África, Ásia e Tibete. Três livros de viagens inspiradores

Praticamente inexistentes há uns anos em Portugal, o género literário das viagens tem vindo a crescer. Algumas sugestões, ainda a tempo destas férias.
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África

Paul Theroux é um dos grandes viajantes que nas últimas décadas do século XX andou a percorrer o planeta e a descrevê-lo em livros. Saiu agora O Último comboio para zona verde, a que dá como subtítulo O meu último safari africano, e que define como "uma viagem pelo mapa desolado de África".

Para os leitores portugueses, este relato tem o apelo de ter como grande referência Angola, mesmo que pelas piores razões: "A certa altura, eu já me retirara da incomportável Luanda e, protelando a minha decisão, comecei a reconsiderar a continuação da viagem." Esta desilusão, no entanto, só acontece à página 351 e apenas faltam pouco mais de duas dezenas para encontrarmos a palavra Fim. Este projeto de Theroux decorria de uma anterior expedição africana, em que percorreu um longo itinerário, desde o Cairo até à Cidade do Cabo. Desta vez, interessava-lhe o outro lado do continente, seguindo da África do Sul até ao norte de África.

Só que o que observou em Angola levou-o a desistir de prosseguir a viagem, situação inesperada para os leitores que têm acompanhado tantas deslocações e por lugares tão complexos como os que já escreveu, ficando-se pela descrição da Namíbia e de Angola. Do que se pode ler, o choque é grande entre o final e a satisfação inicial: "Novamente feliz, de regresso a África, o reino da luz, calcorreara um novo trilho, a pé nesta paisagem antiga, deleitado com um passado imaginável, palpável e visitável.»

O último comboio para a zona verde

Paul Theroux

Editora Quetzal

375 páginas

Ásia

Além de romancista, Colin Thubron é conhecido pela sua literatura de viagens, muito pouco destinada ao olhar breve e desinteressado do turista, antes a quem pretende conhecer a realidade histórica subjacente à geografia que visita. Entre os seus vários livros estão os dedicados ao Médio Oriente, à China, à Rússia - um da era Brejnev e outro pós-dissolução da União Soviética - e, neste caso, uma grande viagem a acompanhar o leito do rio Amur, que separa a Rússia da China.

A prosa é muito boa e quando se chega ao fim das trezentas páginas sente-se falta de ter mais para ler. A viagem começa nos antigos territórios de Gengis Cã, "uma região deserta e bravia quase sagrada", onde, "algures nas profundezas nasce um dos rios mais formidáveis da Terra", com mais de duzentos afluentes, e que faz a fronteira entre os dois países. A origem do nome é desconhecida, mas tudo o que segue não assusta Thubron mais do que a demora das autoridades em o deixar avançar. Quando o consegue, as partidas serão sucessivas até, após muitas aventuras, chegar ao lugar onde o rio se funde com o mar e deixa de existir.

Pelo meio constrói a narrativa de várias regiões, populações e o conjunto de visões que se transformam em memórias. Um dos objetivos desta viagem é dar a conhecer ao leitor experiências que nenhum deles viverá, e que o seu profundo conhecimento sobre ambos os países ajuda a desvendar. Além da geografia, dos costumes, das vidas diferentes, acrescenta toda a História, mesmo que confesse que apesar dos tempos vividos nos dois é-lhe difícil compreender os povos. A expedição usa todo o género de transportes para chegar ao fim da estrada - cavalos, barcos, comboios -, convive com milhões de chineses e muito menos habitantes do outro lado. Uma viagem irrepetível, daquelas por que os amantes do mito do Transiberiano estão menos ansiosos.

O Rio Amur

Colin Thubron

Editora Relógio D"Água

314 páginas

Tibete

Muitos dos livros de viagens nascem por razões que não são as habituais e O Leopardo-das-Neves é um desses casos. Os viajantes, Peter Matthiessen e George Schaller visitaram as montanhas do Nepal com o objetivo de observar o animal que dá título ao livro, no entanto a vivência dessa viagem obrigou um deles - Matthiessen - a alargar os horizontes da deslocação e a escrever este relato.

A esta decisão não estarão alheias razões espirituais, como se podem encontrar na narrativa: "Qualquer pessoa familiarizada com o pensamento Zen ou com os ensinamentos do budismo tibetano não poderá deixar de se espantar." Nem a das descrições da natureza que os rodeia a cada passo que dão, ou da sua elaboração sobre os limites do instinto de sobrevivência perante certas situações. No entanto, o espécime que foram observar não é esquecido e domina muito do livro, afinal desde há séculos que cientistas tinham curiosidade em os analisar de mais perto tantas eram as descrições fantasiosas e míticas que deles se fazia, por exemplo a de Plínio, O Velho, que referia os olhos deste leopardo tão assustadores que se tinha de se esconder nas florestas e deixar que os animais que prendia "caçar" se aproximassem de forma fatal.

O Leopardo-das-Neves

Peter Matthiessen

Edições do Desassossego

Coordenação de António Araújo

399 páginas

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