Paris está a 6700 quilómetros. Pequenos grupos de turistas vão subindo e descendo até à cruz de cimento que marca o local avistado por Cristóvão Colombo e seus marinheiros em 1493. Está no extremo este da ilha de Guadalupe, com vista para a praia de Grandes Salines. Nesta ilha principal, conhecida por ilha Borboleta graças à sua configuração, encontramos as duas "asas", Grande Terre e Basse Terre. Foi na primeira que começámos, preparados para a primeira mariscada de uma semana de praia, natureza e descobertas nos territórios ultramarinos franceses..Os quase 1700 km² de área da Guadalupe estão cheios de segredos bem guardados pelos seus mais de 400 mil habitantes. Aqui é França, mas já foi Inglaterra e Suécia e se há coisa que alguns guadalupenses gostam de relembrar é o nome da sua capital: Paris. Basse Terre é a cidade mais importante do arquipélago, em termos administrativos, mas oficialmente estamos em França, na União Europeia, com direito ao euro e seus preços, bem como às inerentes questões delicadas do desemprego ou da falta de oportunidades. São temas difíceis de analisar corretamente quando se mergulha pela primeira vez neste mar ou se descobrem as maravilhas da cozinha crioula..Mudamos de "asa" no mapa através do rio do Sal e passamos para Basse Terre, a porção da ilha mais vulcânica, em contraste com as planícies de Grande Terre. Doze mil hectares de plantações de cana-de-açúcar e seis mil de banana dão uma boa ideia dos principais produtos da ilha. São estes que começam a ser apresentados à mesa do Karacoli, restaurante em plena praia de Grand Anse Deshaies. Juntem-se-lhe peixe no forno, caril de frango, inhame e os inestimáveis akra (tradicionais bolinhos ou pastéis de peixe) e a refeição fica completa. Ou quase, é que ainda não se falou do rum, uma paixão e indústria desta região. Sabendo que são necessários mil quilos de cana para se chegar a cem litros desta bebida, há que fomentar a economia local. E assim se abrem as hostilidades - depois de um mergulho prolongado nas ondas ali bem perto - com um ti"punch: açúcar, lima e rum. Parece não ser adequado começar a interação social sem esta mistura, por isso em Roma sê romano. Mais tarde, na destilaria Domaine de Severin, a "romanização" continuou sob a forma de provas, compras e uma visita à propriedade (11 euros por pessoa) a bordo de um comboio onde não faltaram turistas, franceses na sua imensa maioria..Chegam em busca de exotismo no seu próprio país, a milhares de quilómetros de distância de casa, mas encontram mais do que desejavam. Encontram um território onde os efeitos da mestiçagem estão bem presentes e onde a herança dos antigos grandes proprietários - boa e má - não foi esquecida. Mas também descobrem a Guadalupe das especiarias, dos inúmeros restaurantes de peixe e marisco e da improvável inspiração gourmet que faz dos habitantes locais, e segundo os próprios, os maiores bebedores de champanhe de toda a França..É em grande estilo que continuamos viagem, entre montanhas e através de estradas sinuosas, até à mais procurada das praias de Guadalupe - Saint Anne. A meio da costa sul da Grande Terre, com proteção natural dos recifes de coral e areia branca de fazer inveja a catálogos de férias, abrem-se as portas do Club Med La Caravelle. A praia é de folheto, com palmeiras a debruçarem-se sobre a água e pequenas enseadas a exigirem que se estendam toalhas no areal ou nas espreguiçadeiras. Do bar chegam os sons dos ritmos locais, mas também o apelo de um cocktail colorido. As decisões não são fáceis de tomar neste destino: praia ou bar? Massagens ou piscina? Desportos náuticos ou compras? Snorkelling ou um passeio pela localidade de Saint Anne? Acabamos por alinhar em todas as opções, sem arrependimentos. Porque, como lembrava Alain, vendedor de gelados que encontrámos por cá, sorriso do tamanho do mundo: "Vou dar-vos uma novidade - amanhã, o sol vai nascer outra vez." E agora só há tempo para fazer a mala e partir para a próxima paragem: Martinica..As primeiras horas da manhã são passadas a descobrir Fort de France, a mais importante cidade da ilha e onde se localiza o aeroporto internacional que leva o nome de Aimé Césaire (1913-2008), o poeta da negritude. "Papa" Césaire, como ainda é conhecido na sua ilha, foi político e pensador, amigo de Léopold Sénghor e de Mário Soares e deixou bem expressas as suas ideias contra, por exemplo, o colonialismo: "Eu falo de sociedades esvaziadas delas mesmo, (...) de instituições minadas, de terras confiscadas, de religiões assassinadas, de magnificências artísticas, de extraordinárias possibilidades suprimidas." A sua vida e obra está presente na imponente Biblioteca Schoelcher, no centro de Fort de France, que é provavelmente o mais belo monumento da cidade. É quase impossível não apreciar a sua arquitetura romano-bizantina. Ali bem perto também há outros motivos de interesse, como a catedral de Saint Louis (século XIX), o forte com o mesmo nome (construído em 1640) ou, fora da cidade, o Sacré Coeur de Balata, basílica da década de 1920 (réplica da famosa congénere de Montmarte, em Paris) e de onde se tem uma vista abrangente sobre Fort de France..Quando se fala de Martinica, Caraíbas ou Antilhas há que falar de praias e a escolha por estas paragens é diversificada. Ilha vulcânica que é, não será difícil encontrar praias de areia negra e água quente. É o caso de Le Carbet, na costa oeste, o local onde o pintor Paul Gauguin (1848-1903) viveu durante cerca de um ano. E já que se fala de almas excêntricas, nada melhor que seguir viagem mais meia dúzia de quilómetros para sul e fazer uma paragem em Bellefontaine. É aqui que vive e trabalha Guy Ferdinand, cidadão da Martinica e do mundo. Guy é negro com cabelo loiro, oxigenado. Veste uma jaleca encarnada de chef e uns curtos e apertados calções de ganga que são a sua imagem de marca. Assume-se como um "artisan-restaurateur" e escolheu os nomes de dois dos aquartelamentos romanos em redor da aldeia de Astérix para os seus restaurantes. No Babaorum e no Le Petibonum, as suas poções mágicas fazem sucesso. E se a comida convence, com marisco e gastronomia criola em sintonia, é o seu one-man show que mantém os clientes satisfeitos..Prosseguimos viagem sempre junto à costa, deixando Fort de France para trás e passando por Les Trois Ilets e descobrindo enseadas a cada curva. Até que se chega a Les Anses d"Arlet, pequena aldeia de pescadores que cresceu e é hoje procurada como destino turístico. Mantém a estrutura das casas térreas e coloridas e da sua igreja principal sai um pontão em direção ao mar de onde as crianças e adolescentes continuam a saltar sem medo. A água convida, tal como o ritmo de vida desta vila de 3500 habitantes onde não se vislumbram hotéis, apenas casas particulares para alugar. E continua a descoberta da Martinica: passa-se o rochedo do Diamante e a vila com o mesmo nome, descobre-se o Memorial Cap 110 e fica a saber-se histórias de 1830. Foi nesse ano que um barco repleto de escravos naufragou junto ao rochedo. Enormes estátuas viradas para o mar, em direção ao golfo da Guiné, homenageiam os 46 homens que não se salvaram. Chegamos a Le Vauclin e há que subir para uma piroga transparente e remar até aos mangais, conhecer os ecossistemas, aprender e apanhar uma das maiores chuvadas de que temos memória. Está calor, mas há tanta água por cima como por baixo da embarcação. A experiência acaba em naufrágio e só não correu pior porque, primeiro, havia um barco de apoio e, segundo, um pequeno areal com vista para a encosta onde foi filmado, em 1999, parte do filme O Caso Thomas Crown, com Pierce Brosnan e Renée Russo. Enquanto se espera que a intempérie abrande, há a vontade de que o tempo não passe e seja possível fazer mergulho, snorkelling, caminhadas na natureza, descobrir jardins botânicos e parques naturais, vulcões inativos, plantações de cana-de-açúcar e antigas e atuais destilarias onde a tradição é protegida. Ainda não se está de partida e já há desejo de voltar. Ou de ficar. Nem que seja por uns tempos, como tão bem fez Gauguin em 1887.