Adolescente acusou o pai em tribunal: 12 anos de prisão por abusos sexuais

Rapariga de 14 anos foi vítima de abusos sexuais e de coação pelo próprio pai, um homem de 41 anos que foi também condenado por tentativa de violação de uma sobrinha menor. Tribunal censurou passividade da mãe
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Durante anos, enquanto criança viveu entre violência na residência familiar com o pai a agredir mãe e filhas. Já adolescente, com 14 anos, acabou a ser vítima de abusos sexuais pelo pai, com o silêncio comprometedor da mãe. Só após a mãe sair da casa da família, em setembro de 2016, é que a jovem vítima perdeu o medo e contou os abusos que sofreu quando o pai fechava a porta do seu quarto e ordenava à mãe que fosse ao café comprar raspadinhas. Foi colocada numa instituição, tal como as duas irmãs mais novas, e na passada sexta-feira, dia 1 de fevereiro, o pai foi condenado a uma pena de 12 anos de prisão por seis crimes de abuso sexual de menor dependente agravados, um de coação agravado e ainda outro de violação na forma tentada, este cometido pelo arguido sobre uma sobrinha de 16 anos.

O caso ocorreu em Ponte de Sor, onde no tribunal local decorreu o julgamento, à porta fechada, por decisão do coletivo de juízes da Instância Central de Portalegre, por ser mais próximo para as testemunhas.

A adolescente, agora com 16 anos, foi testemunha no julgamento em que o pai, um homem de 41 anos, eletricista, foi o único arguido. O seu depoimento foi decisivo, apoiado pelos relatórios e testemunhos de peritos que a avaliaram, e além dos factos relativos aos crimes permitiu enquadrar a violência que existia naquele universo familiar. "Foi espontânea no relato de episódios agressivos assumidos pelo progenitor: disse que o pai lhe batia, assim como às suas irmãs e à mãe, o que aconteceu essencialmente nos últimos meses de coabitação do agregado, e independentemente do pai estar ou não embriagado", referem os juízes.

Mas não foi fácil para a jovem vítima. A decisão do tribunal de Portalegre diz que a vítima "depôs com dificuldade, com notório incómodo, mágoa e tristeza. O discurso foi emotivo - chorou ao longo da maior parte do depoimento -, entrecortado por silêncios, e contido. Não obstante relatou com coerência e consistência os factos que vivenciou e que situou temporalmente", refere o acórdão.

"Não foi uma mãe atenta e protetora"

Os episódios de abuso e coação de que foi vítima são descritos na decisão judicial em que a mãe é também censurada. A vítima também contou aos juízes que à sua mãe "o pai dizia para sair de casa, para ir ao café, nomeadamente comprar raspadinhas, ao que aquela também acedia". Por isso, os juízes apontam que teve conhecimento de abusos."Não foi uma mãe atenta e protetora, como lhe era exigível, e como quis agora fazer crer em audiência. Do depoimento de [a vítima] resultou que a sua mãe teve conhecimento, pelo menos, duma depilação que o pai lhe fez na sua zona genital, (...) tendo-se limitado a dizer que tentou falar com o companheiro sobre o assunto, mas que ele tentou bater-lhe, não tendo adotado qualquer comportamento para colocar a filha em segurança, o que lhe era exigível, tanto mais que, como relatou em audiência, a [filha] começou a chorar com frequência, a fechar-se no quarto para chorar, tendo passado a falar menos consigo, tudo sinais que descurou e desvalorizou.".

O acórdão dá como provados todos os crimes que o Ministério Público imputava ao arguido, um homem de 41 anos que cresceu em meio rural, sem pai desde os seis meses de idade, com uma infância marcada por violência doméstica e que não chegou a completar a quarta classe. Não tinha antecedentes criminais. Por quatro crimes de abuso sexual de menor dependente agravado, apanhou quatro penas entre quatro anos e meio de prisão e cinco anos e oito meses. Por outros dois crimes de abuso sexual de menor dependente, foi punido com dois anos e dois meses de cadeia, por cada. Foi condenado ainda por um crime de coação agravado a um ano e meio de prisão e ainda por um crime de violação na forma tentada a dois anos de cadeia.

O tribunal decidiu aplicar uma pena única de 12 anos de prisão e ainda condená-lo a pagar indemnizações de 20 mil euros à filha e de cinco mil à sobrinha.

Jogos no telemóvel durante os abusos

A família vivia numa habitação normal, que o casal partilhava com três filhas. A vítima de abusos é a mais velha das crianças. Os crimes ocorreram todos em 2016, de abril até 27 de setembro, dia em que a mulher abandonou a casa com as três filhas menores. Sempre ao fim de semana, o pai fechava a filha no quarto e se as outras duas menores estivessem presentes ordenava que fossem para outra sala ver televisão. À mulher dizia para sair, ir comprar raspadinhas ao café.

Temendo ser denunciado, o homem disse à adolescente de 14 anos que se contasse "a alguém o que se tinha passado, iria ser pior, tendo aquela temido pela sua integridade física e que o arguido praticasse consigo relações sexuais". Esta ação é que levou ao crime de coação agravada, com o coletivo a considerar que "agiu de modo a provocar medo na filha quanto à prática futura de agressões físicas e/ou de relações sexuais, com intenção concretizada de a intimidar e dessa forma determiná-la a comportar-se de acordo com as suas determinações de não relatar a outras pessoas os factos ocorridos."

Além dos atos com a filha, o acusado respondeu ainda por uma tentativa de violação de uma sobrinha de 16 anos, prima e amiga da filha. Foi em dezembro de 2016, que a aliciou a deslocar-se a sua casa com a promessa de ter uma bicicleta para lhe oferecer. Levou-a ao sótão onde tentou ter relações. Beijou-a, acariciou-a mas a menor resistiu sempre, empurrando o homem até que alguém tocou à campainha da casa e o agressor deixou a adolescente ir. Mas avisou-a para não falar, tal como já havia dito antes no sótão: "Vá, anda. Não contes isto a ninguém. Fica só em segredo, porque senão eu posso ter problemas". O tribunal não teve dúvida: "Decorre desde logo dos factos apurados, e sem margem para qualquer dúvida, que o arguido quis nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referenciados manter relações sexuais de cópula, contra a vontade desta."

Inibido durante 15 anos

O arguido, em prisão preventiva, negou os crimes e procurou imputar culpas a um terceiro, um homem com quem a sua companheira teve uma relação na altura em que saiu de casa. Mas em tribunal a menor desmentiu que o indivíduo tenha sequer tentado algum abuso. A decisão do tribunal inclui ainda a inibição de exercício de responsabilidades parentais por cinco anos e também a pena acessória de proibição de assumir a confiança de menores, seja por tutela, adoção ou outra forma, durante 15 anos.

A instituição que acolheu a menor em abril de 2017, por decisão judicial, também pedia uma indemnização de 35 mil euros pelos danos causados à menor e pelos gastos que poderá ter no seu tratamento. O tribunal teve de rejeitar já que os pais conservavam o exercício da responsabilidade parental, o que cessou no caso do pai com este acórdão, e a instituição não tinha legitimidade para reclamar a indemnização.

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