Foi em 2020 que entrou em vigor o novo currículo do curso de Medicina da Universidade do Minho. Um plano de estudos "mais flexível" e inovador, no qual os estudantes são responsáveis pela definição do seu próprio currículo, desenhando o seu percurso através de unidades opcionais (que constituem cerca de 20% do total). No âmbito das mudanças, os alunos foram chamados a cocriar cadeiras, como a de Medicina Humanitária. Uma nova "disciplina" que tem sido "um sucesso"..Ao DN, Nuno Sousa, presidente da Escola de Medicina da UM, explicou que os estudantes "ajudaram a desenhar e a cocriar todas as unidades curriculares do novo currículo [o Minho MD]". Fizemos muita questão em que estivessem envolvidos na cocriação do currículo. Discutimos com os estudantes atuais vários aspetos da relevância das unidades curriculares, da estratégia pedagógica e até mesmo do contexto de avaliação. Aquilo que quisemos construir no Minho MD foi um currículo muito flexível e que pudesse acomodar formação que vai ao encontro de cada estudante. A Medicina Humanitária é uma área que não faz parte do currículo obrigatório, como acontece com a anatomia, por exemplo. Isso não acontece em áreas que vão interessar a alguns estudantes, mas não a todos", sustentou. E a cadeira de Medicina Humanitária tem tido uma grande aceitação por parte dos estudantes..Benedita Lança, aluna de 2.º ano de Medicina, é prova disso, não só porque sempre esteve "muito ligada a movimentos humanitários e de voluntariado", mas também porque acredita que poderá vir a fazer a diferença no futuro. A estudante equaciona até especializar-se em Medicina Humanitária. "Desenvolver a empatia, a sensibilidade e a inteligência emocional será sempre relevante na prática clínica, mesmo que não siga esta especialização", conta. Para a cadeira, foi desafiada pelos professores a estruturar um projeto de intervenção que abrangesse uma cultura minoritária ou discriminada.."Foram feitas sessões sobre estas comunidades e o meu grupo escolheu a comunidade cigana porque era, de facto, necessário saber mais sobre a sua cultura em ambiente clínico", continua. Com o objetivo de "aumentar a literacia da cultura cigana nos futuros médicos", Benedita Lança acredita que estará a dotar os profissionais "de competências de comunicação que lhes vão permitir uma melhor intervenção terapêutica e conseguir um acesso de qualidade de saúde à comunidade cigana". O projeto, ainda em papel, conta com a criação de glossário da comunidade cigana (de forma a reconhecer palavras e expressões utilizadas dentro da comunidade) ou uma base teórica sobre a sua cultura. "Os resultados foram ótimos e os alunos querem colocar os projetos em prática, este nosso e todos os outros com refugiados, trabalhadores do sexo ou toxicodependentes. O trabalho não acaba com o término da cadeira, pois acredito que estes projetos vão ser postos em prática no futuro", conclui..Nuno Madureira, um dos alunos "criadores" da cadeira de Medicina Humanitária, sublinha que as comunidades/temáticas trabalhadas são essenciais "discussão humanitária". "São temas transversais a todo o país e que acabam por ser negligenciados e com quem acabamos por ter alguma distância. É na busca desta empatia que pensámos nestes temas para também enriquecermos o currículo dos estudantes com este conhecimento", afirma. Para o também interno do Hospital de Braga, os projetos assumem "uma importância acrescida neste ambiente pandémico". "O olhar sobre populações mais desfavorecidas permite-nos perceber que a pandemia afeta estas comunidades mais desfavorecidas. Permite-nos entender o trabalho que também ainda temos de fazer para mitigar as desigualdades. A pandemia levantou muitas fronteiras e a medicina humanitária tem sempre este objetivo de quebrar fronteiras e pensar que possamos ajudar quem está mais longe. Esta unidade tem também este intuito de que a nossa responsabilidade humanista seja sempre para além das fronteiras que se traçam e ajudam a relembrar esta nossa responsabilidade humanista", concluiu..Carolina Martins, estudante do 6.º ano, também fez parte da equipa "criadora" e salienta a importância de "ter contacto formativo ao longo do curso com populações vulneráveis ou desprivilegiadas". "Pensamos em comunidades específicas que careciam deste contacto, como os toxicodependentes, trabalhadores do sexo, comunidade cigana e reclusos, trazendo membros das comunidades em si ou especialistas que trabalham na área para falar sobre elas. Complementamos com alguns temas que consideramos relevantes, como condicionamentos culturais e religiosos, saúde pública, desigualdades sociais e direitos humanos, entre outras, colmatando algumas falhas que sentimos na nossa própria formação", explica..E essas problemáticas são de grande interesse para os estudantes que, em aulas que contam com convidados, aproveitam cada minuto para aprender. "Por exemplo, na aula de trabalhadores do sexo, dada pela Dra. Alexandra Oliveira, as questões e intervenções excederam em 45 minutos o tempo previsto para a duração da aula, não se importando os alunos de ficarem sem intervalo até à sessão seguinte, de tão enriquecedora que foi a mesma", recorda. Pela importância da cadeira de Medicina Humanitária e pela vontade demonstrada pelos alunos de ir mais além, Carolina Martins defende que a Medicina Humanitária "deveria estar vigente, em caráter opcional e nestes moldes, no currículo de todas as escolas médicas, permitindo aos estudantes que o desejem um maior conhecimento sobre a medicina humanitária e comunitária"..Margarida Correia-Neves, coordenadora da unidade curricular de Medicina Humanitária faz um balanço muito bom da aceitação e preocupação dos alunos com as populações minoritárias. No início do segundo ano os estudantes de Medicina escolhem três cursos de um conjunto de cerca de 20, cada um com a duração de quatro semanas. Este ano letivo foi o primeiro em que foi implementado este conjunto de cursos opcionais. O curso "medicina humanitária" preencheu rapidamente as 20 vagas que disponibilizou. A coordenação do curso foi contactada por outros estudantes que gostariam de ter a oportunidade de realizar este curso", adianta..dnot@dn.pt