Aeroporto. Mais denúncias, menos polícias e esquadras degradadas
"Dizer que estamos a atingir o limite é pouco. Estamos em rutura neste momento e as nossas capacidades como polícias, mas também como seres humanos, estão a esgotar-se." As palavras são de Carlos Oliveira, agente principal da PSP no Aeroporto Humberto Delgado há 26 anos e membro da direção da Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP), o maior sindicato da PSP.
Nestes anos, Oliveira foi assistindo com muita apreensão à degradação das condições de trabalho dos seus camaradas e à saída de muitos deles sem terem sido substituídos. Em contrapartida, o volume de trabalho tem sido cada vez mais - a ameaça terrorista e as fugas de alguns imigrantes ilegais obrigaram a um reforço da patrulhas de vigilância em vários pontos da posta e zonas periféricas; o Aeródromo de Tires, em Cascais, passou também a estar sob a responsabilidade deste efetivo; as denúncias nesta esquadra subiram 35% em três anos (é a quarta de toda a Lisboa com mais crimes registados).
A segurança aeroportuária, sublinhe-se, é uma competência da PSP e a proteção e vigilância desta que está entre as infraestruturas críticas do país é uma área a que as direções nacionais têm defendido como prioritária nas suas atividades. Mas os problemas têm-se agravado nos últimos anos, conforme o DN já assinalou no passado.
A Divisão de Segurança Aeroportuária (DSA) tem o edifício-sede a precisar de obras urgentes, há rachas em várias paredes (ver foto), mas apesar das "promessas" nunca estas instalações foram alvo de qualquer reabilitação.
"A cada comandante novo que passa são prometidas obras de fundo. Desde 2000, já passaram sete comandantes e tudo não passa de boas intenções", sublinha este dirigente da ASPP. A média de idade do efetivo é de 46 anos, diz a ASPP.
Segundo dados oficiais a que o DN teve acesso, esta divisão tem cerca de 260 elementos, quando já chegou a ter mais de 350. "É verdade que houve algumas funções que passaram para a segurança privada, mas a PSP recebeu novas missões que exigem vigilâncias e patrulhamentos em permanência, controlo de viaturas e funcionários frequentes dentro do perímetro de segurança", adianta ainda Carlos Oliveira.
O posto de trabalho de Carlos Oliveira, que pertence à Esquadra de Investigação e Fiscalização Policial (EIFP), um dos "braços armados" da DSA, é num contentor que foi instalado "provisoriamente há três anos".
Com ele estão outros 47 polícias, divididos em quatro turnos. "Nem há espaço para guardar devidamente os equipamentos", assinala o dirigente da ASPP. Os coletes balísticos estão amontoados e os capacetes em caixas de papelão (ver fotos).
"A equipa de vigilâncias da DSA, por exemplo, é composta por 15 elementos. Todos tem média de idade acima do 50 anos. Nste ano esta equipa já perdeu dois profissionais para a pré-aposentação e vai perder mais dois, em breve, pelo mesmo motivo sem substituições por falta de efetivo. Faltam dois oficiais e os que existem acumulam duas esquadras e uma outra sem qualquer oficial. As equipas de intervenção rápida da DSA deveriam ter cada uma, seis, sete elementos no mínimo, mas com as transferências previstas de comando vão ficar com uma média de cinco elementos. Estamos a bater no fundo", afiança o responsável sindical.
A ASPP critica a Direção Nacional da PSP por "não investir em recursos humanos essenciais numa área estratégica" e não compreende "porque a gestora do aeroporto não olha para a deterioração das instalações".
O sindicato consultou as receitas que a gestora do aeroporto, a ANA - Aeroportos de Portugal, recebe de taxas de segurança cobradas às companhias aéreas. A distribuição das verbas às várias entidades de segurança é feita depois pela Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) e o valor que chegou à PSP, de acordo com os últimos dados disponíveis no relatório e contas de 2018, "superou os 19 milhões de euros".
No entanto, assinala Carlos Oliveira, "o investimento na DSA foi zero". Para 2019, dado o aumento de passageiros, estas taxas ainda foram mais elevadas, sem que se conheça nenhum plano de obras ou reforço de efetivo".
Numa proposta, enviada no ano passado ao ministro da Administração Interna, a direção da ASPP pedia uma reorganização da DSA, colocando-a na dependência direta da Direção Nacional da PSP (agora está integrada no COMETLIS e divide recursos com outras 25 esquadras de Lisboa) e chamava atenção para problemas estruturais que deviam ser corrigidos.
"Os perímetros aeroportuários atuais delimitados por linhas de rede única e baixas, sendo facilmente escaláveis, bem como facilmente cortadas ou derrubadas são um dos pontos mais vulneráveis a interferências ilícitas", avisava o sindicato, pedindo o "reforço" destas barreiras.
Outro ponto era "a construção das instalações, gerida de forma economicista, com utilização de pré-fabricados e de placas de aglomerados, que se desprendem com facilidade e põem em risco os seus utilizadores". Preocupante também "o mobiliário desadequado que em caso de ameaça ou explosão pode ser projetado causando ferimentos", bem como "a utilização desmesurada de vidraças que ao estilhaçar podem também provocar ferimentos".
A ASPP salientava que "ao aumento de passageiros acresce o inerente aumento de criminalidade nas mais variadas vertentes, sejam elas criminais, fiscais, imigração ilegal, tráfico de armas, estupefacientes, fauna, flora, ou pessoas, como modus operandi cada vez mais diversificados e sofisticados" e perante esta realidade "tal não se repercutiu no número de elementos policiais a desempenhar funções nos aeroportos - muito pelo contrário, o número de profissionais de polícia diminuiu".
O DN pediu vários esclarecimentos à ANA e à direção Nacional da PSP, mas ainda não obteve resposta.