Ana Gomes diz que "é inconstitucional tornar obrigatória a app StayAwayCovid"

Candidata presencial espera que Assembleia da República chumbe o projeto-lei
Publicado a
Atualizado a

A candidata presidencial Ana Gomes escreveu esta quinta-feira que "é inconstitucional tornar obrigatória a app StayAwayCovid", pois "além da violação privacidade em país em que CNPD [Comissão Nacional de Proteção de Dados] não tem dentes, da ineficácia e da análise custo-benefício, equivaleria a consagrar discriminação contra pobres e idosos mais vulneráveis".

"Espero que a AR [Assembleia da República] chumbe o projeto-lei", escreveu no Twitter.

Twittertwitter1316662815223173122

O Governo entregou esta quarta-feira, no parlamento, a lei que torna obrigatório o uso de máscara na rua e a "utilização StayAway covid em contexto laboral ou equiparado, escolar e académico", sob pena de multa até 500 euros.

O executivo tem urgência na discussão deste diploma e propôs que seja debatido na quinta-feira, 23 de outubro, disse à Lusa fonte governamental.

No texto, a que a Lusa teve acesso, prevê-se um regime de multas entre os 100 e os 500 euros para os casos de incumprimento da lei.

Acerca da obrigatoriedade da aplicação StayAway Covid, o DN ouviu esta quarta-feira três constitucionalistas, que se mostraram divididos quanto à legalidade do projeto-lei que o Governo vai propôr no Parlamento.

Pedro Bacelar Vasconcelos, deputado da bancada do PS e presidente da comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais na última legislatura, espera para ver a proposta que vai dar entrada na Assembleia da República, mas confessa desde já a sua "perplexidade quanto à viabilidade" de uma proposta desta natureza.

Por razões práticas, antes de chegar às constitucionais - se o uso de telemóvel não é obrigatório, como é que se pode impor a obrigatoriedade da aplicação?

Jorge Reis Novais, professor e em tempos assessor constitucional do Presidente Jorge Sampaio, também argumentou que é inconstitucional impor com força de lei o uso de uma aplicação num telemóvel quando ao mesmo tempo não é de modo algum obrigatório o uso de telemóvel ou o uso do tipo de telemóveis que podem acolher essa aplicação (smartphones). "Nem toda a gente tem telemóvel ou esse tipo de telemóvel, não vejo como isso se possa impor", afirma ao DN.

Como aspeto positivo, Reis Novais salienta, no entanto, o facto de o governo estar agora a pretender legislar através de uma proposta de lei a ser debatida e votada no Parlamento, conferindo portanto ao diploma maior legitimidade. "É um ponto positivo porque até agora o governo fazia as coisas sozinho. É um passo que saúdo."

No seu entender, também, a questão da inconstitucionalidade não se coloca no plano da preservação (ou não) da privacidade. "Tanto quanto se conhece da aplicação, não há invasão da privacidade", afirma o constitucionalista.

Quem também não tem dúvidas sobre o alinhamento constitucional da intenção governamental é Bacelar Gouveia.

Ouvido pelo DN, este professor de Direito argumenta que o facto de o executivo se socorrer de uma lei que terá de ser discutida e votada no Parlamento só por si já confere maior legitimidade à intenção.

Recorda, por outro lado, que mesmo podendo a aplicação diminuir direitos de privacidade das pessoas, a verdade é que a Constituição prevê que, em determinadas situações de exceção, existam limitações, em nome de um bem maior (a saúde da comunidade).

Bacelar Gouveia recorda, neste contexto, o artigo 18.º da Constituição: "A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos."

Em comunicado, a associação defende que "a obrigação de instalação de uma app qualquer que seja, é uma intrusão inédita e antidemocrática, digna do autoritarismo chinês e não do modelo europeu de sociedade".

"Tal obrigatoriedade, a acontecer, estaria em explícita contradição com as recomendações da Autoridade Europeia de Proteção de Dados, com a recomendação da Comissão Europeia e ainda com as recomendações do Conselho da Europa no que toca a este tipo de apps", acrescenta a associação, que se mostra disponível para avançar com uma providência cautelar.

O vice-presidente da D3, Ricardo Lafuente, citado no comunicado, defende que cada cidadão tem o direito de colocar o que entende nos seus dispositivos e diz esperar "que a sensatez prevaleça e esta ideia grotesca fique pelo caminho".

"Considerando que o código-fonte do software utilizado não está publicado na totalidade, pois falta a componente fundamental relativa à parte que é controlada por Google e Apple e cujo funcionamento não conhecemos, é mais que legítimo questionarmo-nos sobre se queremos ou não instalar esta app", afirma.

O responsável diz ainda que, com a tentativa, através do parlamento, de tornar obrigatória a instalação da app StayAway Covid, "este direito de escolha é agora eliminado, em muitas circunstâncias, forçando o uso de uma aplicação sem provas dadas e de eficácia muito questionável".

"Ainda não existe qualquer demonstração de que a Stayaway ou outra app do género poderá fazer a diferença. A ausência de qualquer sinal de sucesso, ou sequer de impacto, em Portugal ou noutro país, deixa-nos apreensivos quanto ao papel desta app no combate à pandemia, e apenas por fé cega se pode avançar com uma medida como a obrigatoriedade", insiste.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt