. Eu moro na zona de Oeiras e vim de comboio e verifiquei que a Torre de Belém, os Jerónimos e o Padrão dos Descobrimentos também estavam vazios. A Rua Augusta a mesma coisa. E é assim que se nota que Lisboa vive só do turismo. Se havia alguma dúvida, ficou dissipada. O turismo é que traz grande movimento e vivacidade à cidade, principalmente aqui à Baixa e aos bairros históricos, porque morar, mora aqui pouca gente. A maioria vive nos arredores e nas periferias", analisa o comerciante, que dá conta também de que os poucos moradores do Castelo, que tanto reclamavam do turismo, agora sentem-lhe a falta.."Até percebo que existisse muita saturação porque realmente a quantidade de turistas, o movimento, o entra e sai, era demasiada. Mas é engraçado que as pessoas daqui, que diziam que estavam fartas da confusão dos turistas, agora são as primeiras a dizer que têm saudades desse movimento, que era o que dava vida ao bairro"..Não tarda, estarão a queixar-se novamente.