O advogado José Preto deixou de representar o ex-presidente do Sporting Bruno de Carvalho no processo em que este é acusado de ser um dos autores morais do ataque à Academia de Alcochete, a 15 de maio do ano passado, e que tem marcado para esta terça-feira o arranque da fase de instrução. No entanto, tal pode não acontecer, pois durante o dia de ontem foi entregue um pedido de escusa do juiz - o quarto - que pode levar o magistrado Carlos Delca a adiar a sessão, tal como já fez duas vezes..Esta decisão dos defensores dos arguidos pode ser vista como uma forma de tentar prolongar esta fase até final de setembro sem uma decisão do magistrado. É que o prazo para manter os primeiros 23 elementos detidos e colocados em prisão preventiva termina a 21 de setembro e se não existir uma decisão instrutória têm de ser colocados em liberdade..Por outro lado, está também marcada para este dia 2 de julho uma greve dos oficiais de justiça que pode também levar ao adiamento de julgamentos e outras diligências já marcadas..Quanto à decisão de José Preto, esta é justificada no requerimento enviado ao juiz de instrução criminal do Barreiro Carlos Delca com a entrega à sua revelia de um parecer assinado pelo antigo presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) José Manuel Anes, em que este alega que a acusação de terrorismo feita aos 44 arguidos não tem cabimento neste caso. O que até contraria um outro antigo dirigente do Observatório e ex-ministro da Administração Interna, Rui Pereira, que já defendeu que os acontecimentos de 15 de maio de 2018 se encaixam nesse crime..O pedido do advogado para ser autorizado a afastar-se foi feito em maio e até esta segunda-feira ainda não tinha sido despachado pelo magistrado - que tem de concordar com essa decisão. Aliás, no processo consultado pelo DN ainda surge José Preto como o representante principal de Bruno de Carvalho, ex-responsável do clube que é acusado dos seguintes crimes: 40 de ameaça agravada; 19 de ofensa à integridade física qualificada; 38 de sequestro mas classificados como terrorismo; um de detenção de arma proibida agravado..Ao DN, José Preto confirmou querer afastar-se da defesa do ex-dirigente desportivo por "estar em divergência com algumas coisas". Mas o motivo principal do descontentamento é o documento de página e meia que chegou ao processo pelas mãos do outro elemento da equipa jurídica e que tem procuração para representar Bruno de Carvalho, Roberto Silva Carvalho.."Acho grotesco que se entregue um parecer de uma pessoa que não é jurista. Em matéria de direito, um parecer de um não jurista é proibido. Acho imperdoável que o meu ilustre constituinte se tenha deixado manipular desta maneira", frisou ao DN, acrescentando que lhe tinham "dito que iam pedir [o parecer], mas fui contra e mesmo assim pediram". Por isso, diz não poder "estar na defesa dessa pessoa quando não faço ideia do que se passa"..Contactado pelo DN o ex-dirigente do Sporting disse apenas que "o Dr, José Preto renunciou ao mandato por divergência com a estratégia delineada pela restante equipa jurídica. Mantêm-se desde o início na defesa do processo quatro advogados, cada um deles com escritório há pelo menos 20 anos"..O DN tentou ainda ouvir o advogado que surge na procuração entregue no processo - em que José Preto está como o principal defensor - mas tal não foi possível..Parecer defende que não há crime de terrorismo.E o que defende o parecer do antigo presidente do OSCOT? No essencial, o mesmo que José Preto tinha argumentado no requerimento de abertura de instrução: não há crime de terrorismo no caso do ataque à academia..Nesse documento, em que faz uma primeira defesa de Bruno de Carvalho - que está previsto ser ouvido nesta quarta-feira à tarde pelo juiz -, o advogado refere que se estivesse mesmo em causa o terrorismo a competência para investigar este crime é do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), ao qual compete a "coordenação e a direção da investigação e a prevenção da criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial complexidade", e não da Guarda Nacional Republicana..E acrescenta que legalmente o terrorismo é definido como tendo intenção de "prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um ato, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral"..Para a defesa do ex-presidente, "a definição legal é de mau recorte, mas é a definição legal... Pior seria não a conseguir ler, como parece ter ocorrido". "Não há nos factos a que se reportam estes autos qualquer ato de terrorismo nem suspeita séria possível em tal quadrante", afiança. Segundo o advogado, o "texto acusatório ostenta níveis de ignorância e descuido assombrosos que só têm paralelo no arbítrio soez de que há já notícia pública"..José Manuel Anes, por seu turno, alega no documento que está no processo que o "terrorismo tem uma dimensão política e ideológica, podendo ser laica ou religiosa; o crime organizado tem uma dimensão criminal, procurando o lucro por meios ilícitos". Por isso, "[...] no caso do ataque à academia de Alcochete realizado por um grupo de adeptos de um clube contra jogadores desse mesmo clube para exigir destes um melhor desempenho futebolístico, estamos em presença de um grupo de hooligans e não de um grupo terrorista ou de terroristas. Trata-se de um fenómeno de violência grupal protagonizado por adeptos fanáticos"..Frisa ainda que, "em suma, não só o caso Alcochete não se enquadra no conceito de terrorismo das ciências sociais e humanas como a própria decisão de afastar a PJ da investigação de terrorismo e de deixar um dos acusados com apresentações periódicas [Bruno de Carvalho] revela que são as próprias autoridades que não levam a sério esta acusação"..O que é este processo e quem envolve?.O processo sobre o ataque à academia do Sporting em Alcochete envolve a acusação a 44 pessoas de vários crimes, sendo o principal e o mais criticado pelos advogados o de terrorismo. Desse grupo vários pediram a abertura de instrução, que foi concedida a seis: Hugo Ribeiro, Celso Cordeiro, Sérgio Santos, Elton Camará, Eduardo Nicodemus e Bruno de Carvalho. Os quatro primeiros têm presença prevista nesta terça-feira no Campus de Justiça para serem ouvidos na primeira sessão dessa fase. Os dois restantes estão agendados para quarta-feira..Este processo surgiu na sequência da investigação à invasão que um grupo de elementos conotados com a principal claque do Sporting - a Juventude Leonina - protagonizou a 15 de maio do ano passado, quando cerca de 50 pessoas entraram na academia leonina e alegadamente agrediram alguns dos jogadores, treinadores e funcionários do clube..Após esta invasão, que envolveu o lançamento de tochas e petardos na zona dos balneários da equipa profissional, foram detidas 44 pessoas, estando 36 em prisão preventiva - entre eles, o antigo líder da Juve Leo Fernando Mendes e o atual, Nuno Mendes (Mustafá) -, três em prisão domiciliária e cinco em liberdade..De que estão acusados?.O Ministério Público acusou 41 arguidos, todos membros da Juve Leo, em coautoria de 40 crimes de ameaça agravada; 19 de ofensa à integridade física qualificada; 38 de sequestro mas classificados como terrorismo; dois de dano com violência; um de detenção de arma proibida e um de introdução em lugar vedado ao público. Há ainda acusações individuais de tráfico de estupefacientes..De que é acusado Bruno de Carvalho?.Bruno de Carvalho, Nuno Mendes (Mustafá) e Bruno Jacinto (antigo oficial de ligação aos adeptos do Sporting) são considerados pelo MP os autores morais dos seguintes crimes: 40 de ameaça agravada; 19 de ofensa à integridade física qualificada; 38 de sequestro mas classificados como terrorismo; um de detenção de arma proibida agravado..Como surge a acusação ao ex-presidente e o que aconteceu?.Para o Ministério Público, Bruno de Carvalho "encorajou" a decisão do grupo de elementos da Juve Leo de ir a Alcochete agredir os jogadores. Na acusação relembra posts do ex-presidente após a derrota da equipa em Madrid (para a Liga Europa com o Atlético de Madrid) e após perder no Funchal com o Marítimo (para a Liga), em que criticou a equipa e alguns jogadores em particular..Adianta também que algumas declarações suas, ou que lhe foram atribuídas, em grupos criados na rede social WhatsApp foram entendidas como aprovação para o que aconteceu..Bruno de Carvalho chegou a estar detido durante cinco dias no posto da GNR de Alcochete, tendo sido libertado após pagar uma caução de 70 mil euros. Ficou com a obrigação de se apresentar diariamente na esquadra da polícia da área da sua residência..Esta é a terceira tentativa de início da fase de instrução. Porquê?.A instrução do processo - a fase em que o juiz depois de ouvir os arguidos que o pediram ou as suas testemunhas, e no final, pode decidir não os levar a julgamento, modificar os crimes de que estão acusados ou manter tudo como está - devia ter-se realizado em março..Mas a apresentação no Tribunal da Relação de Lisboa de dois incidentes de recusa de juiz com o objetivo de afastar o magistrado Carlos Delca desta segunda fase do processo impediram essa realização. Em decisões tomadas por magistrados diferentes e em datas diversas, os juízes desembargadores que analisaram estes pedidos acabaram por decidir manter o juiz de instrução criminal com a liderança também desta fase - o que significa que dificilmente recuará na pronúncia dos crimes da acusação..Às dúvidas lançadas pela defesa dos arguidos sobre a sua imparcialidade - por já ter tomado decisões sobre a acusação -, os desembargadores sublinharam que na sua atuação nada comprova essas suspeitas..Depois destas decisões, o magistrado marcou a data de 13 de maio para a primeira sessão da fase de instrução. Mas acabou por ficar pouco mais de cinco minutos na sala, o tempo suficiente para comunicar que na sexta-feira anterior (dia 10) tinha dado entrada no Tribunal da Relação de Lisboa um terceiro incidente de recusa de juiz, o que levava a nova suspensão..Os desembargadores voltaram a recusar o pedido e nova sessão foi agendada para esta terça-feira, 2 de julho. Por sinal, dia para o qual está marcado um dia de greve dos oficiais de justiça, o que pode levar a novo adiamento do início desta fase do processo. E, se tal não acontecer, pode tudo ser adiado por nova decisão do magistrado Carlos Delca devido ao novo incidente de recusa de juiz.