Alice Vieira foi uma das pessoas que reagiu com indignação ao ato de vandalismo praticado contra a estátua do Padre António Vieira, em Lisboa. A obra surgiu pintada a vermelho com a palavra "descoloniza", na quinta-feira à tarde, e a escritora só encontra uma explicação para o que aconteceu.."Isto é ignorância. As pessoas não leem nada, não sabem quem foi o Padre António Vieira", disse ao DN. "Fiquei muito surpreendida, nunca pensei que tratassem assim a estátua do Padre António Vieira", acrescentou..No mesmo dia [ontem], a jornalista e escritora conhecida pelos seus livros dedicados ao público infanto-juvenil, já tinha reagido na sua página de Facebook à notícia do DN sobre o ato de vandalismo, tendo revelado que está atualmente a concluir a biografia do jesuíta.."Isto anda tudo doido... Eu estou a escrever a biografia do senhor, quer isto dizer que quando o livro for publicado (se a editora não voltar atrás...) vai ser queimado como no tempo da Inquisição?", questionou..O que aconteceu em Lisboa parece ter sido um episódio de mimetismo do que tem acontecido nos EUA e em alguns países europeus, onde uma onda de protestos contra o racismo tem levado ao derrube de estátuas de figuras consideradas colonizadoras e esclavagistas, na sequência das manifestações contra a morte do afro-americano George Floyd..No entanto, ao contrário do que pensou quem pintou a estátua do Padre António Vieira, o jesuíta nunca foi um esclavagista, antes pelo contrário, defende Alice Vieira.."Não há razão nenhuma [para o consideraram esclavagista], porque ele sempre defendeu os escravos, sempre defendeu os indígenas", lembrou..No entanto, a biógrafa da figura histórica alerta que "mesmo que fosse verdade, que o Padre António Vieira tivesse tido escravos, não podemos julgar hoje o que foi feito há uma data de anos... Todos os reis portugueses tiveram escravos. Aquilo era uma época, agora é outra", sustenta a escritora..Alice Vieira está a escrever a biografia do jesuíta no âmbito de uma coleção sobre figuras da história e da literatura que é publicada pela Imprensa Nacional e se destina ao público jovem..É nos leitores mais novos - grandes fãs de todos os seus livros - que reside a esperança da escritora em que se faça justiça em relação à importância do Padre António Vieira.."Espero que pelo menos os jovens leiam a biografia e que percebam a figura importante que ele foi. Sou admiradora dos sermões e da linguagem. [os mais jovens] Deviam ler e aprender como é que se escreve em bom português", remata Alice Vieira..Filósofo jesuíta, escritor e orador, o Padre António Vieira (1608-1697) foi uma das maiores personalidades portuguesas do século XVII, destacando-se como missionário no Brasil, tendo sido um defensor dos direitos dos povos indígenas e lutou conta a sua exploração. Chamavam-no "Paiaçu" (Grande Padre/Pai, em tupi)..A Câmara Municipal de Lisboa repudiou publicamente o ato de vandalismo contra a estátua do jesuíta.."Todos os atos de vandalismo contra o património coletivo da cidade são inadmissíveis", reagiu a autarquia, via Twitter, que imediatamente procedeu à limpeza da estátua.."A melhor resposta aos vândalos é a limpeza", considerou o autarca Fernando Medina na rede social..Foram ainda mobilizadas equipas de investigação criminal da PSP para recolher meios de prova que possam levar à identificação dos autores do ato de vandalismo, disse à Lusa fonte do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP..Os danos em monumentos configuram crime público e o processo será reencaminhado para o Ministério Público..A estátua do Padre António Vieira foi instalada em junho de 2017, tendo sido o resultado de um protocolo entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Santa Casa da Misericórdia, no âmbito da requalificação do Largo Trindade Coelho..A estátua foi erguida para homenagear "uma das maiores personalidades do pensamento" português, como disse Fernando Medina, no dia da inauguração, a 22 de junho..Estátua já tinha sido alvo de uma manifestação em 2017.Em 2017, a obra foi alvo de polémica quando foi anunciada uma manifestação contra a estátua, O objetivo da manifestação pacífica era homenagear as vítimas da escravatura perante a estátua de uma figura que consideravam um "esclavagista seletivo", escreveu o DN,.Para o grupo "Descolonizando", que organizou o protesto pacífico, a estátua representava um "esclavagista seletivo" que contribuiu para a colonização de milhões de africanos e o etnocídio ameríndio..Mamadou Ba, que esteve presente na manifestação, negava a intenção de querer apagar a história e afirmava que "a memória é para não ser esquecida". ."Ela tem de ser celebrada com todos os componentes para que no futuro não se repitam erros. Quem não conseguir olhar de frente para o seu passado, tem muita dificuldade em tratar o presente e muito menos condições para tratar do futuro", defendia..A manifestação acabaria por ser impedida de se realizar devido à presença de um grupo nacionalista intitulado "Portugueses Primeiro" e obrigou à intervenção da polícia.