Duas da manhã e o barco de pesca Wood balança no meio do oceano Atlântico, ao largo de Cabo Verde e a 4000 quilómetros de Lisboa. Quando duas lanchas com fuzileiros se aproximam da embarcação, os sete tripulantes a bordo - pescadores pobres de Fortaleza, Brasil - não oferecem resistência. Escondida num compartimento de difícil acesso estava uma tonelada de cocaína com destino à Europa..Os investigadores acreditam que os homens se preparavam para fazer o transbordo para outro barco no meio do oceano. A Operação Areia Branca aconteceu em maio deste ano e foi coordenada pela Polícia Judiciária, mas teria sido impossível de concretizar sem o apoio da Marinha e da Força Aérea portuguesas, ou sem as informações recolhidas em vários países pelo Maritime Analysis and Operations Centre Narcotics (MAOC -N), uma plataforma que coordena todas as operações que travam o tráfico de droga no Atlântico e que tem sede em Lisboa. A capital portuguesa é descrita pela imprensa internacional como a torre de vigia do imenso mar usado pelos narcotraficantes e a agência é quase tão secreta como as operações que coordena.."Até agora já foram apreendidas 20 mil e 800 toneladas de cocaína no mar. No ano passado foram 15 mil e 600 no total. Isto já nos dá uma perspetiva do que se está a passar...", diz ao DN o diretor do centro, o irlandês Michael O"Sullivan. Em 12 anos de atividade - o centro foi criado a 30 de setembro de 2006 -, este é o ano em que mais droga foi apreendida, sobretudo em veleiros, que exigem menos tripulação. O consumo de droga está a crescer na Europa e na América do Sul o cultivo da planta da coca tem obedecido fielmente à procura.."São várias as razões que explicam o aumento do cultivo na América do Sul, como o fim da fumigação dos campos de coca na Colômbia [proibido pelo governo em 2015], mas também as dificuldades geopolíticas da região, como [o desmantelamento] das FARC [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia]." Não é só este país a fonte de preocupação, há outros locais a aumentarem a produção de coca", diz O"Sullivan..Rápidos e eficazes, é este o mote do MAOC-N e de todas as forças com as quais colabora. Pertencem a Portugal, mas também a Espanha, Itália, Irlanda, Holanda, Reino Unido e Irlanda e trocam informações com os EUA, mas também com países da América do Sul, de onde vem a cocaína. "Este é um problema de todos, por isso temos todos de o resolver", diz o irlandês, há dois anos à frente da agência que tenta travar o "tsunami de cocaína" que está a cruzar o oceano Atlântico, como o próprio responsável descreve o fenómeno..A informação reunida pela agência é uma das várias vertentes do combate ao tráfico de uma das drogas mais utilizadas na Europa. O MAOC-N troca e recebe informações e é sobretudo uma agência de vigilância, descrita como capaz de um trabalho eficiente e limitado ao mínimo na burocracia. "O nosso foco está nas operações. Não perdemos muito tempo a enviar e-mails ou ficheiros uns para os outros. Sabemos que temos de agir rapidamente, porque eles também se movem muito rapidamente."."Eles estão sempre a aprender"."Eles" são os traficantes, criativos e fugidios na génese, com a grande vantagem de não se importarem de perder dinheiro - "os traficantes não têm um orçamento a respeitar", lembra O"Sullivan - e tranquilos com a possibilidade de "não terem de ter sorte sempre, ao contrário de nós, que temos sempre de ter sorte". Os líderes dos cartéis de droga podem enviar para a Europa vinte embarcações com droga e não se importam de perder metade se a outra metade chegar ao destino. Se for preciso, ajusta-se a margem de lucro. Aumenta-se o valor do grama. É um negócio em que as regras podem (e estão) sempre mudar..O maior desafio é exatamente este: a adaptação às mudanças no modus operandi das organizações criminosas. "Eles estão sempre a aprender [novas formas de fazer chegar a droga à Europa] e nós temos de ir atrás." É uma luta contra o relógio constante, por isso é que os fuzileiros portugueses escolheram o breu de uma madrugada para entrar no barco de pescadores. As forças do MAOC-N só podem contar com "trabalho árduo e rapidez". E um pouco de sorte, claro..cocaína apreendida Infogram.Traficantes preferem métodos simples."Os narcotraficantes usam tudo o que puderem... Mudam constantemente as rotas e a forma de transportar a droga. Se as embarcações são intercetadas em alguma parte do mar ou da Europa mudam as rotas. E nem sempre usam grandes navios", explica. A esmagadora maioria das embarcações usadas no tráfico de cocaína por mar é feito em veleiros, barcos privados, em detrimento de barcos de pesca ou de mercadorias, iates ou mesmo lanchas (ver infografia). Há uma razão para que assim seja.."Encontrar uma tripulação para um navio grande é mais difícil, claro que se as organizações criminosas tiverem contacto com os capitães desses navios, vão usá-los, mas há quem prefira fazer tudo de uma forma mais simples: arranjam pessoas com experiência, usam um iate e tentam a sorte", diz O"Sullivan. Os sete pescadores detidos durante a Operação Areia Branca da Polícia Judiciária são o último elo da cadeia de um negócio que vale cinco, sete mil milhões de euros por ano na Europa, segundo dados do European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction (EMCDDA), o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, também sediado em Lisboa..É a partir de Portugal que o MAOC-N irá continuar a vigiar as águas do Atlântico e do Mediterrâneo, até porque o mar será sempre o caminho privilegiado pelos narcotraficantes para fazerem chegar a cocaína aos seus melhores clientes. "Não vejo que no futuro pudessem começar a fazer o transporte por ar. Por causa da quantidade [de droga], do peso e da distância, o transporte terá de ser feito por barco e a droga armazenada em contentores", reflete Michael O"Sullivan. Devido à sua posição estratégica em relação ao Atlântico é a partir de Lisboa que a guerra contra os piratas do tráfico se irá continuar a fazer.