Costa diz que Sócrates "aldrabou" o PS. "É uma velhacaria", responde ex-primeiro-ministro

Numa biografia de Mário Soares, o primeiro-ministro revela pormenores da visita a Sócrates na prisão de Évora dezembro de 2014. Sócrates já respondeu em declarações à TVI: "Eu considero isso uma velhacaria."
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O secretário-geral do PS e atual primeiro-ministro, António Costa, considera que José Sócrates enganou os socialistas, uma revelação feita na edição atualizada da biografia de Mário Soares escrita pelo jornalista Joaquim Vieira, divulgada esta quinta-feira.

"Concluo que ele, de facto, aldrabou-nos [ao PS]", declara António Costa, citado no 4.º volume da edição atualizada e ampliada da obra "Mário Soares, uma vida", editada pela revista Sábado.

A conclusão surge no contexto da descrição da única visita que fez ao antigo líder socialista e primeiro-ministro José Sócrates no Estabelecimento Prisional de Évora, a 31 de dezembro de 2014, onde encontrou Mário Soares, uma presença que não estaria prevista e que terá servido para condicionar o diálogo entre António Costa e o ex-governante detido.

"Eu não estava à espera. Quando entrei, estava já lá o Mário Soares, e ficámos os três no parlatório. Eu ia lá para falar com o José Sócrates pessoalmente e ouvir da boca dele o que tinha para me dizer, mas não consegui estar sozinho com ele. Aliás, nem falei com ele, praticamente. O Soares falou o tempo todo, pontuado por algumas declarações do Sócrates, e eu mal abri a boca. O Soares fez ali um comício contra a 'canalhice' e a 'injustiça que isto é', e o outro acrescentava que sim, que era tudo uma 'canalhice' e não sei quê", declara António Costa.

"O Soares não estava para ir lá naquele dia. Portanto, o Sócrates mandou-o ir: em primeiro lugar, porque nunca quis ter uma conversa cara a cara comigo e, em segundo lugar, porque me quis condicionar através do Soares. O que, aliás, só agravou mais as minhas suspeitas sobre a coisa toda. E depois do que já vi, entretanto, e que o próprio Sócrates não desmente, concluo que ele, de facto, aldrabou-nos [ao PS]", remata.

No livro, recorda-se que o fundador do PS, antigo Presidente da República e primeiro-ministro Mário Soares, falecido em 2017, foi visita frequente na prisão de Évora, onde Sócrates esteve detido onze meses em prisão preventiva, e que o fundador do PS teve para com o ex-primeiro-ministro a mesma atitude de se atravessar "em defesa dos amigos face à justiça, sem cuidar do desfecho dos respetivos processos", como com o antigo governador de Macau Carlos Melancia ou o antigo primeiro-ministro Bettino Craxi.

Em 2014, à saída da prisão de Évora, depois de uma visita que disse ser pessoal e que durou pouco mais de uma hora, entre as 10:30 e as 11:40, António Costa disse aos jornalistas que a justiça devia "funcionar em todos os seus valores".

"Deixemos a justiça funcionar em todos os seus valores", o que significa "assegurar a presunção de inocência", disse.

Segundo disse igualmente na altura António Costa, seria preciso "assegurar que a acusação tenha os meios necessários para fazer a investigação, que a defesa disponha dos meios e de igualdade de meios no exercício da defesa, que o segredo de justiça seja preservado e que não haja condenações, nem julgamentos na praça pública, que as pessoas se possam defender".

"É isso que deve ser normal num Estado democrático", defendeu, assegurando que todos, e que ele fará a sua parte, se devem bater por "um sistema de justiça que funcione com normalidade".

Por outro lado, à saída Mário Soares insiste com os jornalistas que "não há razão nenhuma" para a prisão preventiva do ex-primeiro-ministro.

"Achei-o muito bem do ponto de vista intelectual e está com bastante capacidade. Claro que a situação é difícil, é muito difícil, já se sabe", afirmou, referindo-se a José Sócrates, reiterando acreditar na sua inocência.

Soares considerou nessa ocasião que Sócrates "vai sair" da prisão "porque não há razão nenhuma para que ele continue tanto tempo preso, porque não há nada que se possa mostrar que ele podia ser preso".

Questionado sobre se acredita que Sócrates está a ser vítima da política, o antigo Presidente da República remeteu para declarações suas anteriores: "Tenho dito isso várias vezes, não estou a dizer nada de novo, eu tenho escrito isso em vários sítios".

O ex-primeiro-ministro José Sócrates acusou hoje a direção socialista de intrigar contra si e qualificou de "velhacaria" que António Costa tenha dito que ele enganou o PS, na biografia atualizada de Mário Soares.

"Eu considero isso uma velhacaria", declarou José Sócrates no noticiário da TVI, reagindo às declarações do secretário-geral do PS e primeiro-ministro, António Costa, citado na obra "Mário Soares, uma vida".

José Sócrates enquadra as declarações de António Costa na questão das heranças recebidas pela sua mãe, embora o atual primeiro-ministro seja omisso quanto a essa questão no livro de Joaquim Vieira. "Em primeiro lugar, eu pensava que essa acusação sobre a herança da minha mãe vinha do Ministério Público, vejo agora que vinha, afinal, da direção do Partido Socialista. E por isso, essas declarações apenas evidenciam a reserva mental com que direção do Partido Socialista sempre encarou Processo Marquês", disse José Sócrates.

"Pela frente alegavam que estavam em silêncio, mas por detrás faziam uma intriga contra mim e uma intriga baseada em falsidades. Essa falsidade que eu terei mentido sobre a herança da minha mãe é apenas uma falsidade", acrescentou, referindo que se viu "obrigado durante a instrução do processo Marquês a provar tudo" aquilo que diz "através das escrituras" que entregou acerca das heranças da sua mãe.

Num esclarecimento escrito enviado à agência Lusa por José Sócrates, o ex-primeiro-ministro reitera estes argumentos e recusa ainda ter pedido que Mário Soares estivesse presente durante a visita que António Costa lhe fez à prisão.

"Também não é verdade que eu 'tenha mandado ir o Soares' no dia em que o líder do PS me visitou na prisão. Esta afirmação é falsa. Que este episódio seja descrito por este jornalista e num livro sobre Mário Soares só torna tudo ainda mais repulsivo", declara.

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